domingo, 24 de janeiro de 2021

Entrevista: Bernardo Aurélio e os quadrinhos no Piauí


 Recentemente, recebi um pedido de Joseane Mota, uma aluna do curso de artes da UFPI, que está fazendo um trabalho de conclusão de curso sobre quadrinhos no Piauí. Ela me procurou e pediu uma entrevista.
Segue a entrevista abaixo:


1.    Como começou o seu interesse por histórias em quadrinhos? Você leu muitas histórias em quadrinhos na infância? Você colecionou ou coleciona histórias em quadrinhos ou HQs?
Quando criança, histórias em quadrinhos foi meu brinquedo favorito. Papai trabalhava num prédio do lado da única banca de revistas de Piripiri e sempre trazia quadrinhos diversos pra gente. Eu e meus 2 irmãos mais velhos tínhamos uma coleção dentro de uma caixa que sempre era revisitada por nós.

2. Quais artistas que o inspiraram a entrar nesse universo dos quadrinhos? Você já conhecia algum artista piauiense?
Minhas primeiras inspirações foram meus dois irmãos mais velhos. Eles desenhavam os personagens de seus quadrinhos preferidos e eu quis imitá-los.
Meu pai tinha certa ligação com arte. Ele já pintou um quadro ou outro e tínhamos em casa pinturas de outras pessoas. Lembro de visitar o Batista, um pintor da cidade vizinha, Pedro II, e conhecer seu atelier. Acho que tudo isso conta.

3. Como foi produzir sua própria história em quadrinhos? Quais as dificuldades que você encontrou durante a produção?
É um processo longo e demorado, que a gente faz nas horas vagas. Existe uma dificuldade criativa, já que nunca fui um contador de histórias. Não sou um escritor de ofício. Mas o Foices e Facões é uma pesquisa histórica e um serviço pago. Eu tinha um prazo para ler vários livros e escrever um roteiro inspirado em fatos reais. A obrigação ajudou. E as fontes históricas também. Já o Máscara de Ferro é, na maioria das vezes, um grande divertimento que faço quando estou leve e posso investir um tempo com ele.

4. Poderia contar sobre sua história em quadrinhos?
Não sei sobre qual HQ você quer saber, exatamente. Mas o Foices é sobre a batalha do Jenipapo e existe um blog que eu escrevi só sobre ela. Você pode conseguir muita informação lá (http://abatalhadojenipapo.blogspot.com.br/)
O Máscara de Ferro é uma paródia sobre super-heróis que se passa em Teresina. Ele é um mecânico que usa uma máscara de solda e não tem nenhum superpoder.

5. Como foi a divulgação da sua história em quadrinhos em Teresina?
Novamente, não sei sobre qual HQ você quer saber. Mas, normalmente é a mesma peregrinação em jornais impressos, rádios e TVs. Eu sempre me ofereço e vou onde sou chamado. Existem algumas matérias de divulgação de release, mas poucas críticas realmente elaboradas.

6. Quais prêmios você ganhou com a produção da sua história em quadrinhos?
O Foices e Facões concorreu ao HQ Mix na categoria roteirista estreante. Mas não ganhamos o prêmio. Recentemente, escrevi uma história em quadrinho intitulada Abramele para uma coletânea de terror chamada VHS. Essa revista VHS ganhou o HQ Mix de melhor coletânea independente de 2020. Posso dizer que ganhamos, coletivamente, este prêmio.

7. Poderia contar sobre seu estilo de trabalho? E o que motivou a contar suas próprias histórias?
Atualmente, o que eu mais produzo são as HQs do Máscara de Ferro, que são cartuns de humor. Mas a gente acaba variando um pouco para cada tipo de história que você quer contar. Tenho muitas influencias, desde Moebius a Mike Mignola. Então o estilo varia muito.
As melhores histórias são aquelas que você quer contar e que você precisa contar. Por vários motivos. Foices foi um trabalho sobre história e eu tenho formação em história. Eu queria contar algo que tivesse ares de épico, mas que na verdade era mais um gibi bonelliano. O Máscara tem suas histórias com inspirações pessoais e também puro divertimento.

8. Quais outros artistas de quadrinhos que você conheceu? Quais obras chamaram a sua atenção?
Passei mais 15 anos da minha vida organizando e participando de eventos de quadrinhos. Conheço dezenas de quadrinistas e muitos, muitos, chamam minha atenção.

9. Que conselho você daria para os novos artistas piauienses de quadrinhos? 
Não seria nenhum conselho original: Leia! Treine! Encontre suas inspirações. Encontre uma história que queira contar e mãos à obra. Quanto à publicar, você pode fazer isso gratuitamente na net e só se arrisque no impresso quando tiver respostas positivas de seu público. E não espere enriquecer da noite pro dia. Na verdade, você, provavelmente não irá enriquecer. Com sorte, você conseguirá cobrir seus custos e pagar um supermercado.

10. Como você analisa a história dos Quadrinhos em Teresina?
Até 2013, quando fazíamos a Feira HQ, eu tinha uma noção melhor do cenário. Conhecia mais quem estava produzindo. Hoje a coisa toda parece muito dispersa. Não existe um evento e não vejo autores se projetando, participando de eventos. Em 2018, eu e meu irmão, Caio Oliveira, fomos os únicos piauienses que participamos do beco dos artistas na CCXP. Claro que havia 1 ou 2 outros desenhistas piauienses por lá, mas não expondo de verdade. Conheço gente boa mesmo, que está no mercado de trabalho, mas que não vejo produzindo quadrinhos. Tem muita gente fazendo comissão e ilustrações. Acho que o quadrinho piauiense ainda não se expôs, realmente.

11. Como você vê o mercado atual de quadrinhos no Brasil? E como isso reflete no Estado do Piauí, em especial na cidade de Teresina?
O mercado da auto publicação é enorme. Naquela CCXP de 2018 falava-se de 600 lançamentos de autores independentes. É incrível. Pequenas e médias editoras conseguem absorver alguns destes nomes que se projetam, mas como falei anteriormente, aqui no Piauí não existe auto publicação. Quem publicou quadrinho piauiense nos últimos 15 anos no Piauí além do Núcleo de Quadrinhos do Piauí e da Quinta Capa? Que eu saiba, apenas o Amaral.

12. Quais pontos você destacaria para que o universo dos quadrinhos crescesse no Piauí? Qual sua expectativa em relação a produção de quadrinhos no Piauí?
Falta um pouco de auto publicação. Falta autores acreditarem em si, criarem uma boa história e arrumarem um cartão de crédito. Mas falta, também, a volta de um evento como a Feira HQ. Falta a criação de uma escola pública de artes plásticas e visuais.
Minha expectativa é que a volta de um evento ou a criação de uma escola pública que trate os quadrinhos como parte séria de sua grade de formação (assim como no curso de artes da UFPI), possa realmente acontecer nos próximos anos. E que autores consigam se sentir mais confortáveis para lançar sua obra para um público consumidor maior. 

13. Como é trabalhar com quadrinhos hoje, você diria que há muitas dificuldades ou isso melhorou com o tempo?
Ainda há muitas dificuldades e isso melhorou com o tempo. Produzir quadrinhos é contar histórias. Você pode fazer isso como se não fosse um trabalho. Você pode fazer isso como hobby ou como divertimento nas horas vagas. E você pode fazer isso como trabalho também. E trabalho é sempre trabalho. Tem uma frase que diz mais ou menos assim: “trabalhe com o que você ama e passe a odiar tudo que você gosta”. Então, quadrinho como trabalho é lidar com prazo, com clientes pedindo descontos, desvalorizando seu serviço ou sendo mal pagadores. Isso quando pagam, porque você pode pegar um calote. É também, durante muitas vezes, fazer algo que você não gostaria de fazer.
Eventualmente você pode pegar um trabalho que adora fazer. Isso é uma dádiva.

14. Quais artistas de quadrinhos você conheceu ao longo da sua trajetória no universo dos quadrinhos?
Isso é mais ou menos a mesma pergunta 8. São muitos. Mas se você quer saber quais mais chamaram minha atenção ou quais tive maior prazer de conhecer pessoalmente, eu poderia citar alguns: Eu consegui o autógrafo do John Romita Jr. Isso foi incrível! Eu conheci Mike Deotato Jr e Shiko em um evento na Paraíba. Dois caras incríveis. E conheci gente, meus vizinhos de mesa em eventos como CCXP e FIQ que são excepcionais. Veja bem! Nesses eventos há mais de 300 autores, os melhores do Brasil, em suas mesas a apenas um “oi” de distância. É incrível! Mas eu sou muito tímido pra puxar assuntos com esses caras, na maioria das vezes.

15. No seu ponto de vista, como você define a contribuição de outros artistas para a história dos quadrinhos no Piauí?
Existem nomes como Arnaldo Albuquerque, Amauri Pamplona, Amaral e Jota A que são pessoas que tem sua marca na história. Existem nomes que participaram da Feira HQ como Joniel Santos, Ednaldo Carvalho, Alyne Leonel etc, que já provaram seu talento muitas vezes mas que ainda tem muito a oferecer para a história do quadrinho local. Ainda há pouca produção. Existem nomes de pessoas como Will Walber Jr, que nunca participou de uma Feira HQ (a não ser com o lançamento de um fanzine em 1999, na primeira edição do evento) e nunca vou perdoá-lo por isso, mas que são artistas gigantes! E existem nomes como Leno Carvalho, Felipe Portugal e Ibraim Robertson, que não são piauienses de nascença, mas que vivem ou viveram aqui e que estão no mundo!
O que falta, em comum para toda essa gente? Publicar seus gibis!

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Barragem

Colheu mostra da água de onde costumava banhar-se na infância. Vestia um traje de proteção, pois a medida ainda era indicada.
Quando saiu da cidade para iniciar estudos em biologia, o local não era mais ponto de encontro para amenizar tardes quentes. Com o gradual crescimento do comércio, percebeu em suas visitas rotineiras, que a água se tornava turva, parada, fedorenta.
O resultado dos testes que fazia não procurava o vírus. Atestava, porém, o evidente. Talvez nem tudo voltasse ao normal, mas a barragem parecia renascida. 
Ninguém à vista. Despiu-se. A pandemia já passara. A roupa protocolar seria descartável em pouco tempo.
Nua, mergulhou para um banho de nostalgia, vigiada pelos olhos de curiosos escondidos por trás das frestas das portas e janelas das casas e comércios fechados ao redor.

(Bernardo Aurélio, quarentena, 2020)

Durante a quarentena, o banco Itaú lançou alguns editais de incentivo à cultura. Em um deles, era preciso escrever um conto de, no máximo, 800 caracteres. Este foi o que eu escrevi e com ele fui premiado. Muito obrigado!

sábado, 4 de julho de 2020

Números para a Cultura do Piauí


Números para a Cultura do Piauí:

Investimento público no setor (1986 a 2014)[1]

Bernardo Aurélio[2]

 

Para entendermos qual a real extensão do investimento público do governo do Estado do Piauí na área da cultura é fundamental nos debruçarmos sobre os números disponíveis nos documentos oficiais: os orçamentos e balanços publicados anualmente pelo Governo e prestado contas junto à Assembleia Legislativa.

Esses números podem nos oferecer uma compreensão mais clara no que se refere aos gastos dos governos, ao longo de 28 anos, em suas políticas públicas de investimento financeiro na área cultural. Esta pesquisa abrange os orçamentos e balanços do Estado do Piauí realizados, mais especificamente, entre os anos 1986 a 2014, buscando entender quanto da receita do Estado era direcionado às suas respectivas instituições culturais, responsáveis por organizar e promover a política deste setor, no Piauí.

Antes mesmo deste recorte temporal, é importante citar que a primeira Secretaria de Cultura do Piauí foi criada em 1973 e logo contou com o apoio de uma Fundação Cultural (FUNDAC, criada em 1975) para promover suas ações (TORRES, 2010, p. 59). Ao longo dos anos, a Secretaria de Cultura se tornou também de Desporto e Turismo (em 1983) ou foi extinta (1991), e durante certo tempo (de 1991 a 2002) a pasta da cultura ficou dentro da Secretaria de Governo até chegar à Secretaria de Educação e Cultura (a partir de 2003). A principal constante ao longo de quase 40 anos, tornando-se referência no que tange às ações públicas culturais do Estado, foi a permanência de uma Fundação Cultural do Piauí, que também passou por algumas modificações (em 1991 tornou-se FUNCULPI, em 1997 virou FUNDEC, e em 2003 voltou a ser FUNDAC).

Não é exagero dizer que a FUNDAC representou o planejamento e a ação cultural do Piauí por todo esse tempo, afinal, o decreto nº 2.033, de 16/05/1975, que a instaura, diz que cabe a ela “executar os programas e projetos culturais e zelar pela preservação do patrimônio histórico do Estado, bem como controlar a formulação da política cultural, cuidando do assessoramento ao Governador em assuntos inerentes a sua competência”. Mesmo a Secretaria de Cultura, criada dois anos antes da FUNDAC, logo contou com esta fundação para, efetivamente, controlar e formular sua política cultural.

Ao longo de todo esse tempo, os orçamentos e repasses para essas instituições é a história que iremos traçar a partir de agora. Para construir nossa narrativa, utilizamos dois tipos de documentos que nos permitiu quantificar a manutenção financeira da cultura no Piauí: os orçamentos e os relatórios de governos. O primeiro deles é apresentado pelo governador do Estado à Assembleia Legislativa no final de cada ano, com as previsões orçamentárias para o ano seguinte. Trata-se de um planejamento que, eventualmente, é modificado ao longo do ano de execução devido às oscilações constantes da economia, principalmente nos anos de grande inflação, como foram a década de 1980 e primeira metade dos anos 1990. Apesar das variações, os Orçamentos de Governo são documentos importantíssimos porque revelam as ações do Estado no plano das ideias e retratam a estratificação financeira e os destinos dos recursos e receitas para cada órgão e entidade supervisionada do governo, ou seja: por mais que as previsões orçamentárias não se confirmassem, o planejamento efetuado indica um direcionamento na política conforme seus interesses e prioridades. Já os Balanços do Governo são números mais precisos, neles estão, efetivamente, registrados os valores gastos por cada órgão e setor do Estado ao final de um ano de gestão.

É importante montar agora algumas tabelas comparativas. A primeira delas terá o valor repassado da receita total do Estado para a secretaria responsável à política cultural. Esses são dados retirados dos balanços, portanto, efetivamente realizados:

 

Tabela 01: Valor do repasse à Sec. Cult. Desp. e Turismo em comparação com a Receita total do Estado.

Ano

Receita Total do Estado

Repasse à Sec. Cult. Desp. e Turismo

Valor

1986

Cz$ 4.129.723.222,80

Cz$ 36.888.349,80

0,89%

1987

Cz$ 11.190.300.305,83

Cz$ 173.902.333,34

1,55%

1988

Cz$ 64.186.368.301,02

Cz$ 733.983.745,65

1,14%

1989

NCz$ 925.636.750,92

NCz$ 8.860.706,46

0,95%

1990

NCz$ 42.325.258.963,15

NCz$ 699.905.454,88

1,65%

Média

1,23%

Fonte: Elaborado a partir dos Balanços do Governo - 2015

 

Nessa primeira tabela pode-se observar que o valor repassado era bastante inconstante, variando quase que o dobro, de 0,89% (em 1986) a 1,65% (em 1990). Caso seja feito uma média nesses cinco anos, o resultado seria em torno de 1,23% da receita do Estado para esta Secretaria. Não nos esqueçamos que nesse período estamos trabalhando com a Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo, portanto, esses recursos não foram destinados de maneira proporcionalmente iguais para as três áreas de atuação da referida secretaria.

 

Tabela 02: Valor do repasse à FUNDAC em comparação com a Receita total do Estado.

Ano

Receita Total do Estado

Repasse à FUNDAC

%

1986

Cz$ 4.129.723.222,80

Cz$ 21.795.137,57

0,53%

1987

Cz$ 11.190.300.305,83

Cz$ 95.693.547,41

0,85%

1988

Cz$ 64.186.368.301,02

Cz$ 310.612.328,48

0,48%

1989

NCz$ 925.636.750,92

NCz$ 3.298.572,16

0,35%

1990

NCz$ 42.325.258.963,15

NCz$ 333.756.105,31

0,78%

Média

0,60%

Fonte: Elaborado a partir dos Balanços do Governo - 2015

 

A tabela 02 nos informa quanto, de fato, o governo do Estado gastou com a Fundação Cultural do Piauí, independentemente daqueles valores destinados à Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo. Durante o recorte apresentado nas tabelas 01 e 02, quando a Secretaria cuidava também de duas outras pastas (desporto e turismo), fica mais evidente o papel centralizador da FUNDAC como órgão definitivo para pensar e executar a política cultural do Piauí[3].

Portanto, os dados da tabela 02 são preciosos quando apresentam a variação de repasse para a FUNDAC na ordem de 0,35% (em 1989) a 0,85% (em 1987), porque são esses números os que, real e efetivamente, representam o investimento financeiro do governo do Estado do Piauí na cultura. Caso seja feito uma média desses cinco anos (de 1986 a 1990) teremos um investimento da ordem de, aproximadamente, 0,6% da receita do Estado destinado para o órgão responsável pela política cultural do Piauí. Caso se considere a média anterior (da tabela 01) que foi estipulado do repasse para a Secretaria (de 1,23%), pode-se observar que quase a metade do dinheiro deste órgão é repassada à FUNDAC, sendo que o restante do dinheiro seria destinado aos demais órgãos supervisionados por aquela Secretaria (como a PIEMTUR, no turismo, e FAGEPI, no desporto), além do próprio custeio da Secretaria.

De qualquer maneira, essa média de 0,6% repassada para a FUNDAC nesses cinco anos é um número bem abaixo do reivindicado na Carta para a Cultura[4], escrita por um grupo de artistas, produtores e agentes culturais do Piauí, que pedem pelo menos 1,5% da receita do Estado para a cultura. É oportuno que analisemos a tabela abaixo, construída a partir do estudo dos Orçamentos do Estado:

 

Tabela 03: Valor da receita orçada do Governo do Estado do Piauí com a respectiva previsão de repasse para a Fundação Cultural.

Ano

Previsão de Orçamento para o Governo do Estado

Repasse previsto para a Fundação Cultural do Piauí[5]

%

1985

Cr$ 646.193.431,00

Cr$ 2.038.350,00

0,31%

1986

Cr$ 4.164.137.955,00

Cr$ 14.143.000,00

0,34%

1987

Cr$ 8.454.670.000,00

Cr$ 30.802.000,00

0,36%

1988

Cz$ 33.420.196.000,00

Cz$ 177.800.000,00

0,53%

1989

Cz$ 231.856.335,00

Cz$ 1.008,000,00

0,43%

1990

NCz$ 4.034.879.519,00

NCz$ 16.683.400,00

0,41%

1991

Cr$ 158.960.546.000,00

Cr$ 700.978.000,00

0,44%

1992

Cr$ 988.170.008.000,00

Cr$ 2.566.600.000,00

0,26%

1993

Cr$ 3.112.748.611.000,00

Cr$ 20.901.000.000,00

0,67%

1994

CR$ 59.201.434.000,00

CR$ 215.418.000,00

0,36%

1995

R$ 888.807.148,00

R$ 2.387.300,00

0,26%

1996

R$ 1.288.178.888,00

R$ 3.518.400,00

0,27%

1997

R$ 1.328.112.850,00

R$ 4.511.173,00

0,34%

1998

R$ 1.092.279.283,00

R$ 6.228.480,00

0,57%

1999

R$1.554.748.100,00

R$ 12.145.470,00

0,78%

2001

R$ 1.409.822.148,00

R$ 9.525.839,00

0,67%

2002

R$ 1.612.707.593,00

R$ 7.884.105,00

0,48%

Média

0,44%

Fonte: Elaborado a partir dos Balanços do Governo - 2015

 

Enquanto analisados como uma proposta de governo, os números constados na tabela 03, apresentam-se como um planejamento de ações de investimento na área de nosso interesse. Podemos observar que, durante 17 anos, de 1985 a 2002, apenas cinco vezes (os anos que estão em negrito) o Orçamento do Estado do Piauí previu mais que 0,5% de sua receita para a Fundação Cultural. Na verdade, fazendo uma média de todos os investimentos durante esses anos, chegaremos ao número de 0,44% estabelecidos para o órgão da cultura. É menos que um terço do exigido na “Carta para a Cultura”. Esses números, pelo menos, sugerem que a política orçamentária cultural proposta em quase duas décadas de governos no Piauí estão muito longe do que a categoria espera, além de muito inconstantes, variando entre 0,31% (em 1985) e 0,78% (em 1999), o que é prejudicial para qualquer ação pública que pretenda ser planejada e continuada como política de Estado.

Diante dessas informações, considere a tabela abaixo:

 

Tabela 04: Gasto da Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo (incluindo as entidades supervisionadas) com custo de “pessoal e encargos sociais”.

Ano

Repasse total à Sec. Cult. Desp. e Turismo

Gastos com pessoal/encargos da Sec. e dos órgãos supervisionados

%

1986

Cz$ 36.888.349,80

Cz$ 23.988.293,36

65,02 %

1987

Cz$ 173.902.333,34

Cz$ 103.658.377,03

59,60 %

1988

Cz$ 733.983.745,65

Cz$ 405.746.235,86

55,28 %

1989

NCz$ 8.860.706,46

NCz$ 5.529.027,72

62,40 %

1990

NCz$ 699.905.454,88

NCz$ 448.107.865,67

64,02 %

Média

61,26%

Fonte: Elaborado a partir dos Balanços do Governo - 2015

 

A tabela 04 apresenta quanto a Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo, juntamente com todos os seus órgãos supervisionados (o que inclui a FUNDAC, FAGEPI e PIEMTUR), gastam com “pessoal e encargos sociais”. Analisando os balanços e orçamentos anuais do Governo, percebemos sete tipos de gastos principais que totalizam as contas de cada órgão: 1) Pessoal e encargos sociais; 2) Outras despesas correntes; 3) Investimentos; 4) Juros e encargos da dívida interna/externa; 5) Amortização da dívida interna/externa; 6) Outras despesas de capital e 7) Inversões financeiras. Normalmente, os três primeiros itens destes gastos são os mais volumosos, ocupando de 80 a 90% dos custos de cada órgão, sendo que o item 01 é o mais alto deles.

Considerando os números apresentados nessa tabela 04, podemos elaborar uma média de 61,26% gasto apenas com pessoal e encargos sociais. Podemos supor que, provavelmente, uma porcentagem semelhante também se reflita nos gastos da FUNDAC, com a maior parte destinada apenas com manutenção e sua equipe de funcionários.

Em 1991, a Secretaria de Cultura, Desporto e Turismo foi extinta, sendo a pasta da FUNDAC repassada à Secretaria de Governo, bem como suas dotações orçamentárias, além de ser renomeada como FUNCULPI, conforme o decreto nº 8302, de 09 de maio daquele ano.

 Como a Secretaria de Cultura Desporto e Turismo foi extinta e as questões da cultura realocadas na Secretaria de Governo, em maio de 1991 houve repasses para a pasta da cultura tanto numa secretaria quanto na outra, conforme tabela abaixo:

 

Tabela 05: Valor do repasse às secretarias responsáveis pela pasta da cultura em 1991.

Ano

Receita Total do Estado

Repasse à Sec. Cult. Desp. e Turismo

Valor em %

1991

Cr$ 200.812.014.925,60

Cr$ 106.932.651,10

0,05%

 

Ano

Receita Total do Estado

Repasse à Sec. de Governo

Valor em %

1991

Cr$ 200.812.014.925,60

Cr$ 1.645.757.788,51

0,82%

Total

Cr$ 200.812.014.925,60

Cr$ 1.752.690.439,61

0,87%

Fonte: Elaborado a partir dos Balanços do Governo - 2015

 

As duas secretarias envolvidas com a pasta da cultura em 1991 receberam o valor total referente a 0,87% da receita do Estado do Piauí. Além disso, essas secretarias repassaram para as respectivas Fundações Culturais públicas o total de Cr$ 674.882.216,83, conforme tabela abaixo:

 

Tabela 06: Total do valor repassado às secretarias que ocupavam a pasta da Cultura e seus repasses para suas respectivas Fundações.

Ano

Repasse total à Sec. Cult. Desp. e Turismo

Repasse à FUNDAC

1991

Cr$ 106.932.651,10

Cr$ 40.147.931,36

 

 

 

Ano

Repasse à Sec. de Governo

Repasse à FUNCULPI

1991

Cr$ 1.645.757.788,51

Cr$ 634.734.285,47

 

Repasse às secretarias

Repasse às Fundações Culturais

Total

Cr$ 1.752.690.439,61

Cr$ 674.882.216,83

Fonte: Elaborado a partir dos Balanços do Governo - 2015

 

Considerando as tabelas 05 e 06 podemos reunir informações e montar nova planilha que compreende os anos de 1991 a 1996.

 

Tabela 07: Valor do repasse à Secretaria de Governo em comparação com a Receita total do Estado.

Ano

Receita Total do Estado

Repasse à Secretaria de Governo

Percentagem.

1991

Cr$ 200.812.014.925,60

Cr$ 1.752.690.439,61

0,87%

1992

Cr$ 1.544.998.501.000,00

Cr$ 11.051.153.036,45

0,71%

1993

Cr$ 39.948.808.376,19

Cr$ 287.326.908,85

0,72%

1994

R$ 391.851.093,56

R$ 2.200.716,42

0,56%

1995

R$ 843.796.012,60

R$ 4.827.459,74

0,57%

1996

R$ 951.944.913,12

R$ 4.591.508,22

0,48%

Média

0,65%

Fonte: Elaborado a partir dos Balanços do Governo - 2015

 

Analisando estes seis anos de governo, observa-se que na metade deles existe um percentual acima de 0,7% da receita investido na Secretaria de Governo, sendo sua média calculada em 0,65%. Antes que possam se confundir com esses números, importante notar que essa tabela só deve ser comparada com a tabela 01, aquela que mostra os recursos destinados à Secretaria de Cultura Desporto e Turismo, que tinha uma média de 1,23%. Ou seja, a pasta da cultura sai de uma secretaria, que entre 1986 a 1990 recebeu 1,23% da receita do Estado, e vai para uma nova, a Secretaria de Governo, que recebe uma média de 0,65% durante os seis anos seguintes. Os números indicam uma perda de quase 50% dos investimentos.

Mas não vale se precipitar, o mais importante a saber é quanto, de fato, a Fundação Cultural recebeu nesse novo recorte, afinal, a Secretaria de Governo tinha em sua pasta, além da FUNCULPI, a FAGEP e SUDEX (Superintendência de Desenvolvimento do Extremo Sul). Portanto, considerem a tabela abaixo:

 

Tabela 08: Valor do repasse à FUNCULPI em comparação com a Receita total do Estado.

Ano

Receita Total do Estado

Repasse à FUNCULPI

Percentagem.

1991

Cr$ 200.812.014.925,60

Cr$ 674.882.216,83

0,33%

1992

Cr$ 1.544.998.501.000,00

Cr$ 6.205.919.134,41

0,40%

1993

Cr$ 39.948.808.376,19

Cr$ 155.215.334,98

0,38%

1994

R$ 391.851.093,56

R$ 1.146.756,31

0,29%

1995

R$ 843.796.012,60

R$ 3.285.255,89

0,39%

1996

R$ 951.944.913,12

R$ 2.921.838,74

0,30%

Média

0,35%

Fonte: Balanço Geral do Estado - 2015

 

Caso comparemos os números da tabela 08 com os da tabela 02, será possível perceber uma verdade incômoda para o órgão que promove a política cultural do Estado: uma queda de quase 50% do investimento, o que confirma a informação anterior que foi obtida quando analisados os investimentos repassados para a Secretaria de Governo a partir da extinção da Secretaria de Cultura Desporto e Turismo. Os dados da tabela 02 e 08 mostram que, no recorte estabelecido, houve uma queda na média percentual dos repasses oferecidos à FUNDAC (entre 1986 a 1990) e à FUNCULPI (entre 1991 e 1996), que antes foi de 0,60% para apenas 0,35%.

O próximo recorte estabelecido apresenta um novo cenário para a cultura: de 1997 até 2002, a FUNCULPI deixa de existir como órgão unicamente responsável pela cultura, pois ela é fundida à FAGEP. Ambas, transformaram-se no órgão FUNDEC, responsável pela política voltada à cultura e ao desporto. Isso quer dizer que os dados seguintes referem-se não apenas a uma área específica da política pública, mas a duas delas.

O ano de 1997 é um ano semelhante ao de 1991, por tratar-se de um ano de mudanças na máquina de Estado. Não conseguimos encontrar no Balanço Geral do Estado do Piauí daquele ano o valor exato repassado para a FUNDEC. Conforme apresentamos na tabela 03, os valores orçados para a FUNDEC aparecem claramente nos Orçamentos do Estado, bem como continua um órgão supervisionado à Secretaria de Governo durante todo esse novo recorte, entretanto, a partir de 1997, nas páginas dos balanços do governo o repasse para suas fundações encontra-se em uma nova categoria chamada “administração indireta”. Ou seja, diferentemente das Leis Orçamentárias do Estado, os valores estabelecido para a Secretaria de Governo nos balanços não constam os recursos destinados à FUNDEC[6], mesmo sendo esta uma entidade supervisionada pela Secretaria, seus custos estão agora definidos como parte da administração indireto do governo.

Nos anos de 1998 a 2002 foi possível encontrar facilmente, na parte que se refere à administração indireta, os repasses destinados à FUNDEC, conforme tabela abaixo:

 

Tabela 09: Repasses para a FUNDEC no período de 1998 a 2002, em comparação com a receita total do Estado.

Ano

Receita Total do Estado

Repasse à FUNDEC

Percentagem.

1997

R$ 1.061.608.094,49

-

-

1998

R$ 1.109.807.025,58         

R$ 4.421.442,76

0,398%

1999

R$ 1.180.158.744,22

R$ 3.117.986,98

0,264%

2000

R$ 1.425.438.684,83

R$ 4.072.685,64

0,285%

2001

R$ 1.570.003.350,69

R$ 4.204.837,53

0,267%

2002

R$ 1.886.995.174,99

R$ 4.507.432,28

0,238%

Média

0,29%

Fonte: Balanço Geral do Estado - 2015

 

A tabela 09 confirma um verdadeiro desmanche[7] da máquina pública voltada para a cultura. Comparando esta tabela com as de número 02 e 08, percebe-se que entre 1986 a 1990, a FUNDAC recebia, em média, 0,6% da receita do Governo do Estado, uma época em que ainda havia a Secretaria de Cultura Desporto e Turismo. Entre 1991 e 1996, com a extinção desta secretaria e a transformação da FUNDAC em FUNCULPI, essa média caiu para 0,35%, uma queda muito significativa. Entre os anos 1997 e 2002, período da FUNDEC e de quando o repasse da receita seria dividido tanto para a pasta da Cultura quanto para o Desporto, a média continuou caindo, chegando a 0,29% da receita do Estado.

Ora! Mesmo a média de 0,6% para a FUNDAC é considerado abaixo do exigido pelos artistas (entre 1% ou 1,5%, considerando o repasse para os municípios) para a gestão cultural nos governos, imagine o que representa uma média anual de 0,29%, valor este tendo ainda de ser dividido pelo órgão entre duas áreas distintas.

O próximo recorte apresenta números dos dois governos de Wellington Dias (2003 – 2010), quando FUNDEC volta a ser FUNDAC:

 

Tabela 10: Repasses para a FUNDAC, em comparação com a receita total do Estado.

Ano

Receita Total do Estado

Repasse à FUNDAC

Percentagem.

2003[8]

R$ 2.032.677.578,22

R$ 5.143.626,64

0,25%

2004

R$ 2.413.218.179,15

R$ 5.406.576,49

0,22%

2005

R$ 2.589.528.888,00

R$ 7.941.554,25

0,30%

2006

R$ 3.294.565.863,00

R$ 8.039.357,33

0,24%

2007

R$ 3.771.611.089,00

-

-

2008

R$ 4.380.474.490,00

R$ 12.367.699,59

0,28%

2009

R$ 5.261.164.182,00

R$ 17.605.454,21

0,33%

2010

R$ 5.598.210.139,00

R$ 13.420.150,57

0,24%

Média

0,26%

Fonte: Balanço Geral do Estado - 2015

 

A média de recursos destinados à FUNDAC nos anos dos governos Wellington Dias teve uma leve redução comparada ao do período anterior (1998 a 2002), que era de 0,29%. Entretanto, podemos considerar que a destinação de 0,26% da receita do Estado para um órgão que trata unicamente da cultura é um número melhor que destinar 0,29% para um órgão que cuida da cultura e do desporto.

Os valores no governo de Wilson Martins e Zé Filho, de 2011 a 2014, são os seguintes:

 

Tabela 11: Repasses para a FUNDAC, em comparação com a receita total do Estado.

Ano

Receita Total do Estado

Repasse à FUNDAC

Percentagem.

2011

R$ 5.873.397.687,00

R$ 11.905.108,12

0,20%

2012

R$ 6.853.769.046,00

R$ 16.028.004,70

0,23%

2013

R$ 7.351.676.058,00

R$ 18.119.853,79

0,24%

2014

R$ 7.472.553.289,00

R$ 15.224.334,42

0,20%

Média

0,217%

Fonte: Balanço Geral do Estado – 2015

 

Observamos que a percentagem entre os anos de 2011 a 2014 ficou em, aproximadamente, 0,22%, a pior média levantada até agora, o que reforça a hipótese de um desmantelo progressivo da estrutura administrativa e financeira voltada para a cultura no Piauí, desde que a Secretaria de Cultura tornou-se Secretaria de Cultura Desporto e Turismo.

 

Conclusões

Analisando todos os dados apresentados até aqui, podemos chegar à nossa primeira conclusão, qual seja: confirmamos o decréscimo constante no repasse de recursos, como que se estabelecendo uma prática clara de desvio oficial dos recursos da política pública cultural no Piauí para outros setores, da ordem de 0,60% do orçamento total do Estado (entre 1986 a 1990), para 0,35% (entre 1991 e 1996), para 0,29% (entre 1997 e 2002, período quando o repasse seria dividido tanto para a pasta da Cultura quanto para o Desporto), para 0,26% (entre 2003 e 2010) e, finalmente, reduzido para apenas 0,22% na gestão posterior (2011 a 2014).

Para a segunda conclusão, precisamos observar a tabela a seguir, que apresenta as despesas do Estado, conforme a lei federal nº 4.320/64. Essas despesas são elaboradas de acordo com as “Funções” do governo. Em 1999, por exemplo, havia 16 funções gerais onde eram distribuídos os gastos do governo. Entre eles estavam a Função da Agricultura, das Comunicações, da Saúde e da Educação e Cultura, que estavam juntas (eram a Função nº08). Normalmente, “Educação e cultura” era uma das funções em que havia mais gastos do Estado. Em 1999, por exemplo, foi destinado 25% da receita geral do Estado para “Educação e cultura”, enquanto a Função “Transporte” recebeu apenas 1,82%.

Como a cultura estava junto à educação na Função nº08 no período anterior à 2003, seria inseguro e, até ingênuo, imaginar que a cultura recebia, de fato, verbas proporcionais à destinada à educação, por isso preferimos trabalhar diretamente com os gastos destinados à Fundação Cultural. Entretanto, a partir de 2003, a quantidade de Funções tornou-se mais segmentada e a Cultura foi separada da Educação, tornando-se a função 13.

 

Tabela 12: Valor da “Função” cultura e sua percentagem da em relação à receita total do Estado. Na última coluna, os valores percentuais repassados para a FUNDAC (como mostrados na tabela 10 e 11).

 

Ano

Valor da Função “Cultura”

% da Função em

relação à receita total

Valor repassado à FUNDAC

2003

R$ 5.143.626,64

0,25%

0,25%

2004

R$ 5.406.576,49

0,22%

0,22%

2005

R$ 8.403.419,00

0,32%

0,30%

2006

R$ 8.417.386,00

0,26%

0,24%

2007

R$ 9.528.799,00

0,25%

-

2008

R$ 12.367.699,59

0,28%

0,28%

2009

R$ 9.922.211,00

0,19%

0,33%

2010

R$ 5.139.324,00

0,09%

0,24%

2011

R$ 2.807.119,00

0,05%

0,20%

2012

R$ 6.274.140,00

0,09%

0,23%

2013

R$ 8.159.733,00

0,11%

0,24%

2014

R$ 15.225.613,04

0,20%

0,20%

Média

0,19%

0,25%

Fonte: Balanço Geral do Estado - 2015

 

A tabela acima apresenta os valores repassados para a função “Cultura”. Pode-se perceber que entre 2003 e 2006 o gasto com “Cultura” em todas as despesas do Governo do Estado é maior que o recurso destinado para a FUNDAC. Isso parece óbvio, afinal, todas as fundações possuem gastos permanentes e de pessoal que fazem parte da Função “Administração”. Ou seja, os gastos administrativos da FUNDAC não são, necessariamente, gastos com a “cultura”, mas com outra função específica. Em 2013, por exemplo, a “administração” do Estado custou 22,56% de sua receita, enquanto “cultura” apenas 0,11% (BALANÇO, 2013).

O que é essencialmente curioso nessa tabela é que de 2009 a 2013 os gastos diretamente feitos na Função cultura são inferiores aos repassados para a FUNDAC, chegando a diferença percentual muito grande em 2011, quando foi gasto apenas 0,05% com cultura e 4 vezes mais com a FUNDAC (0,2%). Ou seja, apenas 25% do recurso da FUNDAC em 2011 foi gasto com cultura, isso se não considerarmos que desse percentual de 0,05% da Função cultura naquele ano não houve investimentos diretos no segmento cultural a partir de outros órgãos, como SEDUC ou PIEMTUR. Isso sugere um cenário em que a máquina administrativa é muito pesada e onerosa, que exige um custo elevado para se manter, muito maior que o que dispõe para, efetivamente, realizar investimentos na função de sua responsabilidade.

As médias apresentadas na tabela 12 revelam que 0,19% da receita do Estado é destinado à Função Cultura e 0,25% ao órgão responsável por ela. A diferença entre o gasto com cultura no Estado (0,19%) e o repassado para a FUNDAC (0,25%) é de apenas 0,06%.

Esta última tabela nos é muito cara porque revela, claramente, que nestes 12 anos, o governo do Estado gastou apenas 0,19% de sua receita com cultura. Quando nos lembramos do que pede a Carta para a Cultura, um valor que chega a 1,5%, percebemos o quanto o Piauí está realmente longe de atingir este número e o quanto esta meta parece cada vez mais inalcançável, já que os dados dos anos anteriores, apresentados nas várias tabelas mostradas até aqui, nos confirma um verdadeiro desmonte financeiro-estrutural que afeta diretamente as instituições culturais do Estado, ora com repasses em valores irregulares de um ano para o outro, o que prejudica qualquer constante em políticas públicas, ora com reduções significativas de quase 50% de investimento no setor, de um período para outro.

Este é o desenho do despreparo financeiro da política pública cultural do Piauí em quase 30 anos (de 1986 a 2014) e que reflete diretamente na realização ou manutenção de projetos culturais, muitas vezes inconstantes, sem continuidade ou sem capilaridade social.

Em 2015, a FUNDAC é extinta. Na verdade, ela é transformada Secretaria de Cultura do Piauí, a segunda secretaria exclusiva para a cultura na história do Governo do Estado do Piauí (a primeira foi criada em 1973), marcando um novo momento para a cultura do Estado Ou seria um “momento diferente”, ainda que seja um retorno a uma condição semelhante à de 4 décadas atrás? Em todo caso, estamos diante de outros números para os repasses estatais na área da cultura. Mas, é como dizem, “esta é uma outra história” e ficará para um outro momento.

 

 

Referência

 

AURÉLIO, Bernardo. Políticas públicas culturais e Salão de Humor No Piauí. Dissertação (Mestrado em História do Brasil). Universidade Federal do Piauí. Teresina, 2015. 197p.

 

TÔRRES, Gislane Cristiane Machado. O poder e as letras: Políticas culturais e disputas literárias em Teresina nas décadas de 1960 e 1970. Dissertação (Mestrado em História do Brasil). Universidade Federal do Piauí. Teresina, 2010. 188 p.

 

GOVERNO DO ESTADO DO PIAUÍ. Balanço Geral do Estado do Piauí. Piauí, 1986 - 2014. Disponível em  https://portal.sefaz.pi.gov.br/balanco-geral-do-estado/ acessado em 28/06/2020.

 

SIMIS, Anita. A política cultural como política pública. Políticas culturais no Brasil. Salvador: EDUFBA, Col. Cult. Vol. 2. v. 2, p. 133-155, 2007.



[1] Artigo fruto de pesquisa realizada durante mestrado em História do Brasil.

[2] Bernardo Aurélio de Andrade Oliveira. Mestre em História do Brasil, pela Universidade Federal do Piauí - UFPI. bernardohq@hotmail.com

[3] Em junho de 2015, a lei estadual nº 6.673 cria a Secretaria Estadual de Cultura – SECULT, em substituição à FUNDAC, que deixa de existir.

[4] A Carta para a Cultura foi elaborada a partir do Seminário “Políticas Públicas de Cultura – Piauí”, realizado no dia 26 de novembro de 2010. O Seminário foi realizado por várias entidades civis, dentre elas o Conselho Estadual de Cultura. O item 05 da carta diz: “Dotação de 1,5% do orçamento do Estado destinado à Cultura, sendo que 0,5% destinar-se-á aos Fundos Municipais de Cultura”. Evidentemente, este documento foi escrito anos depois do recorte estabelecido, entretanto, é possível considerarmos essa percentagem de 1,5% como um valor que represente uma necessidade atemporal.

[5] Lembre-se que neste longo recorte a Fundação Cultural do Piauí já foi FUNDAC, FUNCULPI e FUNDEC.

[6] Enquanto em 1996 o valor repassado à Secretaria de Governo era na ordem de 0,48%, como vimos na tabela 07, em 1997 esse número cai para 0,11%. Em 1996 não havia a categoria “Administração Indireta” em seu balanço, mas em 1997 esse item aparece com uma destinação de 12,53% da receita total do Piauí (BALANÇO, 1997, p. 23). Entendam que isso não significa a inexistência de uma administração indireta antes de 1997, apenas houve uma reorganização na forma de apresentar os gastos nos balanços do Estado.

[7] O termo “desmanche do Estado” foi utilizado por Anita Simis (2007, p. 145) para classificar a política do Governo Fernando Collor (1990 – 1992), que, na área da cultura, extinguiu o Ministério da Cultura e vários outros órgãos, como a FUNARTE e a EMBRAFILME. Utilizaremos o termo “desmanche” no mesmo sentido, exemplificando o que aconteceu com os mecanismos culturais do Piauí a partir do governo Hugo Napoleão (1983 – 1986).

[8] No ano de 2003 não encontrei, nem no Balanço, nem na Síntese do Balanço, uma referência direta ao nome da FUNDAC no que diz respeito ao repasse financeiro do Estado para a cultura, provavelmente por se tratar de um ano de transição, exatamente como aconteceu em 1991 e 1997, quando a estrutura administrativa da política cultural mudou, tornando-se necessário um cuidado maior para entender os números da cultura nesses balanços. Entretanto os valores apresentados aqui, no que diz respeito unicamente ao ano de 2003, foram citados nos balanços como “apoio à cultura e às artes” na parte da administração indireta, o que nos leva a crer que destinaram-se à FUNDAC. O mesmo valor aparece como a “Função Cultura” (quadro 22) dentro dos gastos totais do governo do Estado (SÍNTESE DO BALANÇO, 2003, p. 48).