sábado, 29 de dezembro de 2012
quinta-feira, 27 de dezembro de 2012
quarta-feira, 12 de dezembro de 2012
Exposição de Quadrinho Gigante
O Núcleo de Quadrinhos do Piauí (NQ) está participando da exposição "Poéticas do Coletivo_Tudo Junto e Misturado!". Organizado pelo curador Guga Carvalho, a exposição que acontece no Museu do Piauí Casa Odilon Nunes, une diferentes artes urbanas contemporâneas, desde as histórias em quadrinhos, passando pelo áudio visual, colagem e trabalhos de estudantes do curso de Artes da Universidade Federal do Piauí.
O objetivo de Guga era unir esses vários coletivos em um mesmo espaço, buscando principalmente o público jovem, segundo ele, surpreendentemente, o que mais frequenta o Museu.
O Museu do Piauí fica ao lado do Mercado Velho de Teresina e em frente a uma das paradas de ônibus mais movimentadas do centro da cidade. Por conta disso, vários transeuntes curiosos visitam a casa. Outro grande público são as escolas públicas. Por isso o foco nesse público Jovem. Uma nova fachada foi pintada e colada no Museu por conta da ocasião.
Vários membros do NQ uniram-se e decidiram criar juntos uma página de quadrinhos que tivesse quase 2 metros de altura.
Os autores da página gigante são: Antonio Augusto, Bernardo Aurélio, Caio Oliveira, Décio, Deusa Melo, David Carvalho, Felipe Portugal, Joniel Santos, João Torres e Zorbba Igreja.
Pessoal que visitou exposição "fazendo pose" em frente ao trabalho do NQ.
Batman lendo Turma da Mônica. Quem já tinha visto? Detalhe da página gigante.
Autores da página trabalhando nos esboços.
Assinatura do trabalho
A exposição estará disponível para visitação até final de março de 2013.
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
Últimos exemplares de F&F à venda.
Senhores, não haviam mais exemplares do livro "Foices e Facões A Batalha do Jenipapo", de Bernardo Aurélio e Caio Oliveira, à venda. Consegui mais alguns poucos. São os últimos! Depois desses, só quando conseguirmos fazer uma segunda impressão. Então aproveitem! Passem na Quinta Capa Quadrinhos e peguem o seu.
terça-feira, 27 de novembro de 2012
sexta-feira, 23 de novembro de 2012
50% de desconto!
Senhores,
hoje e amanhã, dias 23 e 24/11, teremos mais de 100 títulos com 50% de desconto à vista.
(OBS: Caso seja compra em cartão de débito, o valor será de 45%)
O link com todos nossos títulos em nosso facebook:
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Apareçam!
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
Leilão de Negima
Clique na imagem para ir para o link do leilão no facebook da livraria
Leilão da Negima da nº 01 à 10.
Lance inicial: R$ 40,00
Prazo: 24/11/12, às 20h
Incremento mínimo: R$ 2,00
Último maior lance leva. Dê o lance no link original da imagem no álbum da Quinta Capa Quadrinhos Livraria
Neste álbum colocaremos algumas revistas à leilão. Cada título terá um prazo para que os interessados façam seus lances. Cada título também terá um valor de incremento mínimo. Aquele que arrematou a revista terá o prazo de 48h para pegar sua revista ou ela será oferecida ao dono do 2º maior lance.
terça-feira, 20 de novembro de 2012
Sai nº 2 de Máscara de Ferro
Saiu essa semana a edição de número dois da revista digital "O Inefável Máscara de Ferro".
Trata-se de um super herói criado por Bernardo Aurélio (autor de Foices e Facões - A Batalha do Jenipapo) ainda em 2001. O personagem possui várias histórias em quadrinhos já desenhadas, faltando apenas a edição e a publicação. No site do personagem, o autor promete trazer todas essas edições aos poucos e disponibilizar todas gratuitamente.
Vale lembrar que o livro "Por dentro do Máscara de Ferro", que conta a origem do personagem, foi aprovado no edital "Programa BNB e BNDES de Apoio à Cultura", será produzido pelo Núcleo de Quadrinhos do Piauí e deverá ser editado e lançado pela Quinta Capa Quadrinhos editora ainda nos primeiros meses de 2013.
Máscara, na verdade é um borracheiro, eletricista e mecânico sem nenhum super poder especial, armado apenas com os instrumentos do seu cotidiano. As histórias publicadas no site do Máscara são aventuras de humor. Nessa segunda edição, o personagem enfrente o apocalipse zumbi com um facão, palavrões e muita raiva.
A edição número um, onde o Máscara conhece um ser do espaço, também está disponível no site. A única coisa que o autor pede em troca é que todos os interessados cliquem nos anúncios do google que apare em seu blog, pois isso gera renda para o autor. Vamos clicar aqui!
O personagem também tem uma página no facebook chamada "Mascara de Ferro Verdades Ditas", onde ele conversa com os leitores, sempre colocando sua opinião absurda acerca de filmes, músicas, jogos e assuntos em geral. Para curtir, clique aqui!
quarta-feira, 7 de novembro de 2012
Resenha de Impressões de Viagem
HOLLANDA.
Heloísa Buarque de. Impressões de Viagem: CPC, Vanguarda e
desbunde. 1960/1970. Rio de Janeiro: Aeroplano. 2004.
Bernardo
Aurélio de Andrade Oliveira
Heloísa Buarque de Hollanda é uma mulher completamente imersa na
vida acadêmica que leva, onde os temas das pesquisas que desenvolve
misturam-se com sua própria vida. Característica essa, inclusive,
denunciada abertamente por ela mesma nas primeiras páginas de sua
tese, Impressões de Viagem, quando diz que “num certo
sentido, a investigação desse debate é a investigação dos
fundamentos do meu próprio percurso intelectual” (2004, pg. 15).
Percurso que ainda estava se desenhando, pois Heloísa tinha a
consciência de que estava tratando de um assunto contemporâneo, que
ainda estava em processo, era uma análise de algo que estava
acontecendo, ainda no calor dos anos 70.
Impressões de uma Viagem, a tese de doutorado de Heloísa, foi publicado originalmente em 1979 e trata-se de um estudo em torno da produção cultural brasileira tendo como recorte temporal desde o governo JK até à implantação do AI 5, durante a ditadura militar. Por conta disso, Heloísa, na introdução do livro escrita ainda em dezembro de 78, assume tratar-se de um risco assumido desenvolver um trabalho de análise de um período tão presente e ainda tão indeterminado em sua vida e na história política do Brasil. Ela afirmou “ainda que isso promova dificuldades no sentido da falta de uma perspectiva histórica mais definida, ou mesmo quanto à delimitação do objeto de análise, traz, em contrapartida, a possibilidade tentadora de uma atuação crítica no próprio desenrolar desse processo” (pg.14). Ela tinha plena consciência de que ainda estava no meio de um processo político que, de certa forma, havia se iniciado em 1964, com o golpe militar, e que pretendia desenvolver seus argumentos ao longo de um momento histórico que não tinha ainda um recorte final definido.
É interessante colocar que em Breve nota da autora sobre essa edição, publicada em 2004, Heloísa conta, com uma certa ironia, que seu livro, na época da primeira edição, “sofreu os cortes e as revisões de praxe”, entretanto “esta quarta edição não traz nenhum tipo de alteração, nem mesmo as correções que claramente se faziam necessárias. Achei importante manter a perspectiva fortemente conjuntural que dita o tom e sua atualidade enquanto testemunho da época” (pg. 08). Ou seja, o livro não teve nenhuma alteração em seu conteúdo comparado com sua edição original, publicada 25 anos antes, nos apresentando um verdadeiro relato do calor do momento dos anos de chumbo brasileiro. Isso torna-se mais interessante ainda para a prática da história nos dias de hoje quando damos cada vez mais valor às características narrativas de um historiador. Heloísa, no final de sua introdução, escrita em 1978, diz que seu texto é mais próximo de um relato narrativo, “a opção pela 'distensão' da forma de relato, mais própria ao narrador do que ao analista” (pg.15). Quer dizer, existe mais uma narrativa do período, proporcionada pela pesquisa de levantamento de campo, bem como pela proximidade com os objetos de pesquisa, do que uma análise estritamente histórica conforme as exigências que a prática historiográfica dita. A respeito disso, o texto de Zuenir Ventura, presente nas orelhas do livro desde a segunda edição, nos informa que Heloísa “vale principalmente pela audácia do método, que faz a autora misturar-se com o objeto que analisa, a ponto de abrir o primeiro capítulo com um indecoroso 'Eu me lembro...' e terminar o último com um devaneio: 'Fico pensando'...”. A autora, quando coloca-se enquanto narradora, em primeira pessoa, presente e atuante na pesquisa, assume um posicionamento ainda problemático e muito questionável para um historiador de nos dias hoje diante de sua pesquisa: o quanto devemos manter distância de nossos objetos de pesquisa? O quanto devemos ser objetivos e procurarmos nos ausentar enquanto o autor do texto durante nossa escrita? Heloísa sabia dessas questões, mas não se deixou inibir durante a elaboração de Impressões de Viagem.
Francisco Alvim, que faz o prefácio na primeira edição, já nos dizia que Heloísa fala “com a inteligência das coisas bem vividas, do tempo em que viveu e vive. E, nem por isso, sua percepção é limitadoramente realista” (pg.10), reforçando a ideia de que a narrativa da Heloísa representa bem o momento que vivia, pois, para Francisco, o propósito da autora é “recuperar a narração testemunha, voz que quase não se ouve mais nos dias de hoje (por obra do medo e dos tiranos)” (pg. 11). Podemos passar a entender, então, a obra de Heloísa como uma narrativa testemunhal dos fatos que, mesmo com a liberdade estilística do “eu” no texto, não diminui sua prática e nem sua significação na representação histórica do momento retratado, pois sua postura é sempre embasada em referências, citações e rastros da história, procurando dialogar com os discursos do momento, seja os dos poetas analisados, seja os de teóricos como Theodor Adorno ou Walter Benjamim. Mas passemos ao que trata, de fato, o livro.
O título completo é Impressões de Viagem: CPC, Vanguarda e desbunde. 1960/1970. As impressões no título nos remete à característica do relato testemunhal de Heloísa que já abordamos aqui. O recorte temporal do livro também está ali, claro. A pista que nos resta perceber ainda no título são os outros três elementos presentes: CPC, vanguarda e desbunde que representam, de fato os três momentos da história cultural analisados pela autora e que também dividem o livro em três capítulos principais, respectivamente: A participação engajada no calor dos anos 60; O susto tropicalista na virada da década; O espanto com a biotônica vitalidade dos 70. Vele lembrar que boa parte do volume que compõe o livro, em verdade a metade dele, são anexos importantes para compreendermos os objetos analisados pela autora, como por exemplo O anteprojeto do manifesto do Centro Popular de Cultura, escrito em março de 1962. Manifesto esse com as diretrizes culturais que os agentes revolucionários do CPC deveriam absorver no processo de criação de sua arte engajada militarmente.
“Em nosso país e em nossa época, fora da arte política não há arte popular” (pg.21) cita Heloísa uma frase do manifesto do CPC. Naqueles anos pré-golpe de 64, a força esquerdista era muito presente, a esquerda cada vez mais próxima de chegar ao poder e os protagonistas do CPC afirmavam que faziam uma arte popular revolucionária para lutar contra um inimigo muito claro. Influenciados por ideais marxistas, os cepecistas defendiam que só poderia haver três tipos de artistas: os conformados (alienados), os inconformados (mas não engajados) ou os representantes do exército do front cultural. Para representar esse momento, a autora cita poemas de pessoas como Oscar Niemeyer, que critica a posição dos arquitetos que apenas projetam mansões para os ricos e conclama os representantes de sua classe para trabalhar para o povo, “ponha a prancheta de lado e venha colaborar. O pobre cansou da fome que o dólar vem aumentar. E vai sair pra luta que Cuba soube ensinar” (NIEMEYER apud HOLLANDA. pg. 29).
Arnaldo Jabor também é lembrado por Heloísa, em um texto onde ele faz uma reavaliação do que era o movimento cepecista no qual participou: “A gente pensava que a fome era um caso de falta de informação: se o povo fosse bem informado, aconteceria a revolução” (JABOR apud HOLLANDA. pg. 30). Os cepecistas acreditavam nesse poder transformador, numa arte coletiva, do povo e para o povo. Mais tarde, Jabor diria que o que ficou registrado em sua memória desse movimento todo, da importância que teve “foi esta inédita, incrível, infantil, generosa, gentilmente ridícula crença nos poderes transformadores da arte. Nunca se acreditou tanto na arte como força política, no mundo! (…) Nessa doideira paternalista, nesta tentativa de enfiar Engels por dentro da goela do Pavão Misterioso, se redescobriu (ainda muito bobamente) nossa paisagem social” (pg. 33). Heloísa parece concordar com Jabor com relação a essas críticas, em certos momentos ela deixa transparecer que a poesia cepecista é inferior e um retrocesso à qualidade literária atingida pela geração pós-45 (pag.30). A autora afirma que não é o discurso da obra que importa, mas a função e a técnica literária que dá “acesso à análise dos produtos literários em seus contextos e é através dele que se poderá dizer a função política dessa produção” (pg.32). Diz ainda que a tentativa dos CPCs de criar uma arte clara, de fácil comunicação com o povo, é inútil, pois a “doutrina que se defende exige a linguagem do intelectual” que “travestida em povo trai-se pelos signos do exagero e pela regressão estilizada a formas de expressão provinciais ou arcaicas” (ADORNO apud HOLLANDA, pg. 23 – 24). Ou seja, o discurso do manifesto do CPC seria falho, pois defende a mentira de que o discurso ali implementado pela arte seria do povo, quando na verdade trata-se de um discurso de uma elite intelectual.
A autora ainda afirma que os cepecistas produziram “uma poesia metaforicamente pobre, codificada e esquemática” (pg. 30). Entretanto, mesmo com essas críticas, Heloísa vai tratar da arte de vanguarda, produzida desde a década de 50 com os concretistas, que buscavam a simplicidade do texto e a valorização da forma e do som no poema, e vai traçar um importante paralelo com o movimento dos CPCs. Tanto a poesia concretista, quanto as publicações dos Violões de Rua (revistas vinculada à militância cepecista em 1962), e em seguida o poema-processo (a partir de 1967), seriam todas linguagens de vanguarda. Segunda ela, hoje lhe “parece que talvez tenha sido exatamente do casamento entre CPC e as vanguardas, que sugere uma aparente incompatibilidade de gênios, que a produção cultural brasileira pôde aprofundar suas questões mais graves” (pg. 42), porque a maioria dos vanguardistas, apesar de não serem militantes engajados no front da batalha cultural do período militar, também tinham um posicionamento revolucionário, muitas vezes ligados aos movimentos de esquerda e que mantinham um discurso de militante e, inclusive, sofriam repressão policial.
Para Heloísa, esses movimentos de vanguarda buscavam uma certa sincronização com os elementos fundantes da modernidade, desde a Semana de Arte de 1922, e a maioria de seus representantes possuíam uma certa tendência esquerdizante. Entretanto, somente no final da década de 60, com o surgimento dos tropicalistas, um grupo de pessoas desconfiados “dos mitos nacionalistas e do discurso militante do populismo, percebendo os impasses do processo cultural brasileiro e recebendo informações dos movimentos culturais e políticos da juventude que explodiam nos EUA e na Europa – os hippies, o cinema de Godard, os Beatles” (pg. 61), foi que essas características da semana de '22 se concretizaram numa ideologia de irreverência e de busca de uma identidade popular, legitimamente moderna e brasileira, mas que recusava o discurso populista, desconfiava dos projetos de tomada de poder e valorizava a ocupação dos canais massa. Na Tropicália não há proposta, nem promessa, mas inclusive uma crítica à intelligentzia de esquerda (pg. 63). Por conta dessa características coloridas, desmilitarizada, os tropicalistas foram inicialmente negados por todos os lados. “Quando estourou o tropicalismo os estudantes de esquerda reagiram contra a gente e o poder também. Eu rebolava e os pais de família chiavam” (VELOSO apud HOLLANDA, pg. 63), afirmou Caetano Veloso. Eram homens de cabelos longos, roupas coloridas e atitudes inesperadas que passam a ter uma dimensão de recusa aos padrões de bom comportamento da época (pg.63).
O livro de Heloísa estende-se até o movimento do desbunde, caracterizado pela entrada do pensamento de contracultura no Brasil, com a divulgação da literatura beat, do rock, do pensamento underground, através de fanzines e mimeógrafos, e até mesmo do desenvolvimento da psicanálise. Para esse momento, praticamente contemporâneo à tropicália, “não existe a possibilidade de uma revolução ou transformação sociais sem que haja uma revolução ou transformação individuais” (pg. 74). Começa a se desenvolver a linha do pensamento das particularidades pensadas a partir das necessidades do indivíduo e de suas representações em grupos de minorias: os homossexuais, os negros... Para esse pessoal, até mesmo ser marxista seria algo “careta”.
Um dos nomes mais importantes desse movimento que é colocado por Heloísa foi o de Torquato Neto. No período de sua morte, com a publicação de Últimos dias de Paupéria, seus escritos teriam se tornado uma espécie de bíblia pra toda uma geração de seguidores (pg 78).
Impressões de Viagem consolida-se então como um grande relato, mas também como uma muito eficiente análise de seu momento, sempre indispensável para quem estudo as questões político-culturais dos ano 60 e 70.
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
Por uma nova velha Praça Pedro II: a que custo?
Por Bernardo Aurélio
Teresina/2008
Resumo:
A praça Pedro II já passou por muitas intervenções que sempre
alteraram sua estrutura física. Desde sua criação as mais
significativas foram as da década de 50, de 70 e de 90. A primeira
contribuiu para reforçar a imagem que ela já possuía, onde foram
plantadas árvores e colocados bancos. A segunda mudou completamente
seu visual, destruindo sua concepção original. A terceira buscou
corrigir a intervenção anterior, procurando reconstruir a antiga
praça Pedro II. As duas últimas grandes intervenções, que
buscavam sempre uma melhoria à cidade, acabaram apagando décadas de
memórias individuais e coletivas. Ao longo desses anos, quem mais
perdeu foi a memória da própria cidade, que busca,
desesperadamente, encontrar sua identidade desconstruída nos
patrimônios arquitetônicos da cidade.
Palavras
chave: lugares de memória, história, patrimônio, identidade e
poder.
Lembro-me muito pouco de como era a Praça Pedro II antes da última
reforma. Na verdade, sequer recordo ao certo quando foi que fizeram
isso. Sei que foi no mandato do Governador Mão Santa, no final da
década de 90. Mas tudo sobre o que pretendo discorrer aqui trata
exatamente de memória. Do que me lembro? Lembro que quando cheguei a
Teresina para terminar os estudos, vindo de Piripiri, uma coisa me
fascinou na Pedro II. E não foi o Cine Rex em sua decadência
majestosa nem o imponente prédio do Theatro 4 de Setembro, muito
menos o Centro de Artesanato do outro lado. O que me fascinou na
Pedro II era o sebo do Dentinho: uma mesa velha e suja, enferrujada,
que ficava próximo ali, entre o Rex e a drogaria num canto da praça.
Era uma mesa enorme que me levava várias vezes ao centro para
comprar e trocar revistas em quadrinhos antigas.
Lembro-me das sombras carinhosas das árvores que suavizava os
vários minutos na fila esperando para comprar vale transporte
estudantil que ficava à venda num cubículo de ferro azul. Ou era
amarelo? Lembro-me que ficavam dois vendedores ali, aliviando o calor
com um pequeno ventilador amarrado num canto. Lembro-me de um
chafariz de concreto azul que parecia nunca funcionar e vagamente me
vem à memória incerta um pequeno corredor de água com pequenos e
tristes peixes que se escondiam no lodo das paredes. Havia um
chafariz e peixes? Não é nada fantástico, mas é minha memória,
ou o que restou dela...
A Pedro II daqueles dias me parecia agradável e apenas descuidada. Mas a solução para aquele descuido era, na cabeça de alguns (ou da maioria), a mais drástica de todas: reconstrução!
Aquela praça moribunda deveria agora respeitar mais o ambiente onde ela estava, procurar um equilíbrio harmônico com a arquitetura a seu redor. A praça deveria voltar a ser como era a uns cinqüenta anos atrás, uma época que a maioria das pessoas que moram hoje em Teresina se lembram pouco ou nunca viveram. A questão aqui trata de tentar dar valores para as memórias. O que é mais importante para Teresina: preservar ou reconstruir a memória? A troco de quê? Para quem?
A praça tem uma história. As pessoas que viveram ou vivem ao redor
dela narram os fatos da maneira que lhes vem à memória. Esse narrar
sobre algo que aparentemente é tão impessoal, como uma construção
pública, fornece à praça o que chamamos de lugar de memória.
Este sentimento está repleto de sensações que nos sensibilizam à
possibilidade de acreditar, com mais verdade, que uma obra como
aquela pode ser entendida como patrimônio íntimo de algo ou de
alguém, acima dos interesses das autoridades e dos governos que se
sucedem.
São lugares, com efeito, nos
três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional,
simultaneamente, somente em graus diversos. Mesmo um lugar de
aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é
lugar de memória se a imaginação o investe de uma áurea
simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional, como um manual de
aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes, só
entra na categoria se for objeto de um ritual. Mesmo um minuto de
silêncio, que parece o exemplo extremo de uma significação
simbólica, é ao mesmo tempo o recorte material de uma unidade
temporal e serve, periodicamente, para uma chamada concentrada de
lembrança (NORA. 1981).
Pierre Nora nos informa deste mundo onde podemos nos reconhecer
através do tempo e do espaço. Pode ser que comprar vales estudantis
ou revistas em quadrinhos em um sebo não sejam grandes fatos
históricos ou patrimônios que devam ser preservados, mas estavam
revestidos de um ritual cotidiano que, muito provavelmente, outras
pessoas além de mim experimentavam. Dessa forma esse lugar de
memória torna-se um lugar comum também, torna-se uma memória
coletiva.
Permita-me utilizar, a partir de agora, uma longa citação na íntegra, cedida pelo arquivo da Fundação Cultural do Estado – FUNDAC, que me possibilitará ir além da memória. Um pequeno histórico da Pedro II, elaborado junto à exposição fotográfica por ocasião da reinauguração da praça:
A atual a atual Praça Pedro II,
que nasceu como Praça João Pessoa e foi rebatizada, sucessivamente,
com os nomes de Independência e Aquidabã, desde cedo demonstrou sua
vocação para centro artístico e cultural, quando se instalou o
teatro Concórdia nas meias águas do prédio do Quartel de Polícia,
em 1879. Essa tendência é confirmada pela construção do Theatro 4
de Setembro, em 1894; do Clube dos Diários, em 1927; e do Cine Rex,
em 1939. Todas essas obras estão localizadas no perímetro da praça
ou na sua vizinhança imediata.
Em 1936, um pouco antes do
início da construção do Cine Rex, quando dominava entre as
construções da época o estilo Art Decó, foi transformada por lei
em Praça Pedro II, ao tempo em que sofre uma reforma para a
implantação de um projeto paisagístico, cujas intervenções
arquitetônicas e o mobiliário são representantes desse estilo,
passando a se constituir na área principal de lazer da cidade. Entre
os serviços previstos pelo projeto destacam-se como identificadores
da obra realizada: a construção de um coreto, da escadaria de
acesso à parte alta, do revestimento dos pisos, do calçamento da
rua diagonal, da balaustrada de proteção entre os dois níveis da
praça, da fonte luminosa; a instalação de sistema de iluminação
com distribuição de postes por toda a área e de cinqüenta e seis
bancos de concreto; a transferência e instalação da estátua do
imperador, antes colocada na Praça João Luiz Ferreira; o plantio de
41 fícus.
Nova reforma sofrida no final da
década de 50 introduz algumas novidades. A mais marcante, sem
dúvida, e bastante documentada, consiste no pitoresco lago cortado
por uma imitação de tronco caído, construído em concreto, que se
transforma no cenário preferido dos fotógrafos para a confecção
de retratos dos teresinenses. É provável que seja também dessa
época uma representação do globo terrestre, construída em
estrutura de metal, bastante referenciada por pessoas que vivenciaram
os passeios na praça durante os anos 50 e 60. No entanto, essas
intervenções preservam as principais características da praça até
a década de 70, quando a última grande intervenção, de caráter
renovador, descaracteriza totalmente a proposta paisagística
anterior, inaugurada quatro décadas atrás, bem como os acréscimos
introduzidos com o decorrer do tempo (FIGUEIREDO. 1999).
Quando conheci Teresina, a minha praça Pedro II era essa, fruto da
gestão dos anos 70, governo Alberto Silva. Não cabe a mim julgar a
harmonia arquitetônica (ou a falta dela) da praça Pedro II em seu
entorno, mas o fato é que, por quase trinta anos, a nova praça
Pedro II (esta que eu conheci) viveu no cotidiano das pessoas durante
as décadas de 70, 80 e 90. Cabe a pessoas como Diva Figueiredo, hoje
Arquiteta e Diretora da 1ª SubRegional do IPHAN, questionar a praça
quanto à sua “proposta paisagística anterior” descaracterizada.
Quanto a mim, um professor de história, tento lidar de forma
particular com a memória. Defendo a minha memória e a praça com a
qual me identificava ou conheci inicialmente.
Provavelmente, convergimos, Diva e eu, à ideia de preservação material e imaterial dos patrimônios urbanos de Teresina. Parece-me que a questão é que esta “grande intervenção” nos anos 70 nunca deveria ter acontecido, mas se ela aconteceu, bem ou mal, quase trinta anos depois de realizada, ela deveria estar assimilada pela população de Teresina, pelas crianças que cresceram indo assistir às sessões dos filmes como os dos Trapalhões no Cine Rex. Para muitas pessoas aquela nova Pedro II era toda a referência que tinham da praça, e para outros era o que restara, por que “no meio de um terreno devastado, após uma catástrofe, começamos a organizar um espaço de sobrevivência e a reinventar ali, do nada, uma nova identidade” (JORGE. 2000). Diva prossegue, na continuação daquele mesmo texto citado anteriormente:
Em
30 de novembro de 1998, a execução de um novo projeto resgata esse
seu antigo desenho e os elementos arquitetônicos mais significativos
da década de 30. Assim, cumpre-se mais uma etapa do projeto de
recuperação do Sítio Histórico da Praça Pedro II, iniciado um
pouco antes, em 21
de novembro de
1996, com a obra de restauração do Clube dos Diários e da sua
integração ao Theatro 4 de Setembro, reformado e inaugurado, por
sua vez, em 26 de
abril de 1999.
A realização desse conjunto de obras, realizada ora pelo Governo do Estado, ora pela Sociedade de Amigos do Theatro 4 de Setembro, com o apoio da Fundação Estadual de Cultura e do Desporto do Piauí – FUNDEC, é uma realidade. Ela se tornou possível graças ao financiamento direto do Ministério da Cultura, através de recursos do Tesouro, a recursos alocados pelo Governo do Estado, bem como ao patrocínio da Empresa Brasileira de Telecomunicações – EMBRATEL, através do programa de financiamento da cultura - MECENATO – também do MINC.
A Praça Pedro II, reconstituída, desempenha um papel especial no contexto urbano do centro de Teresina: o caráter exemplar na consecução do objetivo maior do projeto de revitalizar toda a sua vizinhança, destacando a vocação natural da área para o desenvolvimento de atividades ligadas às artes, ao lazer e ao turismo. Para inaugurá-la, a presente exposição fotográfica foi organizada a partir de fotos inicialmente coligidas como fonte de informação para a reconstituição do antigo desenho. A qualidade e a quantidade do material recolhido entre os cidadãos teresinenses e as instituições públicas locais sugeriu a organização da presente mostra.
Os organizadores agradecem a estas pessoas que, gentilmente, cederam suas fotos de família e às instituições que facilitaram a reprodução de seus acervos fotográficos, verdadeiros responsáveis pelo resgate desta pequena parte da história de Teresina e de valores simbólicos, nos quais grupos da população ainda se reconhecem (FIGUEIREDO. 1999).
Como pudemos ler no texto da Diva, com o objetivo de “revitalizar toda a sua vizinhança, destacando a vocação natural da área para o desenvolvimento de atividades ligadas às artes, ao lazer e ao turismo”, no final dos anos 90 surge a proposta de reconstruir a Pedro II baseada no modelo que ela havia sido. Para isso, retoma-se o projeto original, buscam-se referências fotográficas e destroem completamente o que era a nova Pedro II, substituindo agora por uma nova “velha” praça. Do ponto de vista artístico, confesso que me agrada a harmonia da coisa. Do ponto de vista histórico, trabalhando com memória, não me foge o julgamento de que corremos ao mesmo erro, de novo.
A nova “velha” praça Pedro II, transporta o teresinense, principalmente a estes que não a conheceram na década de 1960, a um passado e até a um clima romântico que o estilo neo-clássico, ou neo-gótico, Art Decó, que existe naquele entorno, evoca. É o poder do patrimônio.
O patrimônio assim transformado
em monumento passou a ser considerado um mediador entre passado e
presente, uma âncora capaz de dar uma sensação de continuidade em
relação a um passado nacional, de ser um referencial capaz de
permitir a identificação com uma nação (BARRETTO. 2000).
Infelizmente, para pessoas como eu, neste caso da Praça Pedro II ou
noutros semelhantes (que desconheço), esta ancora está suspensa no
nada. A continuidade temporal foi varrida quando o espaço foi tão
gravemente afetado que é difícil enxergar reminiscências. Mas
reminiscências existem, porque o registro é cruel oferecendo
subsídios para questionar ideologias que tentaram justificar uma
operação tão delicada na aparência da cidade: a atual Praça
Pedro II não passa de um falso velho, de uma tentativa de resgate,
de conserto histórico, quando, sabe-se muito bem, que o passado pode
ser consultado, mas nunca, efetivamente, revivido ou reparado. Por
mais perfeita que esta reconstrução pudesse ter sido, ainda
trata-se de um totem idealizado que macula a memória de Teresina. É
muito simples: reconstruir não é restaurar. É possível
reconstruir uma memória? Do ponto de vista prático, afirmo que não.
Mas do ponto de vista ético (ou da falta dela), digo que é possível
sugerir uma falsa memória. Hoje, se construirmos prédios com
características antigas eles nos remeteriam a tempos antigos
imaginários. Destruir uma praça para depois reconstruir uma outra
praça como ela deveria ter sido antes daquela que nós destruímos,
nos oferece uma falsa memória que a preservação do patrimônio e a
própria História não deveriam permitir.
Não é necessário um olhar profissional para perceber que falta hoje na Pedro II o lago (Imagem 01) que a Diva citou que havia na praça e que era requisitado pelos fotógrafos como o preferido cenário da capital. Ou a falta de um “globo terrestre, construída em estrutura de metal, bastante referenciada (...) durante os anos 50 e 60”. Mas tudo bem, até aí, um pouco mais de intenções políticas com uma pitada bem nutrida de verbas poderão nos trazer de volta esta memória perdida.
Imagem 01. Lago da Praça Pedro II, com a imagem frontal
da fachada do Prédio que hoje é a Central de Artesanato. Fotografia
feita provavelmente da vista do Theatro 4 de Setembro. Acervo público
da Fundação Cultural do Piauí - FUNDAC
Observando esta imagem, percebe-se ainda outro ponto que falta à
reconstrução. Trata-se da decoração na calçada em forma de
“cruz”. Já que estamos falando destes detalhes, acredito que
cabe à discussão abordar outros pontos que observei. Atentem para
estas duas imagens (02 e 03):
Imagens 03
(Arquivo pessoal)
Da primeira imagem deduz-se (já que a foto não estava datada no arquivo digital encontrado) tratar da década de cinqüenta pelas vestes das meninas. A segunda imagem foi retirada por mim, em setembro de 2008, por ocasião deste artigo. É nítida a diferença de cuidado ao redor da estátua do Imperador Pedro II. Antes da intervenção da década de 70 a praça tinha um jardim diferente onde é possível até se ler “Pedro II” recortado no gramado. A própria base do busto é trabalhada e, aparentemente, mais bonita.
Imagem
04: Vista da Praça Pedro II, provavelmente retirada da fachada da
Central de Artesanato. Acervo da FUNDAC.
A imagem quatro fornece-nos informações muito úteis. Primeiro o próprio paisagismo da Praça, que é completamente diferente da atual, com praças mais e altas e folhosas Perceba que há canteiros triangulares e circulares ao redor dos postes de iluminação. A praça parecia mais verde de gramados e também pequenos arbustos. Diva Figueiredo informa-nos que em 1936 a praça recebe cinqüenta e seis bancos de concreto. Hoje contei apenas 30 e um deles estava depredado (imagem 05).
Imagem 05: Bancos depredados da
Praça Pedro II. Acervo pessoal.
Ainda citando a imagem 04, compare-a com estas fotos (imagem 06 e
07):
Imagem
07: Detalhe do coreto da praça Pedro II. Depredação de um dos
postes de iluminação. Destruição da memória. Acervo pessoal.
Além do óbvio descuido, que não é a principal questão do
presente artigo, o coreto da praça Pedro II não possui os três
degraus de acesso que deveria ter, quando se propõe reconstruir sua
memória. Importante lembrar que o descuido e a depredação da praça
também destroem a materialidade da memória contemporânea que
necessita de preservação constante.
Perceba que no canto direto da imagem 04 há um homem vestido de branco caminhando próximo a uma fileira de pequenas pedras. Trata-se de um segundo lago. O primeiro era aquele que vimos na imagem 01, em frente ao Theatro 4 de Setembro, que na imagem 04 é possível ser visto sua fachada no canto esquerdo da imagem 04. É possível observarmos o lago que Diva cita, aquele com um tronco que servia de cenário preferido para os fotógrafos de Teresina, na próxima foto (imagem 08).
Imagem 08: outro lago na praça Pedro II. Ao fundo, coreto e imagem lateral da fachada da Central de Artesanato.
A memória não pertence às grandes obras. Como já citamos, a
memória é seletiva, peneirada pelas próprias particularidades de
cada vivência. Entretanto, forças políticas e/ou outras ideologias
interferem diretamente nas memórias individuais ou coletivas.
Uma das advertências da
convenção de 1972 foi estar o patrimônio cultural cada vez mais
ameaçado de destruição, tanto pela deterioração normal,
decorrente de fatores naturais, como por mudanças nas condições
econômicas e sociais, que agravam a situação (...) Entre outros
fatores estão a (...) falta de reparações ou reparações
malfeitas, e o vandalismo.
Para proteger o patrimônio
dessas ameaças, são necessárias políticas de preservação. Essas
políticas não são neutras, espalham a ideologia de quem fazem as
leis. Determinar o que é digno de preservação é uma decisão
político-ideológica que reflete valores e opiniões sobre quais são
os símbolos que devem permanecer (...) Se há um patrimônio
reconhecido pelos vencedores há, ou houve, um patrimônio dos
vencidos. Quem zela por eles? (BARRETTO. 2000).
Barretto é cruel na pergunta: quem zela pelo patrimônio dos
vencidos? E, por ocasião da Praça Pedro II, os nomes que já a
batizaram são patrimônios que definem ideologias vencidas e que
mereceriam até serem mais profundamente estudados como um exemplo da
perda da memória e de como, de tempos em tempos, alguém precisa
reescrevê-la.
A princípio a praça era João Pessoa, depois Independência, seguida de Aquidabã e, por fim, Pedro II, rebatizada por lei em 1936 e que ninguém, desde então, teve intenção de mudar novamente. Nomes podem ser trocados facilmente, entretanto, para estruturas físicas, pesadas e caras, é bastante diferente. O fato é que existiram e existem grupos de pessoas com interesses e que determinaram o que era digno de preservação ou o que não deveria permanecer.
No lugar do caráter espontâneo
e natural, ressaltam-se os empreendimentos deliberados de
reconstrução empreendidos pela memória que responde por via de
regra a demandas e interesses políticos precisos (...) O que é aqui
colocado em primeiríssimo plano é, portanto, a relação entre
memória e (contra) poder, memória e política.
A memória é ativada visando,
de alguma forma, ao controle do passado (e, portanto, do presente).
Retomar o passado em função do presente via gestão das memórias
significa, antes de mais nada, controlar a materialidade em que a
memória expressa (das relíquias aos monumentos, aos arquivos,
símbolos, rituais, datas, comemorações...). Noção de que a
memória torna poderoso(s) aquele(s) que gere(m) e controla(m)
(SEIXAS).
Tudo o que aconteceu pode ser justificado de outras maneiras. Na
intervenção dos anos 70, uma busca por modernidade e nacionalidade
que se espalhou por todo o Brasil: ame-o ou deixe-o. É fácil de
entender, já que a arquitetura de Teresina e o próprio paisagismo
da década de 50, com pequenas árvores muito bem podadas em formas
circulares, que mal nos ofereciam sombras, eram, nitidamente,
projetadas para um lugar que não deveria ser aqui. Parecíamos
sofrer ainda as influencias francesas tão típicas do período
imperial brasileiro. Agora, depois dessa praça “moderna”, da
política ditatorial brasileira, os anos 90 nos proporcionam um olhar
nostálgico para o passado, como se Teresina tivesse perdido algo
essencial na sua existência. Seria preciso corrigir. São os anos da
redemocratização que crucificam os feitos do Brasil “maravilha”
setentista.
Patrimônio... palavra que nos
deixa uma sensação de desconforto ─ é um tema sobre o qual já
se disse tudo e, todavia, ainda parece que está tudo para dizer.
Talvez porque associemos à palavra algo que se esvai, que se esgota,
que se desvanece... e que queremos desesperadamente recuperar na sua
totalidade. Uma totalidade mítica, que é rigorosamente utópica,
porque o que queremos salvar como patrimônio nunca existiu (...)
(...)
Há uma sensação
desconfortável de estarmos falando de patrimônio, a fornecer ao
público uma “canção de embalar”, para o distrair do ruído dos
camartelos dos empreiteiros que, celeremente, se vão encarregando de
destruir tudo de quanto estamos a falar... Enfim, de sermos cúmplices
de uma monstruosa farsa (JORGE. 2000).
Vitor nos adverte de forma assustadora esta procura do algo perdido
que tentamos recuperar exatamente porque buscamos algo utópico, algo
que passou e que se transforma constantemente e que é idealizado de
forma que deveremos crer que, realmente, ele nunca existiu. Enquanto
buscávamos a beleza da harmonia, substituindo uma paisagem que não
nos agradava a todos, o que, para mim, não passa de pura percepção
artística, éramos cúmplices da “monstruosa farsa” que destruía
uma memória de quase trinta anos.
Patrimônio sempre teve a ver com identidade, com valores não materiais, simbólicos e com a memória dos indivíduos e dos grupos. Sem memória não há pessoa, não há projeto, não há sentido de comunidade ─ só máquinas delirantes e egoístas, monstros em que tememos transformar-nos (JORGE. 2000).
Não me entristece a percepção de um futuro onde vontades de
grupos mais fortes e bem representados possam estar constantemente
reescrevendo a história, por que é um mal que o subjetivismo deste
ofício não pode fugir. Entretanto, amarga-me a idéia de que a
memória, em nome de um projeto maior, seja ele qual for, possa ser
varrida, escondida e constantemente reconstruída. A memória não
poder ser vítima das vontades alheias porque acabaremos incorrendo
no perigo de nos tornarmos monstros sem identidades, ou de
identidades mais multifacetadas que o normal, sem referencias
materiais onde possamos nos agarrar. Preocupa-me a idéia da praça
Pedro II, descuidada como está, sofrer nova grande intervenção e,
pior, se alguém convencer à maioria de como era bonita a praça nos
anos 70: aquilo é que era praça e que deveria continuar sendo...
Preocupa-me a preservação da memória.
REFERÊNCIAS
NORA,
Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares.
Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do
Departamento de História. São Paulo, N.10, 1981.
JORGE,
Vìtor de Oliveira. Patrimônio (s). In: Arqueologia, Patrimônio e
Cultura. São Paulo: Instituto Piaget. 2000.
FIGUEIREDO,
Diva. Praça Pedro II, dos anos 30 à década de 90. Teresina:
FUNDAC. 1999
SEIXAS.
Jacy Alves de. Percursos de memórias em terras de história:
problemáticas atuais. In: BRESCIANI, Stella.
NAXARA, Márcia (Orgs.). Memória e (res)sentimento:
indagações sobre uma questão sensível. São Paulo: Editora
UNICAMP.
BARRETO,
Margarita. Patrimônio: definição problemática. In: Turismo e
legado cultural. São Paulo: Papirus, 2000.
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
Reabertura da Quinta Capa Livraria
Agora é oficial! Sua livraria preferida reabrirá neste domingo, dia 16 de setembro. A partir das 16h. Apareçam!
Aqui está o mapa pra vocês nos encontrarem!
Aqui tem um vídeo explicando melhor:
Na porta da casa terá a seguinte imagem no portão. É só tocar a campainha!
domingo, 9 de setembro de 2012
De Tarzan a Homer Simpson
NOLASCO, Sócrates.
De Tarzan a Homer Simpson: Banalização e violência
masculina em sociedades contemporâneas ocidentais. Rio de Janeiro:
Rocco, 2001.
Bernardo Aurélio de Andrade Oliveira1
Socrates Nolasco, autor
Para mediar essa discussão em seus estudos, o autor quis, antes de tudo, entender o quê significa ser homem, quais são os modelos e fatores que determinam ou definem uma pessoa como homem ou mulher. Nolasco entende que esse problema leva a uma vertigem de pensamento onde se questiona as questões da construção da nossa identidade, onde se pensa no “quem eu sou”. Para esse tipo de determinismo, o autor entende que é importante observar a definição do outro sobre si mesmo para poder fazer comparações, por isso lança mão de citações de textos de literatura feminista, como os de Simone de Beauvoir.
Simone de Beauvoir
Quando a mulher
constrói sua oportunidade, chega e diz o que é ser mulher pela
primeira vez nesse mundo moderno das feministas, o homem tem um novo
paradigma para si avaliar, Simone diz que “somente a mediação de
outrem pode constituir um sujeito como um outro”. E é com base no
pensamento dela que Nolasco afirma que não são fatores biológicos,
psíquicos ou econômicos que definem o que é ser homem ou mulher,
mas sim as questões socioculturais. Não é a genitália que define
o gênero, mas o comportamento, desnaturalizando nesse sentido essas
concepções e colocando a questão da identidade sexual como uma
construção do ser humano.
Para o autor “o percurso de socialização pelo qual passam os homens cria padrões de organização subjetiva que se relacionam com os papéis sociais. Assim, cada sujeito está autorizado a pensar, falar, sentir e expressar um conjunto de emoções que o identifique socialmente como homem. Há uma linguagem mais ou menos universalizante que dá ideia de consenso sobre o que é ser homem” (2001. p. 145). A ideia de masculinidade está ligada a um suporte de coletivização, onde para cada época é construído um determinado tipo de homem. Esses padrões foram elaborados no mundo antigo através dos heróis míticos como Hércules e Ulisses, que são referências positivas de homem para sua época, são heróis e modelos clássicos necessários dentro de um contexto de mundo que se convencional chamar de tradicional. Esse modelo tradicional estendeu-se até a idade média, mesmo com as inovações do modelo cristão católico. Entretanto, o mundo moderno trouxe novos problemas que teriam se iniciado com a formulação de pensamentos como o de Descartes: “Penso, logo existo”. Partindo deste pensamento, Descartes inaugura uma forma de pensar que arranca o homem do mundo medieval quando ele expõe o “eu”, de certa forma inaugurando a ideia de indivíduo dentro do cosmo coletivizante daquele mundo tradicional. Descartes também coloca em evidência a contradição do corpo e da alma existindo numa única forma humana, diferente do que era antes concebido, porque substância/espírito e matéria no modelo grego ou cristão existem numa inter-relação desses dois parâmetros. Esse individualismo, que era uno em corpo e matéria, se opunha a essa forma tradicional de ver o mundo.
Nesse mundo de contradição onde se permitia olhar para dentro e colocar o “eu” em evidência foram surgindo novos conceitos de heróis, mitos e modelos para a masculinidade, como o Dom Quixote, um herói falho que foge aos modelos pré-estabelecidos.
Foi com a modernidade, com a revolução industrial, com o desenvolvimento da burguesia e do pensamento iluminista e com as reformas sociais exigidas pelo pensamento marxista que se pode fugir desses modelos coletivizantes, pois “a modernidade é essencialmente uma ordem pós-tradicional, (…) da vida social fora do alcance de preceitos e práticas preestabelecidas” (2001. p. 129). Nesse mundo moderno, a ideia da identidade pode ser construída e legitimada pelo “eu penso” e pela autonomia do homem tão semelhante a Deus que também pode criar e ser iluminado. Mas nesse mundo de indivíduos independentes, livres pra pensar e agir, onde a sociedade é regulada pelo mercado, vai-se cada vez mais perdendo a relevância das histórias de vida particulares.
O que acontece a partir do início do século XX, exemplificado por Nolasco em Tarzan, que é um modelo mítico do homem dessa época, é que cada vez mais esse homem se afasta de sua vivência particular enquanto sujeito próprio de si e compra esses modelos heroicos, deixando de si imaginar e de si colocar sobre a sua própria experiencia, deixando de criar seu próprio modo de se sentir homem. Ou seja, cada vez mais o homem vai perdendo a reflexão de sua história particular de vida e de sua vivência.
Esse modelo de homem que pensa o indivíduo e de vida que diminui cada vez mais seu sentido de conviver numa coletividade é um atenuante para a violência, porque cada vez mais o homem perde um modelo positivo do herói a seguir, o homem marca cada vez mais sua presença de maneira invertida, violenta em suas atitudes propriamente masculinas, causando cada vez mais crimes passionais e banais. A violência surge como uma opção para substituir a falta de vigor, força e moral do modelo que o Tarzan representava e cada vez mais vamos aceitando modelos falhos para se seguir.
Hoje, o homem
branco heterossexual é um modelo a não ser seguido. Os movimentos
de minorias são as novas mitologias cotidianas. Paulatinamente, a
busca pela valorização de nossas próprias identidades e de cada um
falar por si, vai transformando o modelo do Tarzan em Homer Simpson,
pois vamos percebendo que não somos perfeitos como aquele herói e
nos identificamos muito mais com o personagem falho. Não que o Homer
seja o novo modelo ideal a ser seguido, mas ele se tornou o exemplo
do homem errado que é aceito socialmente, enquanto as mulheres são
muito mais centradas e racionais. Basta comparar a Margie e a Lisa
com o Homer e o Bart da série animada pra perceber que o modelo
feminino nesses desenhos são o novo bom modelo a ser seguido,
inclusive pelos próprios homens. É a força da minoria feminina
retratada na cultura de massa e assimilada ao redor do mundo, onde
quer que seja exibido desenhos como esse.
Quando o homem perde esse modelo positivo, o que acontece no século XX é uma ausência de um pódio onde o herói mítico e bom seja colocado e esse novo homem independente, de certa forma, só consegue se colocar como herói no mundo a partir de uma inversão de valores tradicionais, buscando o aplauso na falha mesmo que surgindo através de uma moral duvidosa, como, por exemplo, o homem que mata a mulher em nome de sua honra. Uma mítica avessa do herói por falta de vínculos pessoais.
No terceiro capítulo do livro, intitulado “A cultura: modernidade e subjetividade”, Nolasco fala que a identidade é construída a partir de uma demanda social e, citando Hegel, afirma que “a ordem da cultura se coloca contra a ordem da natureza” (2001. p. 154), nesse contexto o homem moderno opõem-se à própria natureza e a construção da identidade não é mais relegada a fatores biológicos. Nolasco é feliz quando apresenta problemas que a falta desse modelo ou do simples determinismo biológico podem acarretar. Ele diz, citando Giddens, que a busca de uma nova identidade é “uma forma patética de narcisismo”, que o discurso moderno fomenta “a aspiração de se ultrapassar os limites impostos pela vida, abolem a divisão masculino/feminino e tendem a um ideal andrógino” (2001. p. 135), e deixa a entender que isso pode ser um problema ou mesmo uma forma de violência contra o “eu” mesmo, “que sofre por não aceitar suas qualidades acidentais, como sexo e raça, com o objetivo de recriar um eu mais perfeito”(2001. p. 135).
É interessante ver que Nolasco preocupa-se em colocar que repensar esses modelos tradicionais dão liberdade para a valorização das identidades autônomas e das minorias, mas mais curioso é encontrar em seu texto que a modernidade “quebra o enquadramento protetor da pequena comunidade e da tradição” (2001. p. 133) e que, cada vez mais, a sociedade coletiva sente dificuldade para formar sua próxima geração. Essa sociedade moderna gera crises de identidade que precisam ser resolvidos cada vez mais com a ajuda de especialistas, profissionais impessoais criados ou recriados pela demanda desse novo mundo, que são os psicólogos, pediatras e educadores. Fica a impressão de que o autor enxerga que a sociedade e sua forma de pensar não parece estar simplesmente evoluindo em estágios progressivos, mas se alterando e se adaptando sempre aos novos tempos, resolvendo problemas e criando outros. Os homens e mulheres estão mais livres e autônomos? As minorias são os novos modelos contemporâneos a serem valorizados? Sim! Mas em compensação existe uma certa crise de identidade masculina que acabou banalizando a violência por causa da desconstrução do modelo tradicional.
Quando o homem perde esse modelo positivo, o que acontece no século XX é uma ausência de um pódio onde o herói mítico e bom seja colocado e esse novo homem independente, de certa forma, só consegue se colocar como herói no mundo a partir de uma inversão de valores tradicionais, buscando o aplauso na falha mesmo que surgindo através de uma moral duvidosa, como, por exemplo, o homem que mata a mulher em nome de sua honra. Uma mítica avessa do herói por falta de vínculos pessoais.
No terceiro capítulo do livro, intitulado “A cultura: modernidade e subjetividade”, Nolasco fala que a identidade é construída a partir de uma demanda social e, citando Hegel, afirma que “a ordem da cultura se coloca contra a ordem da natureza” (2001. p. 154), nesse contexto o homem moderno opõem-se à própria natureza e a construção da identidade não é mais relegada a fatores biológicos. Nolasco é feliz quando apresenta problemas que a falta desse modelo ou do simples determinismo biológico podem acarretar. Ele diz, citando Giddens, que a busca de uma nova identidade é “uma forma patética de narcisismo”, que o discurso moderno fomenta “a aspiração de se ultrapassar os limites impostos pela vida, abolem a divisão masculino/feminino e tendem a um ideal andrógino” (2001. p. 135), e deixa a entender que isso pode ser um problema ou mesmo uma forma de violência contra o “eu” mesmo, “que sofre por não aceitar suas qualidades acidentais, como sexo e raça, com o objetivo de recriar um eu mais perfeito”(2001. p. 135).
É interessante ver que Nolasco preocupa-se em colocar que repensar esses modelos tradicionais dão liberdade para a valorização das identidades autônomas e das minorias, mas mais curioso é encontrar em seu texto que a modernidade “quebra o enquadramento protetor da pequena comunidade e da tradição” (2001. p. 133) e que, cada vez mais, a sociedade coletiva sente dificuldade para formar sua próxima geração. Essa sociedade moderna gera crises de identidade que precisam ser resolvidos cada vez mais com a ajuda de especialistas, profissionais impessoais criados ou recriados pela demanda desse novo mundo, que são os psicólogos, pediatras e educadores. Fica a impressão de que o autor enxerga que a sociedade e sua forma de pensar não parece estar simplesmente evoluindo em estágios progressivos, mas se alterando e se adaptando sempre aos novos tempos, resolvendo problemas e criando outros. Os homens e mulheres estão mais livres e autônomos? As minorias são os novos modelos contemporâneos a serem valorizados? Sim! Mas em compensação existe uma certa crise de identidade masculina que acabou banalizando a violência por causa da desconstrução do modelo tradicional.
1Aluno
do Curso de Pós-Graduação em História Cultural, da Faculdade
Piauiense - FAP. Resenha escrita para a disciplina Tópicos
Especiais I – História e Gênero, ministrada pela professora
Ângela Maria Macedo de Oliveira em setembro de 2012. Teresina-PI
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