sexta-feira, 20 de abril de 2012

Ler um quadro – uma carta de Poussin em 1639

Bernardo Aurélio

Louis Marin propõe uma semiótica da imagem com o objetivo de procurar entender a narrativa que ela pode conter baseado principalmente no que está implícito na expressão “leitura de um quadro”. Ele se preocupa, inicialmente, em questionar se se é possível a leitura de uma página de um livro, o mesmo se daria com as imagens de um quadro. Segundo ele, essa tarefa teria três características: 1) comparação entre leitura da página escrita e leitura do quadro; 2) níveis e campos teóricos em que semelhanças e diferenças entre as duas leituras sejam pertinentes, comparando literatura e pintura e 3) examinar as dimensões em que intervêm, diferentemente, semelhanças e diferenças existentes entre a leitura de uma página e leitura de um quadro. 

 Neste processo de leitura, três direções seriam importantes a serem tomadas: 1) “ler é reconhecer uma estrutura de signifiance: que de tal forma, tal figura, tal traço seja um signo, que representa qualquer outra coisa”. 2) “ler é compreender o que lemos, dotar essa operação de re-conhecimento” e 3) “Ler é também, e enfim, decifrar, interpretar”.

 De acordo com Louis, um artista, para pintar um quadro, precisaria traduzir um texto de informações previamente lido e incluí-las em sua obra. O texto em questão, que foi utilizado de base para a construção de uma pintura, é a passagem dos judeus pelo deserto contido no antigo testamento, quando recebem o alimento dos céus para não morrerem de fome. Essas informações foram traduzidas em imagem, a qual é objeto de pesquisa deste trabalho: o quadro Maná, do pintor Nicolas Poussin, representante francês da escola clássica do século XVII. Seguindo o raciocínio, Louis afirma que “ler um quadro” seria fazer o caminho inverso ao do pintor e reconhecer na imagem o conjunto estruturado de anunciações, frases e ícones significantes que ele teria criado até entendermos todo o enunciado do artista em sua obra. Ler um quadro corretamente seria, pelo menos, entender a construção do discurso da narrativa do artista. Essas informações não estariam contidas apenas na pintura em si, o título já diz muito sobre a obra e direciona o entendimento, bem como a moldura, a localização onde a tela será pendurada e a forma como a luz incidirá sobre o quadro. 

 Em suas comparações, Louis afirma que a pintura é uma forma de escrita e a escrita uma espécie de fala. Diz ainda que o texto escrito tem uma presença visual e conclui que a imagem trata-se de um quadro gravado enquanto que o texto escrito é um quadro falante. No caso, diferente de uma narrativa escrita que pode ter um longo tempo cronológico a seu favor, o pintor teria apenas um momento para representar toda sua narrativa, seria necessário reunir “muitos incidentes” numa única cena de forma que torne compreensível o tema que expõe. Dessa forma, o repertório de unidades significantes às quais a pintura recorre é diferente das de um quadro falante, ou verbal. 

No quadro em questão, uma dessas unidades é a presença dos personagens em cena, o conteúdo representado no movimento da figura. Pressupõe-se que existe uma linguagem natural do corpo e que os gestos são como letras de seu alfabeto. Para concluir, Louis adverte ao leitor do quadro que procure entender que existem informações que estão subentendidos na imagem. Outra história pode estar escondida, mostrando os verdadeiros objetivos da obra. 

No quadro em questão, Moisés que recebe e agradece aos céus pelo Maná está em segundo plano e em destaque nós vemos uma mulher amamentando outra mulher adulta, ao invés de se alimentar com o Maná de Deus, no que pode ser entendido como um exemplo da “caridade romana” e uma insinuação do paganismo.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Entrevista com Bernardo Aurélio

No dia 27 de abril foi publicada uma entrevista no "Diário do Povo" que o jornalista Adriano Lobão fez comigo. Infelizmente, o espaço do jornal não pôde colocar nossa conversa na íntegra. Como gostei muito, resolvi publicar aqui. Acompanhem.

1) Como surgiu a ideia de abrir a 5ª capa?

Eu havia lançado meu livro "Foices e Facões - A Batalha do Jenipapo" há poucos meses e ainda estava com uma boa grana que havia recebido por esse trabalho, mas estava desempregado. Minha formação é em história, eu poderia correr atrás de escolas com meu currículo ou investir esse dinheiro guardado em algo que eu gostasse muito: quadrinhos. Juntar três pessoas com o mesmo objetivo foi o segundo passo. Entraram na sociedade meu irmão Caio Oliveira, meu primo Victor Rolf e o amigo Márcio Freitas. Juntamos a grana inicial necessária e colocamos o projeto em execução.




2) Seria a criação de uma loja ou um centro de criação? Que tipo de espaço é a 5ª capa?

Eu acredito que um dos principais problema da cultura brasileira seja a questão dos produtores e editores. Penso que no ramo dos quadrinhos, que eu entendo melhor, o grande problema da falta de material nacional nas bancas e livrarias seja um problema criado de cima pra baixo: falta de políticas editorias e de produtores culturais. Infelizmente, o artista não tem como ser de modo eficiente seu próprio editor/produtor. A Quinta Capa é uma livraria, mas acima disso ela surgiu como o anseio de um pequeno grupo de pessoas que querem fazer a diferença. Não queremos apenas vender revistas. É triste ver grandes e poderosos livreiros, ou donos de gráficas, pessoas tem um potencial incrível de fazer a diferença, de incentivar a criação e se resumem a imprimir e vender coisas dos outros. A Quinta Capa surgiu como editora e, aos poucos nós estamos mostrando nosso material e nossos projetos, não apenas vendendo as revistinhas importadas dos super herois ou mangás. Nós queremos criar.

A Quinta Capa é também um produtora e incentivadoras de eventos como a Feira HQ e exibições de filmes e desenhos animados. É um ponto de encontro e de incentivo a leitura de novos trabalhos bem como de valorização de publicações raras, como deve ser todo sebo.


3) Quais as maiores dificuldades para empreender esse tipo de trabalho em Teresina?

É um serviço novo. As pessoas não estão acostumadas a livrarias especializadas em Teresina, a não ser que você procure alguma livraria de artigos e publicações religiosas... Mas a novidade não é a maior das dificuldades. De fato, muitas pessoas já leram ou leem quadrinhos. É um público imenso e existe produtos para todas as seguimentações dele. A maior dificuldade, acredito que seja acordar esse público, levá-lo até sua livraria e mostrar o mundo de opções que estão fora das bancas normais, onde costumam comprar seus títulos preferidos. Diria que esse anúncio e conquista é a maior dificuldade. Com o boca a boca e as redes sociais vamos ganhando cada vez mais clientes buscando ainda a autosustentação junto do crescimento.

4) Quais os tipos de quadrinhos mais procurados na 5ª Capa?

Acredito que as revistas usadas. São esses "revistinhas" que vão pra bancas e os colecionadores compram depois se desfazem com a gente. Tem um público grande que procura completar sua coleção. Damos muita atenção para nosso "sebo". São as publicações antigas que levam os leitores a novas experiencias que estão ali nas prateleiras. É claro que existe um mercado crescente de publicações especiais pra livrarias. Álbuns luxuosos que os colecionadores gostam de ter em suas estantes. Então diria que o sebo de super heróis e mangás e essas publicações especiais pra livraria são dois tipos de publicações mais procurados.


5) E quais as suas preferidas?

Ultimamente eu tive azar. Algumas das revistas que eu colecionava foram canceladas, como os mangás Blade e Sanctuary. Outro mangá que havia sido cancelado e que voltou foi o Evangelion, mas ele demora muito pra ser publicado no Brasil, uma média de 2 exemplares por ano, porque acompanhou a edição japonesa. Recentimente acompanho dois títulos mensais apenas: Mágico Vento e Vertigo. O primeiro é de velho oeste, da mesma editora de Tex, a segunda são histórias de ação e terror. Mas eu também gosto muito de edições especiais, como as do Lourenço Mutarelli ou Moebius. Tento ler um pouco de tudo, preciso conhecer o mínimo das coisas pra conversar melhor com os clientes. Nesse caso é bom ter sócios, porque sempre temos gostos diferentes.

6) Há muito preconceito em relação aos quadrinhos, como se fosse algo mais ligado ao entretenimento do que à criação artística propriamente dita?
Eu diria que há um preconceito mas não com um tom pejorativo. Um preconceito que existe mais simplesmente pela desinformação do que por qualquer outra coisa. Acho que superamos esse momento da história onde os quadrinhos foram considerados sub-literatura ou coisas assim. De uma maneira geral, podemos encontrar arte no entretenimento e exemplos de quadrinhos verdadeiramente artísticos. O grande problema é: as pessoas não conhecem quadrinhos. Conheço pessoas que passam a vida lendo quadrinhos de super herói e que não procuram outros gêneros. Hoje eu posso ver crianças que começaram nos quadrinhos lendo mangá começarem a ler super heróis. Não estou querendo dizer que super heróis sejam o próximo passo evolutivo na leitura dos quadrinhos. Existem interpretações profundas dentro de um gênero de quadrinhos de super heróis desde Warchmen, em 1985. O que eu quero dizer é que existe muita arte real a ser descoberta e a ser criada dentro de uma linguagem como os quadrinhos.

As pessoas ligam quadrinhos ao entretenimento? Qual o problema disso? Quantas vezes vezes você foi ao cinema só pra si divertir nos últimos anos? E quantas vezes você assistiu a um filme ou escutou uma música que trazia aquela coisa profunda ou transformadora que só uma verdadeira arte pode trazer? Agora pense bem e me diga quantas vezes você procurou ler um quadrinhos diferente nos últimos anos? A verdadeira arte é difícil de ser encontrada, mas ela está por aí.