Por Bernardo Aurélio
Mariana Kohnert é tradutora de livros desde 2011 e trabalhou em textos de autores como Sidney Sheldon (Em busca de um novo amanhã) e Sarah J. Maas (da série Trono de Vidro). Nesta entrevista, conversamos mais particularmente sobre o livro The X Files – Origens: Agente do Caos (que já resenhei por aqui), aventura que conta sobre a adolescência de Fox Mulder, protagonista da famosa série de tv Arquivo X.
Em nossa conversa, Mariana nos conta sobre o ofício da tradução, sobre as particularidades de cada autor com quem trabalhou, sobre sua relação com a série de tv que deu origem ao Agente do Caos e sobre o que mais gostou no livro. Parece que nós tivemos uma exer traduzindo, isso faz toda diferença...
Bernardo Aurélio: Antes de qualquer coisa, como você se tornou uma tradutora?
Mariana Kohnert: Eu me formei em Comunicação Social com habilitação em Produção Editorial, então entrei no mercado editorial ainda como estagiária. Depois disso me tornei assistente editorial e ganhei experiência trabalhando com produção de livros. Eu já me interessava bastante pela área textual e durante um tempo fiz freelas como revisora e copidesque. Isso me deu experiência com texto e, depois de alguns anos, eu decidi tentar ser tradutora. Pedi para fazer testes de tradução e meu texto foi aprovado. E estou traduzindo desde 2011.
BA: Percebi que você tem uma longa lista de trabalhos, que envolvem nomes que passeiam por Sidney Sheldon, John Green a Sarah J Maas. Como é traduzir textos desses diferentes autores?
MK: É interessante ter a oportunidade de traduzir diferentes autores porque cada um representa um desafio diferente. Cada autor tem seus traços estilísticos próprios, as histórias e o público-alvo são diferentes. Isso me leva a adotar uma perspectiva diferente para cada texto traduzido, o que torna o trabalho bastante revigorante a cada mudança de livro.
BA: Atualmente, o nome do tradutor aparece do lado do nome do escritor original em sites de busca ou venda. Como é o trabalho de autoria de um tradutor? Quer dizer, como você lida com a subjetividade do seu trabalho se, teoricamente, você deve ser maximamente fiel ao original?
MK: Eu prezo bastante pela fidelidade ao original. Mas isso não é sinônimo de uma tradução absolutamente literal. A tradução literal de uma expressão idiomática característica da língua de origem, por exemplo, pode acabar traindo o texto, destituindo do trecho o significado pretendido pelo autor e desrespeitando o leitor.
Nesses casos entra o trabalho de adaptação de fato.
Eu acredito que por mais que o tradutor procure ser objetivo, se ater ao texto, os recursos de que lançamos mão para um trabalho de adaptação são resultado de nossas experiências formativas, do que compõe essa nossa bagagem linguística, e são nossas marcas de estilo também. Isso é inevitável, mas é preciso ficar atento para que não prejudique o texto ou desrespeite os leitores. Um exemplo, eu sou carioca, e sei que os livros são distribuídos pelo Brasil todo, então muitas vezes preciso parar e pesquisar se uma expressão que utilizei é excessivamente carioca. É um trabalho difícil porque exige que a gente se questione bastante, mas é importante para que se respeite a diversidade geográfica dos leitores e também não se prejudique o entendimento para parte deles.
BA: Como o livro Agente do Caos chegou às suas mãos?
MK: Ele foi me oferecido para tradução pela editora – processo normal mesmo.
BA: Você já conhecia os livros de Kami Garcia, autora de Agente do Caos? Se identificou com a escrita dela?
MK: Eu conhecia os livros da série Beautiful Creatures (Dezesseis Luas). Eu adoro a escrita dela, na verdade. A Kami Garcia tem uma forma bastante leve de escrever, você se pega recitando os diálogos (às vezes quando a gente traduz é preciso dar uma recitada na cena) como estivesse participando da situação, é tudo bastante natural. Assim como os trechos narrativos de introspecção dos personagens, sinto que ela consegue ser bastante natural nessas horas também.
BA: Chegou a ler ou soube que Kami Garcia já havia escrito um conto (Filho do Buraco Negro) de Arquivo X publicado no Brasil anteriormente?
MK: Antes de receber o livro para traduzir eu não sabia que a Kami Garcia tinha escrito o conto não. Depois, com a breve pesquisa que fiz para iniciar a tradução do livro, eu fiquei sabendo.
BA: Você envolveu-se de alguma forma com o processo de tradução do livro The X Files Origens: Advogado do Diabo? Sabia que esse livro tem interseções com o Agente do Caos? Inclusive há um mesmo personagem nos dois livros que teve seu nome traduzido de maneira diferente (Luz do Sol ou Raio de Sol). O que poderia nos dizer sobre isso?
MK: Eu não me envolvi diretamente com o processo de tradução do Advogado do diabo. Nós trocamos vocabulários e fizemos algum contato inicial para determinação de alguns termos recorrentes. Eu não sabia que o Luz do Sol aparecia também no Advogado do Diabo até você observar.
BA: Qual sua relação com a série Arquivo X? Algum fã lhe procurou ou você procurou algum deles para o seu processo de tradução?
MK: Eu na verdade cresci assistindo Arquivo X, primeiro na TV aberta e depois na TV a cabo. Minha mãe sempre foi muito fã de ficção científica, e ela passou isso para mim e para o meu irmão. Era um momento família nosso sentar na frente da TV à noite e assistir Arquivo X. E depois ficar conversando horas e às vezes dias sobre as tramas. Ela comprava para a gente revistas que tinham entrevistas, que discutiam teorias dentro da série. Foi uma parte muito grande da minha formação e tenho muitas memórias familiares ótimas relacionadas a Arquivo X. Com o fim da série e com o tempo eu acabei deixando um pouco de lado, e na verdade ainda não consegui assistir à nova temporada porque aqui onde moro demorou muito para chegar à TV e quando chegou eu nem me dei conta de que já estava disponível.
Enfim, por conta disso, eu acreditei que tinha recursos, que tinha bagagem cultural para direcionar minhas pesquisas para a tradução desse livro.
BA: Um dos pontos mais importantes em Agente do Caos é sua relação com o livro “A Espada Diabólica”, de Michael Moorcock. Você já conhecia o livro e esse autor?
MK: Eu não conhecia o livro nem o autor. Passei a conhecer durante as pesquisas para a tradução de Agente do caos.
BA: Percebi que traduziu o título original “Stormbringer” para “A Espada Diabólica”, o mesmo título utilizado no Brasil na década de 1970 por uma pequena editora que nem deve existir mais. Isso faz parte de um processo de pesquisa? (pergunto porque, pra mim, foi ótimo, porque assim pude conhecer, encontrar, comprar e ler a versão de “A Espada Diabólica”, publicada em 1975)
MK: Isso realmente faz parte de um processo de pesquisa e também da prerrogativa de respeito ao leitor. Se o original menciona uma obra que tenha sido traduzida para a língua de destino, é importante a gente usar o título dessa tradução justamente para que um leitor possa pesquisar e encontrar tal livro se quiser.
Abri um sorrisão aqui ao saber que você pesquisou e encontrou A espada diabólica depois de ler Agente do caos – eu sempre imagino essa possibilidade, você acaba de me mostrar que acontece mesmo!
BA: Qual passagem do livro achou mais interessante ou curiosa de fazer? A quem você indicaria, que público deve ler Agente do Caos?
MK: Nossa, essa é difícil! Eu me diverti muito traduzindo os trechos com o Major, e sendo fã de Arquivo X, uma vozinha na minha mente ficava dizendo “Vocês precisam dar atenção ao Major”, e eu ficava maquinando de que maneira as falas aparentemente loucas e enigmáticas dele podiam se encaixar na trama e esclarecer alguma coisa. Fiquei arrasada com a última cena do Major...
Eu indico o livro pra todo mundo que conheço que gosta de Arquivo X, mas também indico para quem gosta de um bom mistério. Acho que para os fãs, têm todos os pontos de reconhecimento com a série que dão uma perto de nostalgia no coração. Para quem nunca ouviu falar, acho a trama muito bem construída, e qualquer um que goste de um bom mistério de serial killer deveria ler.
BA: Existe alguma indicação de tradução ou cuidado externo dos escritores originais com relação a este livro?
MK: Não houve indicação para cuidados específicos com a tradução desse livro não. Mas sei que a editora que me escolheu para traduzir esse livro sondou meu interesse pela série. E fiquei muito, muito grata por ter passado nessa sondagem inicial!