domingo, 13 de setembro de 2015

VOLTA, MUTARELLI, VOLTA! OU NÃO...


Mais uma prova de que quadrinhos não são literatura é a matéria do site uol sobre Lourenço Mutarelli. Este, um autor que conheci em meados da década de 90 com a “trilogia em quatro partes” de Diomedes, um detetive muito escroto. Aquilo brilhou pra mim. Até hoje considero uma das melhoras obras que já li e a melhor hq nacional que conheço. Uma obra volumosa, densa, cheia de propostas estéticas. Propostas que poderiam incomodar os incautos, mas que agradaria aos curiosos.



Naqueles anos eu fazia uma feira de quadrinhos aqui no Piauí e resolvi que Mutarelli deveria ser um dos nossos convidados. Eu o procurei, achei um e-mail, entrei em contato, mas sua esposa respondeu e disse que ele não poderia ir. “Coisa de artista”, pensei. Hoje, parece-me que ele já não costumava ir a esses eventos, como não foi ao último Troféu HQ Mix, receber a homenagem que lhe fizeram. Um quadrinista que não faz mais quadrinhos e que dedica-se a outras áreas da arte. “A Lucimar Mutarelli irá me representar. Obrigado", escreveu ele à organização do HQ Mix, segundo a matéria do site Uol com o artista. Posso imaginar como se sentiram o pessoal do prêmio.



Enfim, Mutarelli desistiu dos quadrinhos. Ele disse que "o meio dos quadrinhos sempre me incomodou bastante. Os próprios quadrinistas mesmo. É um meio muito bitolado”. O autor fez teatro, namorou com o cinema, em filmes como a adaptação de O Cheiro do Ralo, mas antes disso havia se rendido à literatura.  Ele disse que “essa mudança veio não só pela literatura, mas também pelo meio literário, que me aceitou muito bem. Isso é uma coisa que me ganha. Aceitação verdadeira, não bajulação. No meio literário eu fui muito bem acolhido, isso foi uma coisa que foi muito importante para mim”. Fica evidente que o autor não foi bem aceito pelo meio dos quadrinhos. O que é uma pena. Perdemos uma referência que estava, talvez, no auge de sua criatividade. Foi rumar por outras linguagens porque fazer quadrinhos no Brasil é um tormento, o próprio autor disse que “no quadrinho, você precisa trabalhar no mínimo dez horas por dia desenhando. Escrevendo [romances], eu trabalho menos horas por dia, trabalho com muito mais prazer. E vivo também. Antes, eu não vivia, só trabalhava”. Essa é uma condição de crise para o mercado de quadrinhos no Brasil. Existe um grande esforço desse tipo de autor, o desenhista, que passa horas, às vezes dias, produzindo uma única página.



Mutarelli é um artista reconhecido e reclama-se abertamente da falta de recursos, “eu preciso é de dinheiro. Sou um cara totalmente falido”. Já li alguns textos sobre o mercado de quadrinhos no Brasil e é lugar comum encontrar referências de quadrinistas que tiveram de percorrer caminhos no design ou publicidade para puderem sobreviver.

Dessa história, fico com algumas reflexões: por que os quadrinhos no Brasil são um meio tão indigesto com seus artistas? Por que nossa arte sequencial teve de perder esse talento tão significativo para outros meios artísticos? Serão os quadrinhos um meio realmente tão “bitolado” a ponto de renegar a sobrevivência de um autor referência em seu próprio seio?

Mutarelli, cara, fica de boas!

Não quero aqui fazer um tratado sobre o mercado de quadrinhos no Brasil, apenas me indigno em saber que nos EUA, autores da literatura e de outras áreas, como Stephen King, George RR Martin e Orson Scott Card, migram e fazem sucesso com os quadrinhos,mas aqui no Brasil ainda vivemos em um meio onde si diminui os quadrinhos a um gênero qualquer de “subliteratura”, onde autores, para serem levados a sério, precisam escrever romances porque gibis não levam ninguém a lugar nenhum.

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