sexta-feira, 22 de junho de 2012

Características gerais da colonização portuguesa no Brasil



Bernardo Aurélio de Andrade Oliveira


Freyre, em sua poltrona famosa.

Gilberto Freyre escreveu Casa Grande & Senzala na década de 30, provavelmente olhando pela janela de seu escritório todo o fidalgo passado que sua vista podia contemplar no enorme quintal à sua frente. Descendente de portugueses, construiu um livro considerado o primogênito da sociologia brasileira que dialogava com ideias varnhageanas do século XIX, fazendo um elogio da colonização portuguesa no Brasil, ressaltando as características desse povo e explicando o porquê teria sido tão bem sucedido na tarefa de construir nosso país.

O grande diferencial sociológico de Freyre, com relação à Varnhagem é a defesa do hibridismo brasileiro, valorizando, principalmente, a participação do negro em nossa sociedade. Mas Freyre inicia seu livro homérico bem antes disso. Para ele, o próprio povo português já era fruto de um hibridismo secular antes mesmo de Pedro Álvarez Cabral. O povo mouro, os descendentes árabes e africanos, de modo geral, já estavam presentes na realidade cotidiana do português, sendo assim, eles próprios já eram misturados. O povo português possuía uma forte presença de peles de tons escuros, diferentes do fenótipo comum que imaginamos ser o europeu: loiro de olhos azuis. Essa influencia moura se via presente não somente na pele e cabelos mais escuros que o comum, mas a presença da própria religião maometana teria também amolecido o sentimento católico no coração do português com relação a tolerância religiosa ou mesmo desenvolvido uma mistura de misticismo, valores e moral mistas.

O fator geográfico também foi fundamental para o português se adaptar melhor a uma colonização feita nos trópicos. De acordo com Freyre, o clima de Portugal, por conta da proximidade, era muito mais africano do que europeu. Segundo ele, era muito diferente a relação dos colonizadores ingleses, que viveram num ambiente de clima brando, muito parecido com o de seus países de origem. Entretanto, ingleses não teriam essa mesma sorte se tivessem vindo para o Brasil, da mesma forma que os franceses e holandeses que vieram pra cá não tiveram, fazendo o que Freyre considerou como colonização de caranguejo, andando de um lado para o outro do litoral brasileiro, sem nunca si aprofundarem em nosso território ou deixarem influencias realmente fortes ou sólidas comparáveis à herança dos portugueses, pois “daqui se retiraram quase sem deixar traços de sua ação colonizadora. Os que deixaram foi em areia de praia (...) Limitaram-se com efeito a arranhar o litoral” (2006, p. 74).

Então, quando Portugal lançou-se ao mar, já estava acostumado ao clima tropical e com a convivência entre diferentes raças e credos. Essa convivência com o diferente propiciou ao português a prática da miscigenação. Segundo o próprio Freyre, sob a mulher morena, descendente de mouros, reinava um misticismo e um apelo sexual que foi absorvido pela cultura do homem branco. A mulher morena é diferente, é exótica, o que teria estimulado no português o hábito de misturar-se, gostosamente, com as mulheres de cor, segundo os próprios termos do autor.


Sexo!

Essa propensão à mistura foi fundamental para que o português pudesse manter sua colonização através de laços mais estreitos que a simples relação de colonato, esse laço seria, bem ou mal, a construção dessa família brasileira, “o grande fator colonizador no Brasil”. Segundo Freyre, “os portugueses foram os primeiros europeus a verdadeiramente se estabelecerem em colônias, vendendo para esse fim quanto possuíam em seu país de origem e transpondo-se com a família e cabedais para os trópicos” (2006, p. 80), ou seja, essa família não era só construída aqui, mas também era desenvolvida aqui, porque a iniciativa do português trouxe famílias inteiras pra cá, antes mesmo da colonização de povoamento norte-americana. Nos primeiros anos do 1500, a iniciativa privada de famílias como as de Martim Afonso e Duarte Coelho foram fundamentais para povoar e defender militarmente, assim consolidando esse domínio português na América. Segundo Freyre, ainda no século XVI já haviam casas e fazendas estruturadas no Brasil que só apareceriam no século seguinte em colônias espanholas como as do Uruguai e Paraguai. Isso se deveu, principalmente porque o português não achou ouro e prata como os espanhóis encontraram desde o princípio, cabendo ao português desenvolver primeiro essas fazendas para a extração do pau-brasil e, logo em seguida, o início do desenvolvimento da monocultura do açúcar, pra isso era preciso cultivar e fixar residência, o que o autor definiu como “colônia de plantação”.

Essa necessidade de misturar-se à raça nativa deveu-se também a uma característica muito limitadora do povo português: era uma população relativamente pequena. Mas isso não a impedia de aventurar-se pelo mar, administrando negócios nos quatro cantos no mundo, desde as índias e demais países da Ásia, passando pela África até a América. Um povo pequeno não teria uma força tão influente em extensão e destacar-se-ia no desenvolvimento do comércio marítimo mundial se não encontrasse meios de se colocar definitivamente em cada um desses pontos: então eles criavam mestiços e desenvolviam famílias nesses lugares. O povo português era de uma mobilidade notória. Essa capacidade de se mover e se estabelecer foi motivo de vitória em seus meios de comércio e colonização pelo mundo. A mobilidade desse povo desenvolveu o que Freyre considerou um verdadeiro rodízio administrativo mundial. Muitos administradores notórios de Portugal exerciam sua experiência em vários lugares do globo, “os indivíduos de valor, guerreiros, administradores, técnicos, eram por sua vez deslocados pela política colonial de Lisboa como peças de um tabuleiro de gamão: da Ásia para a América ou daí para a África, conforme conveniências de momento” (2006, p. 70).



De forma que essa colonização agrária, de base familiar, criou no Brasil uma herança fortíssima baseada nas famílias de grande influencia devido a seu prestígio e poder rural. Assim, as fazendas privadas tornaram-se símbolos de grandes centros administrativos que rivalizavam em força política com os representantes legais de Portugal no Brasil, ou mesmo, mais no futuro, com a própria família imperial brasileira, como é notória a relação entre Dom Pedro II e o Barão de Mauá. Essa herança é a força da oligarquia e do nepotismo, que cresce nas entranhas desde o desenvolvimento da primeira fazenda brasileira.

Nenhum comentário: