segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Esse cara, o Albert Piauí!!!

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Albert Nunes de Carvalho é natural de Luzilândia. Nasceu em 24 de setembro de 1953. É libriano, “como a maioria dos artistas e jornalistas”, segundo o próprio Albert. Viveu à margem do rio Parnaíba. Os pais, Bernardo Uchoa de Carvalho e Maria José Nunes de Carvalho, são maranhenses de São Bernardo, do outro lado do rio Parnaíba, vizinha de Luzilândia.

Quando criança, Albert lembra-se muito que sua cidade natal era muito festeira, haviam os shows de variedades no Cine-Teatro São Domingos onde ia assistir aos ensaios das peças que os pais encenavam: os dramas. Nesses “dramas” aconteciam de haver a peça principal, mas também se apresentavam espetáculos de dança, piadas, músicas. Albert lembra-se que a cidade era muito católica e certa vez chegou a interpretar o menino Jesus. Outras atrações foram marcantes, como o Cassimiro Côco (Teatro de boneco) que se apresentava na periferia da cidade, os Violeiros, o Bumba-meu-boi, os terecôs (batiam tambor), forrós e sanfoneiros.

pássaro por Albert Piauí

Algumas das lembranças mais importantes daquele período dizem respeito a quando as mulheres, suas primas, tias e amigas da família, se reuniam para ouvir novela de rádio. Nessas ocasiões havia troca de livros entre famílias e de revistas como Cruzeiro e Seleções, mas a influencia cultural mais forte de sua infância nestes primeiros anos de leitura foram as fotonovelas. Sua mãe tinha baús cheios delas, títulos como Capricho e Grande Hotel. Nestas publicações haviam notícias sobre cinema e artistas do rádio. A maioria de produção italiana. Entretanto “não era chic, não era direito um menino ler fotonovela, que era coisa de menina, mas isso não entrava na minha cabeça”. Albert leu escondido da mãe. Apenas anos depois, chega um primo com quadrinhos: tio patinhas, mickey, cavaleiro negro, Batman, Flash Gordon, Mandrake, Tex... Albert inicia uma coleção de revistas em quadrinhos, a maioria publicada pela editora Ebal, que dominava o mercado de quadrinhos no Brasil.
Albert lembra que o cinema que havia em Luzilândia era esporádico, que não teve um dono de cinema na cidade, era ambulante. Lembra também, que não houve a cultura do desenho. Diz que só foi conhecer uma obra original, uma tela, em Teresina.
Teve três irmãos, mas nenhum deles seguiu por trilhas da arte. Mauro foi jogador de futebol, Ezequiel tornou-se enfermeiro e Francisco virou jornalista e pastor, mas futebol era o que mais os impressionava, inclusive tiveram um time, o Luzilândia Clube, que, segundo o Albert, “nunca perdeu pra ninguém”. Entretanto, entre os irmãos e amigos, Albert se sentia o menino diferente...

Aos quatorze anos foi morar em Goiatuba, Goiás. Passou quatro meses por lá, mas não se adaptou, pois achou que falavam diferente, se vestiam diferente por causa do frio, comiam diferente. Disse que em Goiás só vai anoitecer às 8 da noite. Sem falar que, apesar de ser a música caipira de verdade, era muito chato ouvir os violeiros sertanejos o dia inteiro para quem se acostumou a ouvir baião. A maior influencia que teve nestes meses em Goiás foi conhecer a obra do Mazzaropi e ver os meninos ricos da cidade trabalharem com uma caixa de engraxate para ganhar dinheiro.

Outro boi por Albert Piauí

Segundo Albert, o primeiro contato com desenhos vieram através dos humoristas que publicavam nas revistas Cruzeiro, como Millor Fernandes e Péricles. A partir dali, e do contato com as histórias em quadrinhos, iniciou os primeiros traços:

A inclinação pro desenho foi exatamente na época em que eu tomei contato com as histórias em quadrinhos. Porque eu comecei a copiar, copiar mesmo. Olhava assim o cavaleiro Negro, eu desenhava igual. Naquela época, eu gostava muito de desenhar na calçada de Luzilândia, eu era menino, e eu pegava carvão e desenhava a calçada inteira da igreja. O padre, que era meu padrinho, ele ficava puto. Porque quando ele chegava assim de manhã na Igreja ela tava toda riscada, a calçada. Eu riscava inteiro, cara. Ainda hoje eu gostaria de tentar fazer isso de novo. Eu pegava a calçada aí eu fazia uma cidade de uma ponta a outra. Eu fazia um fio direto aí fazia as casinhas, entendeu? Então a calçada ficava toda riscada de carvão ou então ficava de giz (...) Então, a minha inclinação veio daí, entendeu?


Quando Albert chegou em Teresina, em 1968, depois de ficar quatro meses em Goiás, foi morar numa rua que, por acaso, tinha um maestro que morava ao lado e que tinha três filhos. Eles eram ligados à arte. Um era músico, outro gostava de ler “O Pasquim”. Foi quando Albert conheceu Jaguar, Fortuna, Claudios, Miguel Paiva e mais intimamente a obra de Ziraldo e Millor Fernandes, que já os lia em Pererê e na Cruzeiro.


O Grande time do humor brasileiro. Na verdade foi depois do Pasquim que eu comecei a me interessar por arte mesmo, de uma vez. Depois que eu conheci “O Pasquim” eu decidi o que eu queria ser, entendeu? Eu queria ser desenhista, jornalista...


Quando tinha 16 anos, Albert começa a si interessar por jornalismo. Em Teresina não tinha escola de jornalismo. Entrou no jornal “O Dia” quando era um jornal pequeno, apesar de procurar ser moderno, através de uma política editorial implementada pelo Feitosa Costa e pelo Coronel Miranda. Nesta equipe estavam jornalistas como Wilson Fernandes e Chico Viana.

Eu entrei (no O Dia) nessa época como um garoto que queria fazer charge (...) Agora o importante: o Arnaldo (Albuquerque) já tinha passado por lá, porque historicamente o Arnaldo é o primeiro chargista da história piauiense. De verdade, entendeu? Porque eu entrei lá pra substituir o Arnaldo. O Torquato Neto passou por aqui e levou a turma pro Rio de Janeiro aí ficou lá o espaço, aí eu “pá!”, entrei (...) Por que, na verdade, o Arnaldo fez charge no jornal O Dia, mas o primeiro chargista constante fui eu. Fui eu que consolidei a charge no jornalismo piauiense.

Entretanto, naqueles primeiros anos da década de 70, a inconstância parecia cotidiana entre os artistas daquela época e o Albert achou de ficar sempre indo e voltando de Teresina para o Rio de Janeiro. Quando esteve por lá, visitou algumas vezes a redação do jornal O Pasquim, e tentou algumas vezes ser publicado.

O meu desenho, eu não tinha capacidade naquela época de ficar no time do Pasquim. Eu conseguia publicar alguns desenhos no Pasquim, entendeu? Eu não tinha um trabalho sólido, um trabalho bem feito e maduro pra poder ser um cara constante no Pasquim, entendeu? Eu era aquele cara que de vez em tinha um desenho que publicava no Pasquim. Eu conheci o Ziraldo, fui na casa dele, ele me recebeu com muita amabilidade, foi muito amável comigo, mas eu não era um bom chargista na época.


Albert lembra que foi importante esta experiência, por menor que pudesse ter sido, no Pasquim. Ele desenhava no material errado. No Rio de Janeiro foi que conheceu o bico-de-pena. Aqui ele não tinha pessoas com quem interagir, pois o desenho de humor tava começando com pessoas como ele. O Arnaldo Albuquerque, que ele citou acima, pioneiro na charge e nos quadrinhos impressos no Piauí, desenhava com caneta de arquiteto, um material não recomendado entre artistas.

Um dia eu cheguei no Pasquim e vi o Ziraldo desenhando uma capa, aí ele tava com um bico de pena. Aí ele botava no... (nanquim) desenhando. Aí eu disse assim: “Porra! Que diabo é isso aqui? Tu desenha com isso?”. Ele disse: “É”. E eu desenhava com caneta de arquiteto, que é uniforme, porque o bico-de-pena você vai, quando você trabalha com bico-de-pena, quando você pressiona ele no papel, você dá várias espessuras e você inventa o que você quiser (...) Eu custei muito a aprender a desenhar, cara. Eu acho. Porque no Piauí não tinha escola, Bernardo. Você começar a desenhar numa cidade que não tem uma escola de artes plásticas, não tem um salão de espécie alguma, não tinha ninguém que desenhasse antes de você, que você conhecesse, não tinha ninguém pra trocar idéia com você. A única coisa que você tinha acesso era o trabalho dos outros humoristas que você via nos jornais. Olhando o jornal você não sabe a técnica que o cara usou, então era muito difícil nessa época você desenhar.

Entretanto, antes de ir ao Rio, o Piauí tinha um movimento artístico que Albert teve conhecimento, mas, a priore, não teve acesso.

Naquela época nós estávamos na ditadura muito forte e tava tendo um movimento contracultural no mundo inteiro, entendeu? E tinha um grupo de garotos, de jovens, muito inteligentes, que era o Edmar, o Galvão, o Pereira, o Marcos Igreja e tantos outros, aí eles fizeram um jornal chamado o Gramma. Eles realmente eram muito inteligentes. Eu acho que foram eles que abriram tudo pra cidade, entendeu? Pelo menos pra mim, foram eles (...) E nessa época eu tava chegando de Luzilândia e não tinha condição de ter acesso a eles. Eu era menino réi que tava chegando. Eu fui conhecer eles depois...

Ainda na primeira metade da década de 70, Albert e uma turma tiveram idéia de fazer um jornal. Batizaram-no de “Chapada do Corisco”.

A gente tinha a idéia de fazer o jornal. E naquela época éramos todos fodidos. Assim, naquela época não tinha mercado de trabalho pra nós. Nós todos éramos garotos que nos virávamos com muita dificuldade e os únicos que tinham uma posição assim mais organizada era o Dodô Macedo e o Cineas Santos. O Cineas era professor, dava muita aula, então ele tinha uma vida organizada, entendeu? E nós, não. Aí surgiu a idéia de fazer o jornal. Juntou eu, Cineas, Paulo Machado, Dodó Macedo, Assai Campelo, o Etim e o Arnaldo, do Gramma. Aí a gente começou a fazer o jornal que quem diagramava era eu, aliás, quando olho pro jornal hoje, porra! Mal diagramado pra porra! Que vergonha, aquele jornal. Eu diagramava e fazia ilustrações. Ruim pra porra, as ilustrações. Quando eu olho, é impressionante...

Durante as edições do Chapada do Corisco, um dos colaboradores foi o Antonio José Medeiros, hoje secretário de educação e cultura do Estado. Medeiros tinha uma posição política que incomodava de alguma forma os militares daqueles anos de ditadura.


A gente tava sobre a ditadura e o Antonio José tinha vindo do Canadá. Ele tinha se casado com a Rita Cavalcante. E a casa do Antonio José começou a ser um local de discussão de política, entendeu? Eu era de dentro da casa do Antonio José e das reuniões, e lá começou a se fazer um grupo de estudos onde a gente estudava Fernando Henrique Cardoso (risos). Rapaz, Fernando Henrique Cardoso naquela época era revolucionário! É Celso Furtado, alguns autores assim daquela época (...) Aí, o que é que acontece: eu andava no meio da rua, ainda hoje eu me lembro, eu estava com o José Leite e um amigo meu, e eu fui a vários bares de Teresina, fui num bar, aí eu vi que tinha um pessoal seguindo a gente. Aí, depois, a gente foi no Luxor Hotel pra um evento sobre arte, e tinha um grupo seguindo a gente. Aí ele me deixou na casa de Antonio José Medeiros. Eu fiquei lá. Conversei um pedacinho, quando eu saí pra ir pra casa, uns cinco quarteirões depois, aí vários homens armados saíram de um volks e me prenderam, rasgaram minha calça, eu era magrinho, aqueles homens fortes assim, superarmados, me puseram no carro e tcham! (gesticula com a mão, um carro saindo em disparada). Aí me levaram pra polícia federal. Quando eu cheguei lá eu tive a surpresa de ver vários amigos meus lá, sabe? Revolucionários de porra nenhuma! Como eles eram desinformados, sabe? Cada pessoa que tinha contato ali na casa de Antonio José Medeiros, começaram a ser presos. Aí começaram os interrogatórios, eu fui colocado num quarto escuro e ele era estreitim, sabe? Era estreitim assim, sujo! Porque acho que era uma dispensa. Sujo. Ainda hoje eu me lembro, que eu tava de roupa clara. Aí eu fiquei lá, em pé, no escuro. E eu tinha bebido a noite todinha e eu tava numa ressaca da porra. A minha vontade mesmo era dormir, sabe? Aí eu me sentei naquela porra daquela sala escura, aí pensei: “sabe de uma coisa, vou me deitar”. Mas me deitar significava que eu ia ficar todo sujo. Era essa exatamente a idéia: ficar sujo e você perder a auto-estima, sabe? Porque ninguém foi torturado. Eu sei que quando, foi assim, quatro horas da tarde, que eu fui dar meu depoimento, eu tava todo sujo e com fome, porque eu não consegui comer a comida que tava lá (...) Eles tavam com todos os desenhos que eu tinha publicado até então. Eu cheguei lá e tava toda minha coleção de desenhos e ele começou a folhear sem dizer nada, aí fechou. Aí eu disse assim: “Caramba! Eu mesmo não guardei! Agora eu já sei quando eu quiser fazer um livro eu venho aqui pedir emprestado”. Aí eles começaram a perguntar: “Você é comunista?”. Aí começaram a me fazer pergunta sobre o Antonio José Medeiros. “Você tava no dia tal, local tal?”, eu digo “tava”. Aí eles começaram a fazer pergunta sobre o Antonio José Medeiros: “Antonio José é comunista?”, aí eu disse que ele não era, porque ele nunca foi, cara (...) Todo mundo era de esquerda, claro! Todo mundo era contra o sistema, mas ninguém quis ser contra o sistema jogando bomba, matando gente, entendeu? (...) O grupo ali era pra estudar e eu nem estudava porque eu não tinha saco pra estudar os estudos que tinham na casa de Antônio José. Eu só era um freqüentador. Porque lá era freqüentado pela Helena e Helena, eu me interessava por ela, e depois eu me casei com ela.


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Pouco anos depois disso, surge a idéia de se fazer o Salão de Humor do Piauí. Segundo o Albert, a idéia foi dele, mas Kenard Kruel, amigo que o ajudou muito na realização deste evento, tem outra versão para a história. Apegando-se apenas aos fatos colocados por Albert, ele não teria participado nem como jurado do 1º salão. Ele não foi sequer consultado para fazer o regulamento. No 2º evento, teria sido convidado apenas para ser jurado. Segundo o próprio, os três primeiros salões foram um fracasso: desorganizados, sem método.

Quando Jesualdo Cavalcante assumiu a Secretaria de Cultura, ele teria resolvido acabar com tudo que não estava dando certo na administração. Apesar de o salão desde o princípio agradar à cidade, ele não agradava a nova administração. Albert teria conversado com Kenard para trabalharem juntos com o intuito de não deixarem o salão acabar, por que ele podia ser mal feito, mas agradava à cidade. Kenard teria marcado uma reunião com o Jesualdo. Albert começa a propagar a idéia que poderia transformar o salão de humor em um dos maiores eventos do Piauí e do Brasil. Albert teria jogado umas idéias como feiras de livros e teatro. Pouco depois o secretário mandou chamar o Albert e lhe entregou duas passagens, uma para ir à Brasília e outra ao Rio de Janeiro. Por acaso, quem dirigia a Funart era o Ziraldo.

Fui conversar com o Ziraldo, lá na Funart. Aí o Ziraldo me disse uma coisa, cara, que norteou o Salão pro resto da vida. Ele disse: “eu não vou dar dinheiro pra porra de Salão, não”. Aí eu disse: “porque Ziraldo?”. “Porque todo salão que tem nesse país, só tem gente no dia do coquetel, depois fica abandonado”. Aí eu disse: “pois eu prometo pra você que o Salão de Humor não vai ser um salão desse tipo”. Aí foi a partir daí que a gente começou a colocar o salão na rua. O salão começou a ser popular, diferentemente de Piracicaba, sabe?


Foram vinte e cinco anos de Salão de Humor do Piauí até hoje. Há alguns anos atrás, quando o salão já estava devidamente consolidado como um dos mais importantes eventos culturais do Estado, “o mais importante”, segundo Albert, surge a necessidade de uma nova luta, além de realizá-lo todos os anos: a de construir a Fundação Nacional de Humor.

Todos os salões que se fazia no Brasil eram ligados ao Estado. E a gente percebeu que não havia autonomia de se colocar idéias. Tinha muita hierarquia no meio. A gente chegava e propunha uma idéia aí “não, a vai consultar o secretário” aí o secretário “não, a gente vai consultar o governador”. E a gente achava que tinha muito intermediário nas idéias. As idéias que a gente tinha eram amplas e não funcionavam. Por exemplo: essa idéia dos túneis (que expunham trabalhos nas praças) a gente teve e só conseguiu fazer dez anos depois.

A Fundação Nacional de Humor foi a primeira ONG cultural do Piauí, segundo o próprio Albert. Ainda hoje, depois de vários anos para conseguir o prédio que fica na praça Ocílio Lago como sede da instituição, Albert luta para tentar estruturá-lo para que possa servir da melhor maneira possível aos grandes propósitos da Fundação.

Albert ainda produz desenhos com muita intensidade e corre, a cada ano que passa, atrás de melhoramentos para um evento cada vez mais difícil de fazer, porque a Fundação quer cada vez mais e mais, com shows musicais, oficinas, palestras, teatro, dança, palcos simultâneos, exibição de filmes etc...

O salão tomou a cara do próprio Albert, entretanto ele lamenta as dificuldades de continuar fazendo isso. Observa uma necessidade artística de cuidar da própria arte, montar um ateliê. Coloca que, para o bem da Fundação Nacional de Humor e do próprio Salão, para que ele seja feito com mais facilidade, até abre mão de sua presidência.
Albert Piauí desenha em casa. Tem centenas de desenhos escondidos e esboços inacabados, um blog bastante movimentado na Internet (albertpiaui.180graus.com), quer morar em Água Branca e, quem sabe, na próxima encarnação, ser um cachorro daquela cidade, para comer e fazer a cesta debaixo de uma sombra de árvore, no meio de uma rua de calçamento e não ser incomodado por ninguém, como acontece por lá todos os dias, segundo ele...

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Nova Coisinha Pequena

Quando voltei e abri a porta de casa, vi seu corpo esquartejado sobre o sofá.
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Que bom que fui eu quem foi comprar o pão

domingo, 7 de dezembro de 2008

O Fantástico Paradigma Indiciário e Previsão do Futuro nas Histórias em Quadrinhos

O Fantástico Paradigma Indiciário e Previsão do Futuro nas Histórias em Quadrinhos
Por Bernardo Aurélio

Resumo: Os quadrinhos a muito tempo apresentam-se de forma engajada no mundo político-econômico em que se vive devido a utilização dos paradigmas venatório e implícito para construção de uma realidade em seus textos. Neles são encontradas informações sobre a existência de uma concreta “Mão Invisível” que controla o mercado global e da atual construção de um instrumento de segurança para a perpetuação de seu poder, o Big Brother.

Palavras-chave: Quadrinhos, Paradigma Indiciário, Previsão do Futuro, Mão Invisível e Big Brother.

É bem verdade que com o movimento da escola novista e dos Annales o campo dos objetos de pesquisa para os historiadores se expandiu bastante. O recurso ignorado antes, de utilização das mentalidades e da produção da cultura de massa possibilitou o estudo, ainda que tímido, das Histórias em Quadrinhos (HQ’s) como fontes históricas. É somente devido a esta expansão que este trabalho pôde ser realizado.

Apesar da fantástica concepção de mundo encontrado na enorme maioria das HQ’s, as revistas de super-heróis, gênero mais consumido no mercado americano, com uma ciência mais próxima da magia que da razão, com super-seres voando em todos os cantos da Terra, há muito tempo elas apresentam-se de forma engajada em sua concepção da sociedade, da economia e da política. Este engajamento parte de um princípio básico de percepção da realidade. Essa percepção, claro, precisa ser aguçada e aprofundada. Desta necessidade, autores de quadrinhos, da mesma forma que historiadores, ou pesquisadores sociais, constroem um conhecimento embasado em fatos e não somente em suas percepções de mundo. Entretanto, existe uma capacidade de compreensão de uma realidade a partir de detalhes invisíveis aos olhos de leigos, isto devido, principalmente, a um fator conhecido pelos historiadores como paradigma venatório e paradigma implícito, ou indiciário, de acordo com Carlo Ginzburg: “Ambos (venatório e implícito) pressupõe o minucioso reconhecimento de uma realidade talvez ínfima, para descobrir pistas de eventos não diretamente experimentáveis pelo observador” (GINZBURG. 2003, p.152, 153). Este “reconhecimento” e “pistas” permitem ao pesquisador não apenas ter uma noção mais ampla da realidade como também pode chegar a prever acontecimentos possíveis ou perceber fatos esquecidos.

ginzburg

O paradigma indiciário baseia-se, de acordo com o estudo de Ginzburg, na capacidade do pesquisador concentrar-se em detalhes da mesma forma que um detetive estuda um crime, procurando pistas como fios de cabelo, ou quando um médico analisa os sintomas mais minuciosos para determinar qual doença atinge seu paciente. “O que caracteriza esse saber é a capacidade de, a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável diretamente” (p. 152).

Muitos escritores de HQ’s possuem esta característica e, a partir dela, podem produzir estórias ambientada em um passado possível, um presente desconhecido ou um futuro provável. Um exemplo disto pode ser encontrado no personagem Flash Gordon, de Alex Raymond, que com suas aventuras espaciais, desde 1934, quando fora criado, serviu como antecipação no desing de futuro e serviu inclusive como estudo para a Nasa:


Ao folhear as páginas de A Conquista do Espaço, um livro editado pela NASA, encontro uma informação tão curiosa quanto surpreendente: os cientistas de Houston, velhos aficcionados dos comics, encontraram em Flash Gordon, a solução para meia dúzia de problemas sérios, em matéria de navegação espacial...
O melhor exemplo é a pistola que o primeiro astronauta americano usou para se locomover no espaço sob controle. A idéia surgiu da leitura de uma das primeiras aventuras de Flash Gordon, publicada muito antes da elaboração do projeto Apolo1 (MOYA. 1977).


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Raymond não descobriu como contornar certos problemas de navegação espacial, afinal ele era especializado em desenhar quadrinhos, mas anteviu, mesmo em relação aos conceituados funcionários da NASA, quais seriam os melhores métodos e medidas para se locomover no espaço. Perguntar como ele chegou a esta conclusão remete a uma simples resposta: a construção de um paradigma indiciário voltado para a capacidade de prever o futuro. De alguma maneira, os mínimos detalhes da vida de Raymond, vivendo sua vida, experimentando determinados conhecimentos adquiridos diariamente, juntando informações e objetivando em seguida para criar seu Flash Gordon, tudo lhe possibilitou perceber algo ainda não notado pela maioria.

Falar de previsão do futuro pode parecer absurdo em qualquer ambiente acadêmico. Entretanto, o principal objeto de estudo da história, o passado, possui suas controvérsias. Segundo Marc Bloch:

(...) a própria idéia de que o passado, enquanto tal, possa ser objeto de ciência é absurda. Como, sem uma decantação prévia, poderíamos fazer, de fenômenos que não tem outra característica comum a não ser não terem sido contemporâneos, matéria de um conhecimento racional? (BLOCH).

Carlo Ginzburg também corrobora com esta dificuldade do fazer histórico:

Ora, é claro que o grupo de disciplinas que chamamos indiciárias (incluída a medicina) não entra absolutamente nos critérios de cientificidade deduzíveis do paradigma galileano. Trata-se, de fato, de disciplinas eminentemente qualitativas, que tem por objetivo casos, situações e documentos individuais, enquanto individuas, e justamente por isso alcançam resultados que tem uma margem ineliminável de casualidade... A ciência galileana tinha uma natureza totalmente diversa, que poderia adotar o lema escatológico individuum est ineffabile, do que é individual não se pode falar...Tudo isso explica por que a história nunca conseguiu se tornar uma ciência galileana (GINZBURG. 156)

Como preferem usar os historiadores, a capacidade de “antevê” os fatos é seriamente discutida por autores consagrados do campo histórico, como Eric Hobsbawm:

(...) passado, presente e futuro constituem um continuum. Todos os seres humanos e sociedades estão enraizados no passado – o de suas famílias, comunidades, nações ou outros grupos de referencias, ou mesmo de memória pessoal – e todos definem sua posição em relação a ele, positiva ou negativamente. Tanto hoje como sempre: somos quase tentados a dizer “hoje mais que nunca”. E mais, a maior parte da ação humana consciente, baseada em aprendizado, memória e experiência, constitui um vasto mecanismo para comparar constantemente passado, presente e futuro. As pessoas não podem evitar a tentativa de antever o futuro mediante alguma forma de leitura do passado. Elas precisam fazer isto. Os processos comuns da vida humana consciente, para não falar das políticas públicas, assim o exigem. E é claro que as pessoas o fazem com base na suposição justificada de que, em geral, o futuro está sistematicamente vinculado ao passado, que, por sua vez, não é uma concatenação arbitrária de circunstancias e eventos. As estruturas das sociedades humanas, seus processos e mecanismos de reprodução, mudança e transformação, estão voltadas a restringir o numero de coisas passíveis de acontecer, determinar algumas das coisas que acontecerão e possibilitar a indicação de probabilidades maiores ou menores para grande parte das restantes (HOBSBAWM, 1998).


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Hobsbawm nos confirma que a “memória pessoal” de Alex Raymond foi fator fundamental para que ele pudesse antever o futuro através da leitura de seu próprio passado, de suas experiências e processos comuns da vida consciente. Perceber que certos artistas, ao contarem uma estória, utiliza-se dessa bagagem social, dessa percepção de mundo para criarem um cenário plausível num tempo qualquer, é compreender que esse criador, ignorando ou não o fato, utiliza-se do poder desse paradigma indiciário e da capacidade de antevê o futuro que nos falam Ginzburg e Hobsbawm.

A invasão norte-americana ao Iraque em 2003, ou mesmo em 1991, é outro exemplo de que os quadrinhos, na construção de suas ficções, anteciparam-se sim, ao fatos do mundo real. Na estória intitulada Superpoder (Superman: Superpoder. nº 05. Ed. Abril. Dez, 2000. Pág. 99-162.), um novo super-herói chamado apenas de “Mark” alia-se a personagens clássicos como Super-Homem, Batman e Mulher-Maravilha no grupo conhecido como Liga da Justiça (LJ). Desejando fazer mais que salvar algumas cidades de assaltos a bancos, ou outras atitudes heróicas do tipo, banais por assim dizer, decide realizar algo mais importante em relação ao mundo e, mesmo contra a opinião de todos seus aliados, invade um país fictício do Oriente Médio chamado Kirai com a intenção de depor um governador tirano do poder, salvando todo seu povo e levando-os à liberdade. Não é difícil encontrar fatos semelhantes em outras revistas (Liga da Justiça, O desenho da TV: Na Estrela Perdida, nº 03, Ed. Panini. Abril, 2003 (nos EUA, em maio de 2002).pg.15), mas o exemplo mais incrível é a de uma estória publicada originalmente em 1990 (Justice League Quarterly # 1), também em uma revista da Liga da Justiça (Publicado no Brasil apenas em agosto de 1992, na revista LJ nº 44. Editora Abril), onde, em uma reunião de representantes das maiores empresas do globo, “(d)as pessoas que movem nossa nação e o mundo”, são definidas metas para se produzir e patrocinar um grupo de super-seres denominado Conglomerado, que estaria sobre inteira tutela destes homens.

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conglomerado

O Conglomerado seria utilizado como um grande empreendimento de relações públicas, pois a atual sociedade, que responde tão instintivamente a imagens, enxerga os heróis como símbolos da verdade e justiça. Nada melhor para limpar o nome de empresas capitalistas pintadas por muitos como “vilões do mundo”, responsáveis pelas desigualdades e misérias ao redor do globo. Pois bem, uma das tarefas que o grupo recebeu foi, com a desculpa de instaurar um governo democrático, intervir em uma pequena ilha da América Central, controlada por um ditador megalomaníaco, mas fica claro a existência de motivos econômicos. Em comparação ao Iraque, geograficamente é diferente, mas, ideologicamente, não. Tanto na realidade quanto na ficção se utilizaram de argumentos políticos de salvação e libertação nacional e de instauração da democracia para invadir militarmente determinados países que não agradavam aos EUA ou a certas facções de sua economia.

Não é exatamente com a intenção de buscar provas do paradigma indiciário e da capacidade de antevê o futuro dos escritores de quadrinhos que se pretende trabalhar aqui. Isso é apenas importante para que se dê credibilidade às futuras revelações. É a respeito deste grupo de empresários que se reunira para formar o Conglomerado que será discutido a partir de agora... É bem sabido que certas indústrias de base, como siderúrgicas e petrolíferas, detém um enorme poder no mundo simplesmente por serem fundamentais no estilo de vida contemporâneo. O final do século XX configurou-se com o surgimento de um novo tipo de indústria: a da informação, da comunicação, considerados por alguns como o quarto poder do Estado. Esses empresários, industriais, seja de qual forem suas áreas, representam uma enorme influência para a sociedade, principalmente devido ao fato de estarem no topo, em um nível global, da cadeia de consumo. Sobre este grupo, pode-se citar a minissérie em duas partes A Mão Invisível.

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A respeito do título, pode-se dizer que “Mão Invisível” é o nome dado à tendência abstrata da produção e consumo mundial, ou seja, é algo intangível que empurra o mercado. Na minissérie (publicada em setembro e outubro de 1998, pela editora Abril) nos é apresenta um fantástico mundo incrivelmente real onde esta mão invisível realmente existe. Concretiza-se na figura de pessoas como as que foram apresentadas em Conglomerado, ou seja, o grupo dos mais ricos, poderosos e influentes empresários que, em reuniões comuns, como quaisquer outras que se conhece, decidem no que devem ou não investir, onde o planeta Terra representa um leque de variedades e determinam o que se irá produzir e consumir nos próximos anos. Ou seja, eles são a “tendência” concreta.

Tudo é bastante explicado, principalmente o fato da impossibilidade de um grupo como este ter surgido de maneira natural ou em pouco tempo. Muito pelo contrário, suas origens remontam o nascimento do sistema monetário, o que já conta cerca de 500 anos, e a centralização dos Estados Nacionais no século XVIII, com a eventual união da burguesia com nobreza. Fica claro que esta “mão” não é o Estado, mas se encontra acima dele (ver anexo, fig 5).

Nessa minissérie, em relação aos homens que secretamente armavam planos para dominar a nova economia liberal nascente, lê-se:


Para alcançar seus fins, nenhum meio, nem o mais odioso estava fora de cogitação. Mas sua mais poderosa arma veio de uma idéia, a noção do livre comércio, popularizada por seu mais ilustre divulgador, Adam Smith. A noção de que mercados poderiam ser automaticamente manipulados por uma ‘mão invisível’ foi o disfarce perfeito para seus projetos. Eles estavam tão tomados por esta idéia que adotaram a ‘Mão Invisível’ como seu nome oficial e assim são conhecidos desde então. (LABAN, 1998. n. 1, p. 8)


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De uma forma ou de outra, abstrata ou não, a Mão Invisível existe e se a historia tradicional ignora o fato de que ela possa ser concreta ou intensamente atuante, não se deve simplesmente ignorá-la. É notório o saber de quê o que não se conhece, a informação entre linhas, o não revelado, são de fundamental importância para a compreensão do quadro histórico em todos os lugares no mundo. De certo que, como o título deste artigo coloca, o que se está estudando aqui sãos as possibilidades fantásticas que autores de quadrinho podem conceber através através de deduções lógicas e perceptíveis, mesmo que sejam incapazem de provar. Portanto, acreditemos na fantasia de que a Mão Invisível é concreta e presente a todo instante.

A Mão Invisível detém, então, um grande poder de controle e ordem global, e para se manter nesta posição privilegiada é preciso que se construa artifícios de perpetuação do poder. Não é preciso, entretanto, muito estudo para se perceber que o mundo atual configura-se na procura da segurança e manutenção do status quo partindo do simples exercício da observação. Quando se entra em ônibus, supermercados, postos de gasolina e até mesmo, bancas de revista, é comum se encontrar cartazes vistosos com a frase: “Sorria! Você esta sendo filmado”. Até mesmo ruas movimentadas, avenidas ou campos de futebol, áreas de grande aglomeração de gente, são hoje vigiadas por lentes de câmeras de vídeo.

“Se queres uma imagem do futuro, pense numa bota pisando um rosto humano – para sempre” (O’Brien, in 1984, de George Orwell). Esta frase, de conhecida obra, nos remete a um mundo onde sua sociedade é, a todo instante, observada e controlada pelo olho do Big Brother (BB). O Estado subjuga seu povo e, vigiando-lhes a todo momento, consegue manipulá-los e manter-se no poder, impedindo qualquer manifestação ou rebelião ainda em suas mais primárias origens. Desta forma, os que estão em cima nunca cairão.

O que se observa na contemporaneidade é um estágio inicial na construção do BB, onde o poder se encontra dividido em vários interesses privados, mas com as mesmas metas colocadas no livro de George Orwell, de observação, segurança e perpetuação do privilégio. Ou seja, ainda não existe um ponto para onde convergiriam todas estas informações captadas pelas lentes em inúmeros pontos das cidades. Ainda não existe o Grande Irmão.

Desta forma pode-se chegar à conclusão de que o Big Brother, como o já se vivencia hoje, em seu processo de instalação, é um instrumento que a Mão Invisível, ou pequenos empresários, utilizam para manter-se em sua posição, sem eventuais perigos, pois ele impede, inibe o homem de qualquer atividade fora-da-lei.

Numa pequena estória, de apenas 8 (oito) páginas, intitulada Vigilante, publicada pela editora Opera Graphica, na revista DC Comics Vertigo nº 10, em maio de 2003, é apresentado um mundo catastrófico em um futuro bastante próximo onde a sociedade observa-se a si própria e esquece do mundo a sua volta, não se dando conta que, acima deles, um grupo os observa observando (ver anexo, fig 6).
Numa cena em que o protagonista conversa com uma garota através de um monitor de televisão (interessante que eles são vizinhos, moram no mesmo prédio, mas não tem contato carnal, preferem o vídeo), é colocado o seguinte diálogo:

– Você andou saindo? Todos estão ocupados observando uns aos outros. O que é mais incrível é que alguém ainda esteja tentando se relacionar. Quer dizer, quem se importa com isso?
– Já faz um mês que não saio. Tem muita coisa acontecendo por aqui. Quase fiquei sem comida.

(...)

Já te falei da Jane, a mulher que me observa? Ela tem me olhado desde antes da revogação do direito da privacidade. Nos tempos em que ele era legal, ela viu umas portas muito esquisitas. Uma vez ela estava navegando ao acaso e começou a observar um homem estranho (...) Numa outra vez acabou observando uma sala que ficava sempre escura, um breu total, exceto por um vão de porta que deixava passar uma luz Branca e intensa. Havia uma figura na porta, apenas uma silhueta (...) Não teve como dar um close. A única coisa que acontecia era que, de vez em quando, a figura saia e fechava a porta (...) Ela se sentia como se estivesse olhando para algo muito grande e estranho para ser realmente visto.
(SHEPARD. 2003, p. 4-5)


O protagonista conclui a conversa dizendo que:

...[a figura era] o destilado irredutível do universo, o impulso básico do cosmos de observar a si próprio, de se definir no fim das contas e se consumir no processo. Quando todos estiverem, finalmente observando a todos, tudo irá desaparecer. Esse é o sentido de toda a falta de sentido (SHEPARD. 2003, p. 6).

Dessa forma, a estória mostra um retrato caricatural de nossa sociedade. E o que é uma caricatura, senão o exagero de uma realidade? É apresentado um mundo em que as pessoas observam-se uns aos outros e que existe algo acima delas, discreto e misterioso, o que poderia ser a própria Mão Invisível. Nas gravuras das páginas e nos diálogos encontra-se transfigurada a alienação do povo, que, tão preocupado em suas individualidades de observar e ser observado, esquece-se da condição do mundo. As ruas em volta do prédio onde moram os protagonistas está um caos e eles não ligam (ver anexo).

Um outro exemplo mais conhecido da utilização do Big Brother nos quadrinhos é “V de Vingança”, escrita pelo inglês Alan Moore e desenhada por David Lloyd. Esta obra foi originalmente criada no início da década de oitenta e teve uma recente adaptação para o cinema, em 2006. Em V de Vingança a Inglaterra é governada por um poder ditatorial que usa a mídia de várias maneiras para controlar e vigiar a população. Interessante observar que o governo é dividido em várias seções, existe, por exemplo, os “agentes dedos”, que são policiais. De certa forma, é possível notar a presença do conceito da Mão Invisível no governo utilizando seus dedos para policiar a população.

v de vingana

Pode-se afirmar, com toda certeza, que a mão invisível existe, talvez da forma que a revista demonstre, talvez apenas como uma tendência abstrata, mas é por isso que se reafirma que a realidade dos quadrinhos é fantástica, surpreendente e, acredite, crível. É importante que fique claro que não se deve relacionar a produção dos quadrinhos com a futurologia, até mesmo porque as ciências humanas não aceitam este conhecimento como válido. O que as HQ’s fazem são representação de um tempo passado ou presente e previsões fictícias com embasamento no real para o futuro, utilizando-se dos paradigmas venatório e implícito. Ao mesmo tempo que também não se deve esquecer que os quadrinhos se propõe unicamente a ser um veículo de comunicação de massa e arte, consubstanciando-se como literatura iconográfica. De certo que, sabendo de tudo isto, o texto colocado nos balões e os desenhos dos quadrinhos são totalmente suscetíveis a erros, simplesmente pelo fato de serem produções humanas.

Assim sendo, a mão invisível e o Big Brother podem, perfeitamente, não se apresentarem como as HQ’s os abordam, mas isso, sobre maneira, não diminui o significado da produção quadrinhística a respeito deles. O simples fato de se encontrarem informações ou indícios, “pistas”, como diria Ginzburg, de suas existências nos quadrinhos é, por demais suficiente para considera-las a uma análise mais detalhada.

Bibliografia:

GINZBURG, Carlo. Sinais: raízes de um paradigma indiciário. IN Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. 1ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

HOBSBAWM. Eric. Sobre história: ensaios. São Paulo: Cia. das Letras, 1998

BLOCH, Marc. Apologia da História ou Oficio de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2001.

MOYA. Álvaro. Shazam!. São Paulo: Perspectiva, 1977. 3ªed. p. 48.

Fontes:
ARCUDI. Jonh; EATON. Scott. Superman, nº 5. São Paulo: Abril, 2000.

NICIEZA. Fabian; DELANEY. Jonh. Liga da Justiça, nº 3. São Paulo: Panini, 2003.

GIFFEN. Keith; MATTEIS. JM de. Liga da Justiça, nº 44. São Paulo: Abril, 1992.

LABAN. Terry; ILYA. A Mão Invisível, nº 1 e 2. São Paulo: Abril, 1998.

SHEPARD. Lucius; WESTON. Chis. DC Comics Vertigo, nº 10. São Paulo: Opera Graphica, 2003.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O Quadrinhista Caio "Zed" Thiago

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Caio Thiago de Andrade Oliveira nasceu em 1979. É natural de Piripiri – Piauí, segundo filho do bancário Simplício Mário e da professora e funcionária pública, Maria dos Remédios. Desde criança sempre leu quadrinhos, antes mesmo se alfabetizar. Seu pai presenteava a ele e a seus dois irmãos (Isaac Bruno e Bernardo Aurélio) com várias revistas, principalmente de super-heróis: Homem-Aranha, Hulk, Super-Homem, entre outros. Incentivado pela leitura e pelo ambiente em que foi criado, se tornou um expoente da arte seqüencial no Estado. Thiago defende a participação do pai na construção desta sua personalidade artística:

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Normalmente os pais acham que o filho tem que ser um médico, um advogado, como minha mãe acha. Meu pai sempre achou bacana esse lance de eu querer viver da minha arte. Os pais esperam que os filhos façam o que não fizeram. “Meu filho quer viver de arte”. Isso é muito pra ele. Pelo menos eu acho... (THIAGO. 2008).

O pai sempre foi envolvido com o meio cultural de Piripiri, participou de um grupo chamado “Balaio”, onde se escrevia, lia e atuava. A casa em Piripiri, hora ou outra, hospedava pintores, atores e músicos que visitavam a cidade. Sempre houve uma aproximação artística dos filhos com estes representantes da cultura local. O pai envolvia-se: pintou, escreveu e atuou, mas pôde continuar tentando.
A mãe, quando percebeu o profundo envolvimento do filho com a arte das histórias em quadrinhos, como toda boa mãe, preocupou-se com o futuro do filho, já que o cenário profissional de artistas na área do desenho, mas especificamente para os quadrinhos, não é muito promissor. Então, a mãe sempre incentivou que o filho realizasse outros trabalhos e estudos. Em 1996, Thiago participou de um concurso no qual foi premiado. Na ocasião, a mãe, que sempre fora preocupada, mandou uma carta para o jornal O DIA1:

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"Segunda-feira, dia 26 / 08, lendo “O Dia”, na página 19 do “Torquato”, vi algo super interessante. Um jovem médico, Dr. Willdaves, fã de quadrinhos, desenha e escreve as emoções de uma coisa que até então achava “anormal e infantil” para meu filho, Caio Thiago, de 17 anos (pois ele faz o mesmo que o Dr. Will). Caio Thiago concorreu com os leitores da revista Comics Generation de todo o Brasil e ganhou o 1º lugar com a promoção “Batmix”. Maria.

Ok. D. Maria. Achamos o trabalho de seu filho legal e acreditamos que, se ele praticar mais, poderá vir a ser um dos talentos que o estúdio Artecomix está exportando. Agora, essa coisa de que ler quadrinhos é “anormal e infantil” já foi superada há muitas décadas. Tratava-se de um preconceito bobo e sem bases reais, que ruiu com estudos sérios e bem fundamentados de pesquisadores dos fenômenos da cultura de massa (MACHADO. 1996)."

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Este texto nos revela o quanto parecia difícil para a mãe ver o filho inundado cada vez mais em um universo onde não enxergava expectativas profissionais, mas apenas uma visão preconceituosa que surgiu com força na década de 50, quando os quadrinhos eram o maior produto de consumo de massa entre as crianças de todo o mundo e especialistas, ou psicólogos como o Dr. Fredric Wertham no livro “Sedução do Inocente”, imortalizaram crenças erronias contra este tipo de leitura.

Willdaves Machado apresenta para Dona Maria a possibilidade de um mercado estrangeiro se Thiago continuasse treinando. De certa forma, este concurso simples, no qual foi premiado apenas com três bonecos do Batman, foi uma maneira dos seus pais e irmãos enxergarem que, apesar da pouca idade, Thiago começava a se destacar naquilo que fazia e que poderia ser realmente um profissional. Entretanto, a vida continuava. Quando entrou em uma universidade, em 2000 pela UESPI, estudou Licenciatura Plena em Inglês, pois intencionava fazer um intercâmbio e morar nos Estados Unidos ou Japão, nunca pensando em lecionar, mas sim facilitar seu diálogo com o mercado estrangeiro de produção de quadrinhos. As únicas aulas que chegou a ministrar foi no período de prática de ensino, o qual é obrigatório para a conclusão do curso.

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Chegou a iniciar um curso técnico de artes no CEFET, mas não o concluiu, pois não conseguia se envolver com outros tipos de manifestações culturais que não fossem o desenho voltado exclusivamente para a arte seqüencial dos quadrinhos. Chegou a ser funcionário público durante quase dois anos na SEDUC, onde realizava trabalhos burocráticos e conseguia grana para comprar mais quadrinhos e jogos de vídeo game, outra grande paixão em sua vida.

“Meu pai foi o grande mecenas da minha vida”, disse Thiago em entrevista. “Ele que me patrocinou”. Em 2006, com a ajuda do pai e incentivado pela família, Thiago foi morar em São Paulo para fazer um curso em uma das poucas academias de ensino desta arte no país: a Quanta Academia de Artes. Foi lá que conheceu Marcelo Campos, o primeiro brasileiro a trabalhar profissionalmente numa grande editora dos Estados Unidos. Neste ano e meio que ficou em São Paulo, conheceu outros grandes representantes dos quadrinhos nacionais em produção hoje, foi aluno de Octavio Carrielo, de Greg Tocchine, dos irmãos Fábio Moon e Gabriel Bá. Durante esse período foi a um festival de quadrinhos onde assistiu a uma palestra de Ivan Reis, desenhista do principal título do Super-Homem nos Estados Unidos e freqüentemente listado entre os melhores desenhistas do mercado norte-americano. Muitos dos professores e inclusive o próprio Marcelo Campos, disseram que seu trabalho já estava profissional e que deveriam, ao invés de ensiná-lo, agenciá-lo. Foi nessa escola que conheceu Vitor Ishimura, um dos professores que vendeu os primeiros trabalhos de Thiago para o exterior, mais especificamente para o editor independente Mike Kennedy. O trabalho era, a princípio, uma ficção científica chamada Prism, onde Thiago faria apenas cinco páginas, que viraram vinte por causa do editor norte-americano ter gostado do seu traço.

Atualmente, o editor Mike Kennedy leu um trabalho autoral de Thiago em produção, chamado Super-Ego, e se agradou do produto. Pretende agenciar este projeto e vender para alguma editora norte-americana, como a Dark Rorse ou Image, editoras que estão entre as cinco maiores nos Estados Unidos. Agora estão trabalhando juntos e é a grande expectativa profissional de Thiago, que produz em casa visando o mercado externo pois não consegue enxergar espaço no raquítico cenário nacional.

Nesse período que passou em São Paulo, morou em um apartamento com dois estudantes da Academia Internacional de Cinema. Foi uma experiência interessante aonde chegou a produzir estudos de figurino para os curtas-metragens que os colegas de quarto produziam. Também realizou storyboards de algumas cenas. Segundo Thiago, “assim como Frank Miller (Sin City), também já ‘trampei’ com cinema”, onde, na verdade, os quadrinhos se encaixam muito bem, tanto que, Eduardo Sertório, um dos colegas, pediu autorização para adaptar uma história em quadrinhos do Thiago para cinema. A experiência levou Thiago inclusive ao set de filmagem, fazendo figuração e “morrendo” logo na primeira cena. A obra intitulada “Sobre a ponte” tornou-se “Hattari” e foi premiado como “o melhor filme universitário de São Paulo” em 2007.
Em 2008, através do fórum do site Multiverso Bate Boca (MBB), ficou sabendo e participou do concurso Comic Book Idol, uma espécie de programa “Ídolos” dos quadrinhos divulgado na Internet. Foram centenas de concorrentes de onde foram selecionados apenas um brasileiro, seis estadunidenses, dois ingleses e um canadense. Os concorrentes produziam, semanalmente, algumas páginas seguindo um roteiro comum a todos. Um por um os concorrentes foram eliminados através de votos dos internautas. Thiago chegou à semi-final. Infelizmente, ainda não foi daquela vez.
Entretanto, bem antes disto, quando ainda era criança, Thiago teve outras histórias curiosas de serem contadas, como o já citado envolvimento com o mundo dos Vídeo Games. A princípio, teve um Atari, que não o estimulou o suficiente, apenas anos depois, no início de 1990, quando os filhos foram presenteados pelos pais com um Mega Drive, que o mundo dos jogos começou realmente a fazer sua cabeça. A atenção voltada para o console plugado na TV era tanta que ele e os irmãos deixaram de colecionar gibis e toda a mesada era voltada para a compra de novos cartuchos, de novos jogos. Engana-se quem pensa que isso foi um fator negativo para a produção de Thiago. Naquela época, primeira metade da década de 90, praticamente não havia quadrinhos japoneses nas bancas de revistas. O mangá era algo muito exótico, entretanto, o traço dos desenhos japoneses era muito utilizado no caráter desing dos personagens dos jogos. Thiago pôde ser influenciado pelo mangá através do vídeo game antes mesmo das revistas impressas, que só vieram se popularizar em 1994 com a exibição de Cavaleiros do Zodíaco na TV e depois do ano 2000, com o título Dragon Ball nas bancas.

O jogo de luta chamado Street Fighter foi uma das principais influências. Thiago chegou a produzir uma releitura dos personagens, inspirado pela adaptação do jogo para o cinema, a qual achou tão ruim que acreditava conseguir fazer melhor. Thiago criou uma trama de quase oitenta páginas. É a primeira história em quadrinhos longa que chegou a produzir.
Apenas em 1992 Thiago volta a ler e colecionar quadrinhos. Na época, a editora Abril lançou a primeira edição de Homem-Aranha 2099, desenhada por Rick Leonard que foi o artista responsável pelas novas influências no traço de Caio Thiago, segundo o próprio.

Thiago acredita que seu estilo não é muito comercial, “não é modinha”. Segundo ele, muitos professores da Quanta e o próprio Mike Kennedy acham que trata-se de um “estilo particular que me impede de entrar no mercado. Não consigo copiar traço dos outros”. Mesmo acreditando nisto, é sempre impossível negar as inspirações externas e Thiago coloca bem a lista dos artistas que se seguem depois de Leonard: a narrativa do mangá (independente de um artista em particular), Eduardo Risso (de 100 Balas), Frank Quitely, Alan Davis, Keith Gifen, Cláudio Castelinne e vários desenhistas dos fumetti (quadrinhos italianos), como Ivo Milazzo (Ken Parker) que admira, pois acredita que o mercado italiano é surpreendente pela qualidade geral dos seus artistas e pelo próprio ritmo de produção europeu, muito voltado para álbuns longos, onde o artista, às vezes, pode se dedicar um ano inteiro a um único trabalho, diferente do mercado norte-americano, onde acredita que existem muitos profissionais ruins ou abaixo da média.

Thiago acredita que trabalha muito “mais por diversão do que por qualquer outra coisa. Fico muito envaidecido se alguém vê o que eu produzo como arte”. Apesar da modéstia, enxerga a produção industrial dos quadrinhos, assim como no cinema, uma manifestação legítima de arte, coletiva ou não, e não se incomoda com a possibilidade de produzi-la para um mercado de entretenimento cultural.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Arnaldo Albuquerque e sua obra

Arnaldo Albuquerque e sua obra
Por Bernardo Aurélio

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No ano de 2002 eu tentava organizar a quarta edição de uma pequena, porém calorosa feira de quadrinhos no Piauí. Já tendo noção do que representava a obra de Arnaldo Albuquerque para a história da arte do Estado, decidi convidá-lo a ministrar algumas palavras no referido evento. Para me ajudar nesta missão, chamei ninguém menos que Antônio Amaral (autor do Hipocampo, revista vencedora do HQ Mix, Quadrinho Independente, em 2000), tornando a palestra ainda mais agradável e interessante, já que os dois são verdadeiros “monstros”.

Fomos eu, Pedro Victor (que me ajudava na organização) e Amaral, partimos ao encalço do Arnaldo. Em frente a uma casinha na rua José Santos e Silva, no centro de Teresina, nós três batíamos palmas firmemente. Com a naturalidade de quem estava habituado a isto, Amaral disse que ele não estava em casa, mas que seria facilmente encontrado, afinal, havia poucos botequins pela vizinhança. Na segunda parada, lá estava ele: alto, magro, cabelos grisalhos, barba por fazer, camisa quadriculada, sandália tipo franciscano e um enorme óculos, emoldurando seu rosto. Ali, sentado em um tamborete, com uma dose de branquinha ao lado, conversando com uns amigos no barzinho da dona Bebé, sua prima.

Falamos. Disse-lhe que queria uma palestra. Ele topou, não sei se ficou entusiasmado. Arnaldo e Amaral, dois artistas tão autorias, falariam para vários leitores de X-men e Dragon Ball Z. Tinha de ser um sucesso. No dia marcado, a meia hora de se iniciar a palestra, Amaral chega sozinho e perguntando por seu colega. “Se eu sei...”, respondo. Hora marcada e nada! Ele parte à caça de Arnaldo, mas nem sinal. Amaral faz a palestra sozinho, e hoje, quando pergunto a Arnaldo porque faltou ou aonde teria ido, ele responde: “Você já havia me procurado antes?”.

Dois anos depois, voltei àquela mesma casa, bati palmas e decidi ir até a dona Bebé. E lá estava. Quando lhe disse que eu organizava um evento, que queria uma exposição sobre o que havia produzido nas artes plásticas, porque queria homenageá-lo e criar um troféu com seu nome para premiar os melhores quadrinhistas que aparecessem, e mais, preparar uma reedição comemorativa de 30 anos de Humor Sangrento, publicação de sua autoria, além de dizer que seu trabalho era objeto de estudo da minha monografia de conclusão de curso, ele sorria para si mesmo, coçando levemente a cabeça, acanhado e repetindo: “...Quanta homenagem!...”.

Afinal de contas, o que este figurão tem de especial? Arnaldo, teresinense de 1952, é planejador gráfico, mas divide seu currículo em um considerável leque artístico que aponta o pluralismo de sua capacidade: faz pintura, publicidade, fotografia, cinema, jornalismo, quadrinhos e organizou importantes eventos musicais no Piauí. Nos mais completos catálogos de artistas plásticos regionais, seu nome está incluso, mostrando suas pinturas. As ilustrações estão presentes em inúmeras capas de livros e cartazes de eventos, são também responsáveis por lhe premiar no exterior, como na Argentina e México. Teve páginas inteiras, tiras e charges em jornais locais, como o O Dia, publicou no Pasquim, o mais importante periódico cultural do país e fez a diagramação do Grama (possivelmente o primeiro jornal mimeografado do Brasil, como teria dito Heloísa Buarque, segundo o próprio Arnaldo), além de participar em outros nanicos. Seu trabalho competente na fotografia lhe possibilitou filmar com super-8 uma quantidade considerável de curtas, um dirigido pelo próprio Torquato Neto (grande expoente do movimento tropicalista), que inclusive se tornou seu amigo e grande influência. Na década de 1970, organizou o Show Piau, evento de intenso caráter popular onde revelou grandes nomes da música piauiense, como Dovalino, Couto Filho, Geraldo Brito e Rosinha Lobo. Sua habilidade com desenho e câmera fizeram de Arnaldo um premiado em concursos no Maranhão, Sergipe, Acre e Espírito Santo, com a animação Carcará Pega Mata e Come. Além de tudo isto, no ano de 1977, nosso artista lança a revista Humor Sangrento, primeira publicação de quadrinhos do Piauí. Nas 36 páginas voltadas para o quadrinho na edição, foram produzidas 23 pequenas estórias. Fica claro que a grande maioria delas limitavam-se a apenas uma ou duas páginas, aliás, esta é uma das principais características do autor: ser breve, mas contundente. Para que se entenda melhor sua obra em quadrinhos é preciso conhecer mais um pouco sobre ele próprio.

A infância em Teresina, seu contata com o forte regionalismo nordestino, seja na música, no artesanato ou mesmo no simples modo de viver, a presença constante da leitura de quadrinhos, as inúmeras seções no cine Rex e, conseqüentemente, a paixão pelo cinema, a convivência com o período da ditadura militar, sua partida para o Rio de Janeiro em 1969, aos 17 anos, o contato com o novo na política e o engajamento artístico tanto em películas mais ousadas, como as de Glauber Rocha e Ruy Guerra, como nos quadrinhos underground de Robert Crumb e Gilbert Shelton, da lendária revista norte-americana Zap Comix, tudo isso, entre outros detalhes importantes, fez com que, em 71, quando Arnaldo retorna a Teresina, sua bagagem, repleta de cultura popular vanguardista, o colocasse em destaque no cenário cultural piauiense.

Em se tratando do conteúdo de Humor Sangrento, pode-se destacar suas características conceituais regionalistas, da mesma forma que o forte sentimento antiimperialista e a contextualização com a política da ditadura brasileira. Em De Como Meu Herói Matou o Bandido, por exemplo, percebe-se uma estória traçada em dois focos de acontecimentos simultâneos, culminando no confronto entre dois mundo ligeiramente semelhantes: O do cangaceiro contra o do velho oeste norte-americano. É tratado da defesa, como também, da luta e da “revalorização do nordestino”, enfrentando e conquistando seu espaço, não apenas na vida, mas também no mercado editorial brasileiro. Carcará, uma outra estória, tem suas semelhanças com De Como Meu Herói Matou o Bandido mostrando a luta contra os quadrinhos estrangeiros, quando Capitão América é morto por uma pedrada de baladeira, mas é bem mais que isso: mostra a imposição imperialista norte-americana, simbolizada claramente pela águia, retirando a vida e as possibilidades de um nordestino recém-nascido, como também uma luta desigual, da mesma forma que Davi versus Golias. Cabeça de Cuia e Num Se Pode são releituras de lendas piauienses, atualizando nosso folclore. Em Censurado e Deduragem, temos um belo retrato de como Arnaldo poderia apresentar nosso país a quase trinta anos. Isso, sem ainda se aprofundar na quantidade de técnicas que utilizou para edificar sua obra: se fossem bem analisadas as estórias Hara-Kiri, De Como Meu Herói Matou o Bandido, A Cavalaria Passa. O Cão que Ladra Morre, Parir Sempre e mais uma ou duas sem título que se encontra na revista, poucos afirmariam, com plena certeza, que se trataria do mesmo autor.

Humor sangrento é um único exemplo de onde já se é possível visualizar o pluralismo da concepção artística de Arnaldo, afinal, como ele próprio considera, a revista é um grande manual que apresenta ao leitor diferentes técnicas de construção do quadrinho.

Arnaldo Albuquerque, para nossa felicidade, ainda produz, alguns de seus super-8 estão sendo trabalhados para uma possível restauração. Os desenhos que originaram as animações, centenas de papezinhos manteiga, aguardam serem novamente animados. Suas telas estão espalhadas em casas de amigos e desconhecidos. Infelizmente, o que você tem em mãos contempla apenas uma parte de sua produção nas artes gráficas, ficando ainda desprestigiado, de forma merecida na história, grande parte de sua obra em outras áreas.

Em 2007 a Humor Sangrento contempla 30 anos de lançamento e sua reedição reformulada e ampliada é um presente e uma introdução ao mundo do Arnaldo... Aproveite!

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Pequenas coisinhas

01
O caracol é um cu ambulante.

02
Vamos trocar o verso:
“OSREV!”

03
Verso versa vencido
Cantando, gritando, perdido.

04
A arma engatilhada: Fudeu a alma!

05
O calendário repetitivo estampava flores em maio e uma pequena ponte em abril.
O calendário repetitivo estampava filhotinhos em maio e um moinho em abril.

06
O falo agita a calma.

07
As unhas ruídas até a raiz,
Mal feitas, cerradas, sangrando.

08
Quando olhamos o passado
Viajamos no mundo interno
Agimos como um homem caçado.

09
Quem no ônibus embarca
Arca com a conseqüência
De na barca incongruência.

10
O brilho do sol queima as retinas do olho do ovo cru, assando na calçada.

11
O urubu deu um rasante onírico ao redor da carniça. Circulando e rodando e abaixando o bico a procurar, o olho mais podre, o ânus cheio de odores.

12
Rasteja a cobra indo embora
Com a língua venenosa a sibilar
Dobrando o corpo, subindo a tora
Do pau morto, onde é seu lar.

13
Uma do par de pernas expostas na calçada apresentava o rasgo na coxa. Em brasa, chamava os olhos do transeunte que passava. Do lado, uma caixinha velha de papelão com moedas douradas, prateadas e cobres. Cobra!, o ingresso do show o mendigo de mão estendida, cara perdida, alma vencida.

14
O vento acende as bandeirolas trançadas no céu, compondo com o veludo negro um mar de véus tremulantes.

15
A lua é o olho do peixe das profundezas abissais das águas negras do universo.
As estrelas são escamas brilhantes dos que nadam nesse alto-mar.

16
Travesso, quebrei a travessa.

17
A saia florida escondia as úmidas pétalas da menina.

18
Risquei um círculo torto, trêmulo, tremendo traço errado, cansado, casado com desgosto, sem arte, sem posto.

Um Conto de Ninguém

Um conto de ninguém.

Um obscuro dia me aguarda amanhã. Não sei por onde começar a me perder pelas ruas. Talvez não precise sequer sair de casa.

Olho o chão. Vejo meus pés descalços em cima dele. A sujeira entre as unhas encravadas. Tanto peso sobre o mundo. Tanta gente besta.
Não me considero um grande pessimista, até consigo me divertir com as pessoas mais ingratas que conheço.
...Mas amanhã... Amanhã sim, bem cedo, pela manhã.

As coisas quase sempre nunca são como esperamos. Amanheceu como sempre. Raiou o dia. Nenhum bicho entre as árvores de concreto. Não há ninhos ali. Não os vejo. Pelo contrário, havia uma mangueira bem ali, onde vivia algum animal barulhento, mas alguém a derrubou. Pena. Fazia uma sombra boa no quintal. O bicho voou pra outro lugar.


É claro que tenho esperanças e oportunidades. Minha vida é cheia disso. Já posso ir embora?


Pra prender vocês eu devia começar este texto com um assassinato ou com uma cena bem erótica, ou pornográfica:
Eu peguei seu rosto frio e machucado. O gosto da urina de suas coxas na minha boca era de azedar. Ela já não tinha mais forças pra nada. Eu não agüentava mais olhar para aquela cara, por isso a arranquei e joguei fora.

A polícia nunca a encontrou. Hoje eu estou velho e vou morrer. Fim!

Criaturas das Trevas Existem!

Criaturas das Trevas Existem!

Por Bernardo Aurélio

Eu estava saindo muito tarde do trabalho. Os colegas já haviam me advertido do perigo de deixar o prédio altas horas da noite. Mas o volume de tarefas estava crescendo assustadoramente e eu tinha de dar conta dos assuntos se não a bola de neve ficaria impossível de barrar.

Os processos estavam ocupando toda a mesa e meu chefe, em poucos dias não conseguiria mais me ver sentada atrás da pilha de pastas de documentos atrasados. O serão era inevitável também se eu quisesse tirar a semana de recesso que tanto desejava no início do próximo ano.
É verdade que consegui adiantar muito do que precisava, mas meus dedos começaram a doer, a vista pesou e meu pescoço parecia um nó de correntes, de tão tenso. A cadeira giratória parecia de concreto e minha bunda estava reta como uma régua.

Desliguei as luzes e tranquei a porta. O corredor estava vazio. A lâmpada estava piscando, a luz estava trêmula. Já havia pedido inúmeras vezes ao zelador que a trocasse. Ao fundo podia escutar apenas o elevador se movimentando pelos cantos de concreto do prédio cafona, construído há mais de trinta anos.
O barulho do salto-alto ecoando secamente a cada passo que dava começava a me amedrontar. Era a confirmação de que estava sozinha naquele silencio.

Segurava contra o seio, a pasta abarrotada de papeis inúteis. Dobrando à minha esquerda, pude ouvir o elevador parar. As portas abrindo. Passos. Devia ser o zelador...
Naquele canto estava uma planta triste, cheia de tocos de cigarros enfiados na terra, contra sua raiz. Quando cheguei até à planta, vi uma pessoa estranha: ele era alto, careca e tinha a pele escura como caramelo. Os músculos dos braços eram torcidos como troncos de árvores, apertados contra uma camisa branca de mangas curtas. Havia alguma coisa, talvez “Rock”, escrito na altura do seu peito. Algumas correntes prateadas nos pulsos, calça jeans preta, um pouco rasgada e botas, tipo coturno.

Ele olhou para mim. O negro dos seus olhos era profundo, sem luz. Nunca o tinha visto antes no prédio. Estranho. Ainda mais tão tarde da noite.
As lâmpadas piscaram, e, pode parecer estranho, mas tive a nítida impressão de que as sombras estavam escorrendo para um canto, como se entrasse pela janela do nono andar a luz do farol de um carro que passava pela avenida abaixo. Nesse instante, ele começou a me ignorar e passou por mim, quase esbarrando seu ombro pesado contra mim. Parecia nervoso e apressado.
Entrei no elevador e, antes que as portas fechassem por completo, vi-o tirar um chaveiro do bolso e pude ouvir as chaves a tilintar.
O antigo elevador resmungou um pouco, como um velho antes de levantar da preguiçosa, e desceu comigo.

O estacionamento era grande, mas àquela hora havia apenas meu carro: um Corsa branco. Havia goteiras d’água pelo chão e colunas cilíndricas que sustentavam toda a construção.
A porta que dava para a escada de serviços rangeu um pouco antes de abrir. Cambaleando, o enorme homem apareceu. Era incrível: primeiro por que ele já estava aqui em baixo, desceu os nove lances de escada mais rápido do que eu pelo elevador, segundo por que ele estava cambaleando! Era inacreditável! Uma montanha daquelas poder ser atingida por alguma coisa...
Carregava no braço uma simples pasta marrom de processo, igual a tantas que estavam sobre minha mesa.

Ele olhou novamente para mim e disse: “Você vai morrer, vaca!”. Antes que pudesse responder alguma coisa, ou que aquele brutamontes desse um único passo sequer, algo que vinha da escuridão das escadas socou suas costas tão forte que um sangue negro espirrou logo depois que ouvi sua caixa torácica estourar. Nunca havia visto um sangue tão negro antes, espalhando pelo chão, como uma poça de lama.
O estanho sangue parecia agora parar de jorrar. O coração deveria ter parado de bater, mas não, não foi isso. O sangue parecia cada vez mais denso e escuro e agora estava recuando, como se voltasse para o corpo. Assim, simplesmente voltando com calma e lentidão...
A escuridão do corredor parecia maior, como se as próprias paredes estivessem cobertas de um veludo negro. Um veludo corpulento. A escuridão parecia pesada e viva. O sangue não voltava para o corpo, atravessava-o rumo ao corredor. A maior parte do sangue não era “sangue”, era como se fosse a própria escuridão.

Passos desciam às escadas. Perplexa, pareci idiota lembrando que já deveria ter saído daquele estacionamento a muito tempo. As chaves na palma da minha mão pareciam peixes aflitos pulando no asfalto quente. Nunca conseguiria abrir o carro, ligá-lo e sair dali à tempo.
Os passos pararam, por um instante tudo ficou em silêncio. O corpo começou a ser puxado para o corredor por várias mãos negras. O sangue escorreu até as escadas, onde a vítima começava a desaparecer. Como que acordando de um coma, só naquele instante consegui gritar o grito mais terrível da minha vida.
Enquanto o berro ecoava pelas paredes do assustador prédio, o corredor das escadas pareceu iluminar-se vagarosamente, como se uma pequena luz fosse acendida gradativamente. De repente, todas as luzes do estacionamento acenderam-se e dois seguranças entraram segurando suas arma no coldre da cintura.

O sangue havia simplesmente desaparecido na altura de alguns degraus. Não havia mais ninguém além de nós três, assustados e confusos. A pasta marrom de processo que era carregada pela pobre vítima também não estava mais lá.
Em meio a toda luz que nos envolvia naquele estacionamento, aquela noite foi para mim o momento quando passei a abrir mais os olhos para qualquer canto escuro da cidade. Depois daquela noite, foi como se tivesse despertado para algo que está profundamente guardado não apenas nas sombras de um prédio assustador, mas dentro de cada pessoa, como se nós escondêssemos as mais terríveis criaturas das trevas.

Alan Moore Como Escrever Quadrinhos Parte 1

ALAN MOORE - COMO ESCREVER HISTÓRIAS EM QUADRINHOS PARTE I

O seguinte texto foi apresentado aos leitores americanos nas páginas da revista especializada The Comics Journal #119 (Janeiro de 1988), #120 (Março de 1988) e #121 (Abril de 1988). Além de raro, ele talvez represente o mais claro e objetivo texto sobre a arte de escrever roteiros de histórias em quadrinhos. Divertido e sério ao mesmo tempo, demostra uma vez mais o impecável e refinado talento de Alan Moore em escrever bem sobre praticamente qualquer coisa.

Moore, como você trabalha em seus roteiros?

“Basicamente começo por desenhar pequenos esboços da página. Eu preparo os quadrinhos para dizer ao artista onde tudo está, certificando-se que o diálogo encaixa perfeitamente, e então transformo esses esboços em um texto altamente detalhado para o artista, que nunca realmente vê os esboços. Todos os elementos da história estão projetados. Como eu transformo os desenhos esboçados em descrições, meus textos são muito compridos. Uma página de quadrinho é provavelmente duas ou três páginas do roteiro, ou mais. Às vezes, ele leva muitas palavras para descrever essas coisas. Ao menos nesse caminho, estou no controle de todo o processo. Ao invés de somente sentar com uma caneta e um bloco de notas, posso imaginar o trabalho todo finalizado, em todos os detalhes. Os efeitos do letreamento, a colocação das personagens, a iluminação, a colorização se necessário. Isso me dá muito do controle, que é o caminho que sempre trabalhei e o caminho que provavelmente irei trabalhar.”

PARTE I

N. do T.: Para esta primeira parte, é interessante que você tenha à mão, se possível, a excelente edição Monstro do Pântano, Volume 1, publicada recentemente pela editora Brainstore, ou então as antigas edições de Novos Titãs e Superamigos, publicadas pela editora Abril, com as histórias do Monstro do Pântano; V de Vingança, da editora Globo ou da Via Lettera; Qualquer edição de A Piada Mortal e edições de Love and Rockets.

A maior dificuldade de escrever sobre qualquer atividade criativa, seja escrever sobre ela mesma até escrever sobre como consertar automóveis é que, na maioria das vezes, os artigos ou entrevistas que surgem parecem ser incapazes de se estenderem além de informações técnicas óbvias e listas de instrumentos recomendados. Não quero recair nessa mesma rotina, dizendo qual máquina de escrever eu uso, ou qual tipo de papel carbono acho ser o melhor, já que esta informação não fará a menor diferença na qualidade do que você escreve. Da mesma maneira, não acho que uma análise precisa do meu processo de trabalho seja muito útil, já que imagino que ele varia drasticamente de história para história, e que todo escritor tende a desenvolver sua própria abordagem em resposta a suas próprias circunstâncias.
Além disso, não quero produzir nada que lembre, nem remotamente, algo como "O Método Alan Moore de Escrever HQ's". Ensinar gerações de novos artistas e escritores a copiar a geração que os precedeu foi uma idéia estúpida de uma época onde a Marvel lançou seu livro “O Método Marvel de Desenhar HQ's” e seria igualmente irresponsável da minha parte instruir escritores novos ou experientes sobre como escrever títulos idiotas e extravagantes do tipo "O Alvorecer Transformou O Céu num Matadouro" ou algo assim. John Buscema foi um grande artista, mas a indústria não precisa de cinqüenta pessoas desenhando como ele, e menos ainda de outros cinqüenta escrevendo como eu.
Com tudo isso em mente, gostaria de tentar expor algo que acrescente a este extenso capítulo sobre como podemos realmente pensar sobre a arte de escrever quadrinhos, que é melhor do que uma lista de detalhes específicos. Gostaria de falar sobre abordagens e processos mentais que dão suporte a escrita como um todo, ao invés de falar sobre o modo como esses processos são finalmente colocados no papel. Da forma que vejo a situação, o modo como pensamos ser o ato de escrever inevitavelmente moldará os trabalhos que produzimos. Analisando a maior parte da produção corrente das principais companhias de quadrinhos, me parece que um fator que contribui enormemente ao desânimo geral sejam os estagnados processos de pensamento promovidos por elas. Seguramente, em termos das convenções gerais de escrever quadrinhos atualmente, minha tendência é ver as mesmas como mecânicas estruturas de enredo e a mesma abordagem funcional de caracterização sendo usada várias e várias vezes, até o ponto em que as pessoas encontram uma grande dificuldade em imaginar onde poderiam estar maneiras diferentes de fazer as coisas.
Como nossos pressupostos básicos sobre a nossa profissão vêm se tornando cada vez mais obsoletos, achamos que isso se refere mais a um problema de criar trabalhos de alguma relevância para um mundo que se altera rapidamente, no qual a indústria e os leitores que a sustentam realmente sejam considerados. Por relevância, já que toquei no assunto, não falo de histórias sobre relações raciais e poluição, ainda que elas certamente sejam boa parte disso. Falo de histórias que realmente tenham algum tipo de significado em relação ao mundo ao nosso redor, histórias que reflitam a natureza e a textura da vida nestes últimos anos do século vinte. Histórias que sejam úteis de alguma maneira. Reconhecidamente, seria muito fácil para a indústria viver confortavelmente por um tempo se aproveitando das fraquezas de leitores que acompanham os quadrinhos devido a nostalgia ou por simples escapismo, mas a industria que trabalha exclusivamente dessa forma é, no meu entender, impotente e digna apenas de um pouco mais de consideração ou interesse do que a indústria de cartões comemorativos.
O motivo pelo qual escrever para os quadrinhos seja talvez até mesmo mais interessante que desenhá-los é que escrever acaba sendo o estopim de todo o processo. Se o que for pensado antes de escrever for inadequado, o enredo é inadequado. Desse modo, até mesmo sob as mãos dos melhores artistas do mundo, a história finalizada vai lamentar a falta daquilo que nenhuma soma de imagens coloridas e impressão poderia substituir ou compensar. Para mudar os quadrinhos, nós precisamos mudar a maneira de pensar sobre sua criação, e a investigação a seguir deve ser vista apenas como os primeiros e toscos degraus para este fim.
Ao buscar um melhor lugar para começar, talvez seja interessante começar por uma extensa consideração sobre os quadrinhos e suas possibilidades, e daí extrair nosso método. Ao pensar sobre quadrinhos, você tem que ter alguma idéia sobre o que é o assunto que está sendo considerado. É aqui que começa a nossa primeira dificuldade: no esforço de definir os quadrinhos, muitos autores têm arriscado pouco mais do que rascunhar comparações entre uma técnica e outra, mais amplamente aceitáveis como formas de artes. Quadrinhos são descritos em termos de cinema e, com efeito, muito do vocabulário que emprego todo o dia nas descrições das cenas para qualquer artista provém inteiramente do cinema. Falo em termos de close-ups, long-shots, zooms e panorâmicas; é uma útil linguagem convencionada de instruções visuais precisas, mas ela também nos leva a definir os valores quadrinhísticos como sendo virtualmente indistinguíveis dos valores cinematográficos. Enquanto o pensamento cinematográfico tem, sem sombra de dúvida, produzido muitos dos melhores trabalhos em quadrinhos dos últimos trinta anos, eu o vejo, quando modelo para basear nosso próprio meio, como sendo eventualmente limitante e restringente. Por sua vez, qualquer imitação das técnicas dos filmes pelos quadrinhos faz com que acabem perdendo, inevitavelmente, na comparação. É claro, você pode usar seqüências de cenas de forma cinematográfica para tornar seu trabalho mais envolvente e animado que o de quadrinhistas que não dominam este truque ainda, mas em última análise, você acaba ficando com um filme sem som nem movimento. O uso de técnicas de cinema pode ser um avanço para os padrões de escrever e desenhar quadrinhos mas, se estas técnicas forem encaradas como o ponto máximo ao qual a arte dos quadrinhos possa aspirar, nosso meio está condenado a ser eternamente um primo pobre da indústria cinematográfica. Isso não é bom o bastante.
Quadrinhos também são vistos em termos literários, ambicionando traçar comparações entre seqüências quadrinhizadas e formas literárias convencionais. Assim, as "histórias curtas" dos quadrinhos seriam aproximadamente baseadas em fórmulas clássicas de escritores como O. Henry e Saki (escritores populares norte americanos da virada do século, que praticamente "inauguraram" esta forma de conto contemporâneo), com o desfecho surpresa no último quadrinho. Com "menos inteligência ainda", uma HQ com mais de quarenta páginas é automaticamente comparada a um romance, uma vez mais perdendo terrivelmente com a comparação. Com toda a boa vontade do mundo, se você tentar descrever a Graphic Novel da Cristal nos mesmos termos em que descreveria Moby Dick, então você está simplesmente procurando por encrenca. Opondo-se à idéia de filmes sem som nem movimento, teremos romances sem extensão, profundidade ou sentido. Isso também não é bom o suficiente.
Para piorar as coisas, toda vez que se usam técnicas de outras linguagens, há uma tendência dos criadores de quadrinhos em permanecerem firmemente presos ao passado. Olhando o que vem sendo descrito como trabalhos cinematográficos nos quadrinhos, normalmente encontramos alguém falando que tirou suas idéias sobre cinema quase que inteiramente do trabalho de Will Eisner, ou mais precisamente, do que ele fazia há trinta ou quarenta anos atrás. Não é um mal começo, eu admito, exceto que a maioria das pessoas parece se contentar apenas com aquilo. Eisner, no auge de The Spirit, utilizou as técnicas cinematográficas de pessoas como Orson Welles, com resultados brilhantes. Seus imitadores também usam as técnicas cinematográficas de Orson Welles, mas de segunda-mão, esquecendo que Eisner estava aprendendo com a cultura que o cercava naquele tempo. Cinema nos quadrinhos eqüivalem a Welles, Alfred Hitchcock, e talvez alguns outros mais, tendo todos eles realizado seus melhores trabalhos há trinta anos atrás. Por que não se tenta entender e adaptar o trabalho de pioneiros contemporâneos como Nicolas Roeg ou Altman ou Coppola, se o que estamos procurando é uma abordagem verdadeiramente cinematográfica? Por que os valores literários nos quadrinhos devem ser determinados pelos valores dos velhos pulp fictions de trinta ou quarenta anos atrás, independentemente do valor que estes pulp fictions possam ter?
Melhor que agarrar-se nas similaridades superficiais entre quadrinhos e filmes ou quadrinhos e livros na esperança de que a respeitabilidade e o prestígio dessas linguagens venham purificar-nos, não seria mais construtivo concentrar nossa atenção nas áreas onde os quadrinhos são especiais e únicos? Não seria melhor que, ao invés de persistir em técnicas de filmes que os quadrinhos podem reproduzir, tentássemos talvez considerar as técnicas de quadrinhos que os filmes não podem reproduzir?
Se, por um lado, acreditava-se que a garantia de maior liberdade criativa ou a divisão do conhecimento desenvolvido entre os artistas e escritores na indústria produziria um surto de uma impressionante criatividade e invenção, por outro lado, não é esse o nosso caso. Com muito raras e honrosas exceções, a maioria do material de criação própria produzido pelas editoras independentes quase não se distingue da produção corrente que o precedeu. Me parece que isso demonstra que o problema não é, a princípio, de condições de trabalho ou de incentivo; o problema é de criatividade, e é num nível criativo básico que ele poderá ser resolvido. Não acho que esta solução virá sem uma melhoria drástica do padrão de se escrever para os quadrinhos, uma vez que, como disse no começo, o escritor é o estopim de todo o processo criativo. Para este fim, então, vamos mudar de assunto, onde darei o melhor de mim para descrever alguns dos problemas e do potencial que vejo em vários aspectos na arte de escrever quadrinhos.
Uma vez mais, a dificuldade é saber por onde começar. A lista de considerações a serem feitas, mesmo para a mais simples HQ, é enorme, e ela realmente não interessa para o que nós escolhemos examinar primeiro. Tudo está conectado, e cada item leva ao outro. Dessa forma, podemos igualmente colocar, a princípio, os elementos mais intangíveis e abstratos fora de seu contexto, antes de prosseguir nos aspectos mais refinados e precisos da arte. Um bom ponto de partida talvez seja aquele que repousa exatamente no centro de qualquer processo criativo: a idéia.
A idéia é aquilo sobre o qual a história trata; não é nem a trama da história, nem o desenrolar dos eventos dentro da história, mas aquilo que a história essencialmente é. Como exemplo do meu próprio trabalho (não porque ele seja particularmente um bom exemplo, mas porque me sinto com mais autoridade para falar dele do que teria se fosse o trabalho de outra pessoa), eu poderia citar a história A Maldição. A história trata das dificuldades suportadas pelas mulheres nas sociedades masculinas, usando o tabu comum da menstruação como motivo central. Isso não é a trama da história - a trama diz respeito a uma jovem casada se mudando para uma nova casa, construída sobre o local onde havia uma antiga choupana indígena, que se vê possuída pelo espírito dominante que ainda residia ali, transformando-se num lobisomem. Eu espero que aqui a distinção entre idéia e trama tenha ficado bem clara, pois ela é importante e é ignorada por muitos escritores. A maioria das histórias em quadrinhos possui tramas nas quais o único assunto é a luta entre dois ou mais antagonistas. O resultado desse confronto, normalmente envolvendo alguma mostra deus ex maquina de algum superpoder, é igualmente a resolução da trama. Além de uma banalidade extremamente vaga e sem graça do tipo o bem sempre vencerá o mal, não há realmente idéias centrais na maioria dos quadrinhos, fora a noção de que o conflito é interessante por si mesmo.
De onde as idéias realmente vêm parece ser, à primeira vista, a maior preocupação da maioria das pessoas interessadas em aprender como escrever quadrinhos, e é, provavelmente, a única questão que as pessoas criativas se perguntam com mais freqüência. Sem surpreender, é também a questão que mais têm permanecido sem resposta. Se ameaçassem me torturar para que eu desse uma resposta concisa, provavelmente diria que as idéias parecem germinar na fértil encruzilhada entre as influências de outros artistas e minhas próprias experiências. O estudo do trabalho de outras pessoas fornece indicadores úteis de como formular uma idéia, mas o impulso primordial vem de dentro do escritor ou criador, influenciado pelas suas próprias opiniões, seus preconceitos, por todas as coisas que têm acontecido com eles e por todos os elementos de suas vidas que acabam por definir o tipo de pessoa que eles são. Não há substituto para a experiência prática, e se você quiser escrever sobre gente, você tem o dever de desprezar as revistas em quadrinhos e sair por aí procurando coisa melhor que estudar o modo como Stan Lee ou Chris Claremont descrevem pessoas.
Torna-se um problema de mudar sua percepção para notar pequenas circunstâncias peculiares que poderiam, de outro modo, passar despercebidas, estudando nosso próprio convívio e o relacionamento com as pessoas e os acontecimentos que nos rodeiam até você sentir que desenvolveu uma visão coerente sobre a vida e a realidade, ao menos tão longe quanto ter a perspectiva sobre situações que indiquem a vinda de idéias próprias e originais. Eddie Campbell tem desenvolvido uma visão extraordinariamente singular e perceptiva para a trivialidade da existência, e isso lhe permite transformar coisas que poderiam, de outra maneira, parecerem ordinárias e indignas de nota, em algo ao mesmo tempo revelador e divertido. Minha tese é que você não pode ensinar as pessoas a terem a mesma percepção e idéias que Eddie tem... você deve apenas seguir as orientações de sua própria cabeça, de um certo modo em direção a como você vê a vida e você perceberá que as idéias então virão espontaneamente, ao final, quase sem nenhum estímulo. Um único e novo ponto de vista nunca é reduzido a uma única e nova coisa a dizer ou sobre a qual falar. Visto da maneira certa, tudo se transforma em uma fonte de idéias. Abrindo o jornal na página de economia e lendo sobre a escalada do déficit internacional, algo que poderia parecer chato e duro de engolir à primeira vista é, na realidade, uma situação primorosamente louca que muito provavelmente vai afetar violentamente a vida de todos os que vivem neste planeta pelas próximas décadas e mais além. Há um jeito disto se tornar interessante, talvez divertido, ou talvez aterrorizante, ao leitor comum? E se você constasse isso em termos de uma fantástica alegoria, situada num planeta alienígena com algo absurdo do tipo pele de rato servindo de dinheiro? A idéia de um punhado de alienígenas imbecis pondo irrevogavelmente seu planeta em polvorosa atrás de um punhado de peles de rato talvez seja divertida? E que tal se fizéssemos uma história implacavelmente séria e realista, substituindo os grandes interesses nacionais envolvidos por indivíduos, pessoas, para que o problema possa ser sentido em pequena escala, em termos de elementos humanos, talvez com um agente de uma companhia de empréstimos tentando cobrar os pagamentos numa inóspita e hostil comunidade rural? Existe alguma coisa aqui capaz de prender o interesse das pessoas por uns dez ou quinze minutos?
De outra maneira, talvez alguns incidentes do nosso próprio passado providenciarão o germe de uma história. Quando criança, por exemplo, se meus pais me flagrassem em algum pequeno delito que eu estivesse convencido que eles não teriam possibilidade de saber, algumas vezes ocorria-me que talvez os adultos pudessem ter algum poder especial de saber de tudo, que mantinham escondido das crianças. De fato, algumas vezes tive a impressão que talvez todo mundo tinha tal habilidade, exceto eu, e que eu era a única pessoa excluída dessa massiva conspiração telepática em massa (se você continuar pensando neste tipo de coisa depois dos nove anos de idade, você pode ser tanto um esquizofrênico paranóico quanto um escritor de quadrinhos, assumindo que você faça questão de manter alguma distinção).
Usando esse medo infantil irracional como trampolim, seria possível alcançar talvez um tipo de fantasia à la Ray Bradbury sobre o universo infantil, ou talvez uma cruel história do horror psicológico sobre a paranóia como fenômeno em si, talvez tendo uma criança que sofria de complexo de perseguição que se tornou um agente da espionagem do baixo escalão, trabalhando incógnito do lado errado do Muro de Berlim, num mundo onde todos os seus horrores de infância tornam-se tangíveis e reais? Por favor, tenha sempre em mente que as idéias colocadas não são necessariamente boas idéias... elas apenas são alguns exemplos tirados da manga das formas pelas quais as idéias aproveitáveis podem ser conduzidas.
Eu deveria talvez assinalar que, ao construir uma história, nem sempre é preciso começar por uma idéia. É perfeitamente possível arrumar inspiração para uma história pensando apenas em macetes técnicos puramente abstratos ou numa seqüência de cenas ou em qualquer coisa parecida. Em algum lugar do processo, de qualquer maneira, uma idéia coerente deve começar a surgir do trabalho além dos seus simples maneirismos. Se acontecer de você pensar primeiro numa nítida e curta seqüência de quatro quadros, muito bem, mas você deve então tentar explorar mais o tipo de caráter ou de idéia que os quatro quadros melhor expressam. Como exemplo do meu próprio material, uma idéia original que eventualmente é elogiada dos primeiros quatro ou cinco episódios que fiz com o Monstro do Pântano, toma forma como um punhado de idéias desconexas para seqüências que tinham um pequeno significado, individualmente: uma última idéia era utilizar a capacidade de camuflagem do Monstro do Pântano... talvez ter parte de sua perna ou de seu corpo visível no cenário de tal modo que tanto o leitor quanto os outros personagens não percebam que estão olhando para a criatura do pântano durante alguns segundos. Isto acabou sendo as duas primeiras páginas da história Possuído pelo Pântano.
Outra idéia que tive, ao mesmo tempo, envolveu o modo de trabalhar dos outdoors Burma Shave, cuidadosamente espaçados e rimados, usados para percorrer ao longo das estradas da América numa seqüência de letreiros rimados de tal maneira que a última linha da rima, ...Burma Shave, era, na verdade, mais visível na placa em si que dentro do espaços das letras. Isto efetivamente aconteceu nas últimas duas páginas do n.º 26, mesmo não tendo nenhuma idéia ao realmente pensar na seqüência sobre a forma como ela se relacionaria ou qual parte dela participaria do conjunto da história. Eu mantive a idéia pendente até ter uma abertura onde pudesse inseri-la, e assim, quando tive de fazer algo drástico com o personagem Matt Cable, eu o peguei e joguei numa cena de desastre de carro. O fato é que tive de manter as seqüências guardadas na geladeira até ter uma idéia para as histórias que as completariam. Como eu disse antes, ninguém precisa começar por uma idéia, mas, em algum ponto ao longo do processo, uma idéia de verdade é necessária, admitindo-se que este trabalho deva ser de algum impacto.
Nós assumiremos que, a partir de agora, temos uma idéia trabalhável, algo que gostaríamos de dizer e sentir que podemos dizer com convicção. Antes de encaminharmos o problema, deveríamos perceber que, em qualquer ato de comunicação, existem ao menos dois participantes. Em termos de criatividade, estes participantes são o artista e a sua audiência. Se você está prestes a despender um monte de tempo preparando a sua mensagem, talvez seja vantajoso ao menos gastar um pouco mais numa rápida consideração sobre a pessoa para a qual a mensagem se dirige. Obviamente, uma vez que estamos falando sobre audiência em massa, de milhares de indivíduos, não há como o artista conseguir entender os gostos e aversões de cada um deles. A resposta convencional ao problema, ao menos como ficou evidente pelo comportamento de muitas das principais companhias de comics, é tentar não ofender ninguém.
Eu tive ao menos um editor do ramo dizendo que não há sentido em tirar da alienação ao menos um leitor que seja, sendo que o melhor a fazer é "suavizar" os diálogos ou as cenas em questão até que não haja mais nada que possa ser criticado pelo mais sensível membro da audiência. Levando esse raciocínio ao seu extremo, isso sugere que um leitor hipotético ao qual o artista deve se dirigir como sua história é um afrescalhado moralista extremamente afetado que tem um piripaque é primeira sugestão de algo mais carnal que um beijinho de boa-noite sobre a testa. Isso não apenas reforça a idéia de que os quadrinhos são, de alguma maneira, ofensivos por sua própria natureza, e que só serão tolerados enquanto se mantiverem dentro de suas coleiras - aliás, muito bem apertadas, diga-se de passagem - como também falham por não considerarem o enorme número de leitores em potencial não dispostos a perderem seu tempo com papinha-de-nenên literária.
Há algo estranho em ser ofensivamente inofensivo, e, uma vez que não estou sugerindo em nenhum momento que todos os quadrinhos devam ser destinados a depravados cínicos recém-saídos da adolescência, ao menos se deveria perceber que a audiência potencial além desses caras é, de longe, muito variada e grande demais para se aplicar quaisquer critérios restritivos baseados em quadros hipotéticos completamente não-confiáveis de um imaginário "leitor-padrão". O conceito de "leitor-padrão" é completamente retrógrado, ao tentar criar um leitor que não existe. Eu conheço muito poucas pessoas que se acham "leitores-padrão de quadrinhos", e menos pessoas ainda que demonstrem ser realmente convencionais quando examinadas mais de perto. Um meio de comunicação tão pequeno como este tem realmente um padrão significativo que possa ser definido a partir de seu público?
Na minha opinião, a melhor maneira de lidar com o problema é deixar o material encontrar seu próprio nível e sua própria audiência. Mas, uma vez que ao não definirmos nossas hipóteses de trabalho acabamos produzindo leitores imaginários, é óbvio que temos que achar algum meio de compreender a parte que o leitor ocupa no processo criativo. Uma vez mais, eu imagino que fique menos problemático tomar o problema pelo seu outro extremo. Ao invés de pensar sobre o que poderia afetar o leitor negativamente para então expurgar qualquer traço disso no trabalho, por que não pensar sobre coisas que provavelmente afetam o leitor positivamente? Novamente, temos aqui o problema de como definir o que melhor funciona para uma extensa faixa de pessoas, mas, ao menos, neste exemplo, há uma série de modelos úteis para basear nosso pensamento. Um deles é a banal mas sempre criativa piada.
Piadas não são, em geral, dirigidas a um público específico; elas apenas acontecem! Estranhamente, o critério do que seja uma boa piada não parece ser altamente contestado, como quando falamos sobre filmes, livros ou quadrinhos. Algumas pessoas gargalham alto, a diversão de alguns é um pouco mais contida, um ou dois não riem mesmo. Seja qual for a reação, a piada serviu a seus propósitos e afetou várias pessoas diferentes com o melhor de sua capacidade em relação aos sensos de humor de cada um. A pessoa que chega a princípio com a piada não faz idéia da pessoa que eventualmente vai escutá-la... ela apenas acha a piada engraçada. Se ela o faz rir, há uma ótima chance dela fazer uma porção de pessoas rirem também. Eu até arriscaria dizer que muitos dos escritores de quadros humorísticos dos programas de TV se contentam em confiar em sua própria intuição sobre o que é engraçado, mesmo que tenham assistido entrevistas com comediantes como Max Wall, parecendo que há um esforço muito grande no pensar sobre o que exatamente faz as pessoas rirem. Há, seguramente, alguns princípios óbvios de humor que são quase certeza de provocar risadas como resposta, não importando qual a disposição ou a situação da pessoa que ouve a piada possa ter. Compreender essas reações humanas imediatas é uma ferramenta de humor criativo muito mais útil que qualquer consideração sobre um "público-padrão" possa ser.
Pensando sobre um processo geral básico que afete um amplo espectro de seres humanos muito melhor que uma noção ou idéia específica que não afetaria sequer um único tipo de leitor hipotético, será possível chegar a uma compreensão de um dos mecanismos fundamentais das reações humanas. É possível olhar bem de perto para nossas próprias reações e respostas e fazer algumas deduções felizes sobre as respostas básicas de sua leitura. Se você quiser escrever uma história de horror, pense primeiro no tipo de coisa que horroriza você. Analise seus próprios medos a fundo o suficiente e poderá ser capaz de chegar a algumas conclusões sobre a matéria-prima dos medos e das ansiedades humanas. Seja implacável ao fazê-los, e submeta a si mesmo num enorme sofrimento emocional se for necessário para ter respondida essa questão: o que me deixa horrorizado? Imagens de crianças morrendo de fome na África me horrorizam. Por que isso me deixa horrorizado? Isso me horroriza porque não consigo ficar pensando em crianças minúsculas nascendo num mundo de fome, miséria e horror sem nunca conhecer nada além de dor e medo, e não saber nunca que poderia possivelmente haver algo mais do que precisar de comida tão desesperadamente quanto um homem sufocado precisa de ar e nunca ouvindo nada além de choro, lamentações e desespero. Sim, muito bem, mas POR QUE não consigo pensar nisso? Não consigo ficar pensando nisso porque gosto de sentir um mundo como tendo alguma forma de justiça e de ordem sem os quais muito da existência pareceria sem sentido, e eu penso que para essas crianças não há a menor possibilidade delas sentirem o mundo nesses termos. Também sei que, se estivesse naquela mesma situação, também não seria capaz de ver qualquer situação além de fome e miséria juntas. Então, isso significa que não haveria nenhuma ordem, nenhuma razão para a existência? É isso que me faz cagar nas calças toda vez que vejo aquelas titicas de mosca agonizando no noticiário do horário nobre. É. Provavelmente é isso! O que me assusta mesmo provavelmente não é o que está acontecendo com eles, mas o que isso implica para mim.
Aquilo não é uma nobre causa, incrivelmente fácil de ser encarada, mas é o tipo de trabalho sujo que você tem que encarar para ter alguma compreensão válida do material no qual você está trabalhando. Este material são pensamentos humanos, sentimentos humanos e idéias humanas. Tudo no nosso mundo, desde a estrutura familiar até a bomba de nêutrons, tem sua origem nesta área, e qualquer um que pretenda fazer uma bagunça com a consciência de massa para uma missão vital de estar ciente do material está lidando com e como isso se comporta em certas circunstâncias. Para este fim, se considerarmos uma pessoa que eventualmente for ler sua história em quadrinhos, o denominador comum pelo qual você vai atrás não é o minúsculo denominador comum da receptividade do público, e sim o denominador comum da humanidade básica. Se você está lendo isso, há uma boa chance de que você seja um ser humano. Há também uma boa chance de que, não importa o quão único e especial você seja ou pense que é, existam certos mecanismos básicos que você compartilha com membros conservadores do parlamento inglês, mineiros de Yorkshire, lésbicas radicais e policiais. Se você puder identificar e usar estes mecanismos para sua própria satisfação, então você terá muito mais base para produzir uma arte mais proveitosa que se gastasse tempo alucinando um consumidor-padrão imaginário e tentando desesperadamente marretar seu trabalho numa forma que agrade seus altamente hipotéticos gostos e critérios.
Muito bem, agora então nós temos nossa idéia básica e, ao menos, alguma noção do tipo de coisa que provavelmente é o que melhor afeta uma ampla faixa de nosso leitores. Neste ponto, podemos começar a considerar a forma real que a comunicação de nossas idéias deva ter. Antes de descermos até detalhes mais refinados dos mecanismos internos das histórias, a primeira coisa a ser considerada é a sua forma básica e a sua estrutura. Para maximizar os efeitos da idéia que você está tentando comunicar é preferível dar à história algum tipo de forma definida, que tenha um certo tipo de unidade e senso de integridade que produzam uma impressão coerente e organizada na mente humana. Há tantas formas de história como existem formas na natureza. Algumas delas são irregulares, outras, regulares, todas elas com suas vantagens e desvantagens e possibilidades. Presumivelmente, você escolherá uma estrutura que pareça acomodar, da melhor maneira possível, o efeito que você deseja para a história, mas, além disso, não importa realmente qual será a estrutura escolhida. O importante é que você entenda a estrutura do trabalho que está criando, seja qual for a estrutura que possa vir. Se você escolheu desviar-se do assunto, então tudo bem, apenas enquanto você estiver atento ao que está fazendo e atento às conseqüências no efeito global da história.
Algumas estruturas são óbvias e evidentes por si só. Uma que eu uso muito, provavelmente muito além da conta, é a estrutura básica elíptica, onde elementos do começo da história refletem eventos que estão para acontecer no fim, ou onde uma frase ou imagem particular será usada no início e no fim, agindo como extremidades para situar a história, num senso de esmero e unidade. Outra estrutura é iniciar a partir do meio da história e preencher o passado ao mesmo tempo que avança com a trama no futuro, movendo desse modo ambas as situações com a narrativa ao mesmo tempo. Um exemplo disso seria Dia de Fuga. A ação começa no meio, com o Monstro do Pântano e Abby correndo através do pântano, sendo então preenchida com os eventos que os levaram àquela situação ao mesmo tempo em que mostramos a história prosseguir, desdobrando-se no presente. Uma estrutura mais complexa seria uma que tomei emprestada de Gabriel Garcia Marques, na segunda parte de Nukeface Paper em SWAMP THING n.º 36. Aqui, temos uma história inteira contada por cada personagem, dependendo do quanto da ação central aconteceu com eles, individualmente. Desse modo, nenhum dos personagens tinha a história toda, mas com cada novo relato dos eventos nós conseguíamos um pouco mais sobre a situação até finalmente percebermos que a montanha-russa está completa e que o quadro todo está finalmente diante de nós, se bem que desdobrado numa forma insólita e - espero eu - interessante. Uma estrutura mais simples seria a de SWAMP THING n.º 34 onde a peça central era um poema erótico-abstrato de oito páginas, e, o resto da história, simplesmente a moldura daquela peça central.
Ainda assim, todas essas são estruturas formais e não há razão pela qual escritores de quadrinhos aspirantes devam recolher suas noções de estrutura a partir de parâmetros tão limitados quanto os meus. Retornando novamente a Eddie Campbell, ou, sem dúvida, a Phil Elliot ou Ed Pinsent ou um sem-número de outros instigantes talentos que tem emergido nestes últimos anos, alheios ao mercado corrente de quadrinhos, nós encontramos formas de histórias que são radicalmente diferentes de qualquer das formas mais convencionais descritas acima. Eddie Campbell tende a dar às suas histórias um tipo de estrutura anedótica informal que espelha precisamente o modo no qual as histórias são usualmente recontadas de pessoa a pessoa, intercaladas por pequenas lembranças e desviando-se do assunto deixado intacto. As histórias sugerem ter uma estrutura precisamente controlada, mas parecem, de alguma maneira, muito mais naturais e orgânicas que uma porção de estruturas mais cientes de si mesmas que eu tenho usado ocasionalmente. Phil Elliot descreve suas histórias como tendo um A e um B para definir o começo e o fim com um tipo de narrativa exploratória e não-linear, que toma lugar entre esses dois pontos. Essas são todas elas abordagens válidas e, olhando para elas com olhos analíticos, certamente se mostram utilizáveis para chegar à idéia do que a estrutura realmente é e o que sua abordagem própria do assunto poderia ser.
Neste ponto, talvez eu deva sublinhar que, muito embora esteja apresentando estas várias facetas e elementos das histórias afim de que pareçam fazer sentido para mim, não há razão pela qual você deva realizar a sua história seguindo esses passos exatamente ao pé-da-letra. Ao invés de começar com uma idéia-base você decide que teve uma ótima idéia para uma estrutura de história e então sai atrás de uma idéia que melhor convenha à essa estrutura. O episódio de V de Vingança intitulado Vídeo, por exemplo, era uma história onde a estrutura foi concebida primeiro: seria possível contar uma história usando apenas diálogos absolutamente incidentais acontecendo num televisor? A estrutura encabeçou a idéia básica da história, e quando surgiu um lugar conveniente no contínuo dos episódios da série onde essa estrutura podia ser aproveitada, eu a empreguei. Uma simples imagem, uma simples linha de diálogo, qualquer uma delas pode ser o início de uma história. Minha tese é que, em algum lugar ao longo da linha, em qualquer lugar que você comece, todos os vários elementos individuais que discutimos aqui serão examinados caso o trabalho esteja ficando tão bom quanto você possa fazê-lo.
Agora que temos alguma idéia sobre estruturas, o próximo passo é considerar o próprio ato de contar histórias, que, para efeito de discussão, será definido aqui como a forma pela qual as histórias se movem e se comportam dentro dos limites da estrutura. Uma vez que agora atingimos uma área melhor definida da composição de histórias, é muito mais fácil ver os elementos que vão caracterizar as dificuldades do processo de contar histórias. Sem nenhuma ordem em particular, áreas proeminentes dentro de um conjunto de instrumentos narrativos, incluindo cenas de transição, velocidade da narrativa, ritmo, suavidade do fluxo e todos os outros aspectos que dizem respeito mais à história em si que ao desenrolar dos eventos dentro da mesma.
Transição, o movimento de uma cena para outra, é um dos mais intrincados e intrigantes elementos de todo processo de escrita. O problema é mover de um lugar ou de um tempo a outro sem forçar algo drástico ou desajeitado que poderia comprometer o delicado envolvimento do leitor com a história. Se a transição for tratada da maneira errada, isto fará o leitor "despertar" depressa demais para o fato de estar apenas lendo uma história: se você gastou toda a primeira cena construindo o envolvimento do leitor com a trama e os personagens, certamente não vai querer que nada o devolva à realidade. Uma vez que até mudanças de cenário requerem com freqüência um tipo de quebra, seguindo uma pausa entre o final de uma cena e o começo de outra, o intervalo de transição é um dos lugares onde muito provavelmente você se arrisca a perder o interesse do leitor se não for trabalhado adequadamente.
Como eu vejo, uma história bem sucedida de qualquer tipo deve ser quase como uma hipnose; você fascina o leitor com sua primeira frase, o conduz mais adiante com a segunda, e o tem em transe suave por volta da terceira. Então, tendo cuidado em não acordá-lo, você o leva adiante por entre os estreitos caminhos de sua narrativa e, quando ele estiver completamente perdido para a história, tendo se entregado a ela, você o acerta com uma terrível violência, como uma tacada de um bastão de softball, e assim, o deixa implorar pela saída na última página. Creia-me, ele vai agradecer por isso.
Uma coisa importante é que o leitor não acorde até que você assim o queira, e a transição entre as cenas é o ponto fraco do encanto que você está tendo um trabalhão para lançar sobre ele. De uma forma ou de outra como escritor você tem que vir com seu próprio repertório de macetes e truques com os quais você constrói o seu intervalo de credibilidade que a mudança de cena representa, tomando emprestado alguns conselhos de outros escritores e, se Deus quiser, quem sabe, trazendo um pouco dos seus próprios.
Um que tenho usado em excesso, a julgar pelos comentários que colhi em revisões ou em cartas dos leitores, é o uso da sobreposição ou coincidência de diálogos. Ou seja, é algo muito melhor do que recair no velho e estropeado Enquanto isso, na Sala da Justiça... ou algum cacoete parecido, e é mais largamente aplicável que algumas das mais arrojadas idéias experimentais sobre mudança de cena, muitas das quais só possuem, na maioria das vezes, um uso limitado.
Uma coisa que acabo fazendo, e que facilita a transição e é, algumas vezes, tudo o que se precisa para realizá-la, é escrever tendo como unidade básica a página, de modo que a ação do leitor de virar a página se torne o compasso no qual eu mudo de cena sem perturbar o ritmo da história. Outra abordagem é variar a técnica de sobreposição de diálogos e usar a sincronicidade da imagem mais que palavras ou até mesmo uma articulação coincidente de idéias vagas e abstratas. É até mesmo possível usar a cor para mudar de cena: o fim de uma cena que tenha uma porção de troca de tiros e derramamento de sangue poderia terminar com um close no brilhante sangue vermelho todo espalhado sobre o piso branco. O quadro seguinte poderia, de repente, cortar para uma praça comercial na Itália, num close de uma barraca de um florista com uma vasta profusão de flores vermelhas tomando a maior parte da cena. Neste exemplo, a simples manutenção da cor vermelha provavelmente é suficiente para conduzir com sucesso o leitor à transição.
A transição nem sempre tem que ser suave. Se você for habilidoso o suficiente, algumas vezes você pode usar uma transição muito abrupta, com tal elegância que ninguém irá perceber qualquer quebra no fluxo até que o momento tenha passado e o leitor já esteja devidamente absorvido pela próxima cena da história. Um exemplo que vem do cinema seria o estonteante artifício que Hitchcock usou em OS PÁSSAROS: ao encontrar um corpo destroçado pelas aves, com os olhos vazados, a heroína abre sua boca e inspira, obviamente prestes a soltar um grito ensurdecedor. Ao invés de mostrar o grito, Hitchcock corta, de repente, para a próxima cena, num close-up de um motor guinchando, o barulho amplificado e dissonante com o que se formou na cabeça de quem assiste, com o grito que se estava esperando ouvir. A mudança brusca na cena é surpreendente, mas Hitchcock consegue usar o senso de surpresa com fins positivos, acentuando o prazer da história muito mais que dispersando a atenção. Isto não funcionaria num meio quadrinhístico, mesmo usando efeitos com onomatopéias, mas não há razão pela qual uma mente com iniciativa não possa encontrar uma forma de adaptar as bases deste artifício numa seqüência de palavras e imagens fixas.
Transições, embora importantes em si mesmas, podem também ser consideradas como parte de um tópico geral sobre espaçamento ou compasso. O compasso, apesar de, quando feito corretamente, nem é percebido pelo leitor, é uma parte integrante da história, determinando a história e o timing dos eventos dentro da história para uma melhor impressão. A maneira mais simples de entender o timing nos quadrinhos é aprender quanto tempo um leitor gasta num quadrinho antes de passar para o próximo. A princípio, ele leva um certo tempo lendo as legendas e os balões de diálogo. Um quadrinho contendo um padrão de 35 palavras levará talvez cerca de sete a oito segundos para ser lido, dependendo da complexidade da imagem que o acompanha. Uma simples imagem sem nenhum balão nem legenda talvez tome três segundos. Se você ler algumas histórias tendo o timing em mente, em breve você terá uma intuição útil sobre quanto o leitor demora em cada quadro. Ainda que isto não lhe dê um rígido controle, tal qual a montagem do tempo desfrutada pela indústria cinematográfica (o qual tem suas próprias desvantagens), sem dúvida ele confere a você algum princípio de controle sobre quanto demora para os olhos dos leitores serem guiados ao longo da página, ou através da história como um todo.
O compasso deve engrenar tendo uma cena na mão. Uma cena pensativa que exija atenção provavelmente funcionaria melhor com ritmo completamente lento. Uma cena de ação rápida, talvez uma cena de luta, provavelmente funcionaria melhor ao mover-se tão rápido quanto possível. Compare algumas das cenas de luta silenciosas de Frank Miller - as quais se movem muito rápido, fluindo de imagem para imagem com a velocidade de um conflito em tempo real, não interrompendo o leitor com pausas para ler montes de texto de acompanhamento - e as cenas de luta de escritores menores com algum senso de movimento de cena é entrecortada pelos antagonistas despejando montes e montes de diálogo um ao outro. O que foi dito acima não são regras rígidas ou de fácil assimilação: tenho certeza que é possível escrever uma cena de ação com ritmo rápido e usar muitos diálogos, bem como sei que é possível aumentar a quantidade de detalhes nas próximas cenas para fazer uma longa seqüência muda que seja lida bem devagar. Ou seja, alguma intuição sobre como compassar as palavras é essencial para a construção de uma história, tanto para construir o suspense numa situação dramática, ou sincronizando uma gag para circunstâncias mais cômicas. Jogue com cenas silenciosas e veja como podem ser usadas para estender o momento de suspense até reforçar o impacto, se necessário.
Experimente a noção de sincronia e veja o que acontece. No episódio 100 Rooms da série LOCAS TAMBIEN, Jaime Hernandez faz algumas coisas incrivelmente fortes com a estrutura do tempo e as executa com genuíno èlan. Um exemplo seria quando o amargurado suposto-nobre que tinha "seqüestrado" Maggie finalmente retira a mão de sua boca, confiante que ela não vai gritar. Abruptamente, no quadrinho seguinte, cortamos para um momento futuro indefinido, no mesmo quarto; Maggie e seu raptor obviamente fizeram amor e o homem está sentado ao lado da cama, desculpando-se pelo seu comportamento. Esta repentina, desconexa e deliberada quebra do compasso da história é desorientante, mas, de uma certa maneira, satisfatória. Não é nada que eu tenha me atrevido a tentar pessoalmente, mas demonstra apenas o que é possível se você tiver talento, nervos e imaginação suficiente. Você pode acrescentar elementos que realmente perturbem o fluir da sua história e ainda conseguir que eles atuem no contexto dela como um todo.
Basicamente, não há limites aos diferentes efeitos de narrativa e abordagem que sejam possíveis além dos limites impostos pela nossa própria imaginação. Tudo o que se pede é que se pense sobre as técnicas que se está usando, entendendo o que elas são e sabendo onde elas são aplicáveis. Mais importante ainda: deve-se ter em mente que os vários artifícios narrativos só estão ali para dar a melhor expressão de sua história, ou de parte dela. Se você tiver uma brilhante idéia para um artifício desses e ele não for apropriado para a história que você está escrevendo, abandone-o. Quando os macetes narrativos oprimem a idéia que você está tentando conduzir a princípio, então você trabalhando em detrimento da história muito mais que em benefício dela, eles devem ser riscados sem dó nem piedade.
Como muitas das intrincadas tramas descritas acima, a confiança no que está deixando para trás e o que incluir em qualquer história determinada são coisas que vêm apenas com prática e experiência, mas, uma vez que se saiba pelo menos o que está procurando, provavelmente verá que essas coisas acabam vindo mais rápido que se imagina.

1 The Comics Journal #119 (Janeiro de 1988), #120 (Março de 1988) e #121 (Abril de 1988)