Dando continuidade a minha sequencia de entrevistas sobre o Salão de Humor do Piauí, que começou com o prefeito de Parnaíba Florentino e depois com o cartunista Klevisson Viana, chegou a vez de Luiz Antonio Solda.
Essa entrevista foi realizada dia 15 de novembro de
2013, em Parnaíba, durante o período do 30º Salão de Humor do Piauí. Aproveitem!
Bernardo Aurélio: Solda, primeiro eu
gostaria que você se apresentasse e falasse um pouco sobre suas origens.
Solda: Bom,
eu sou paulista, de Itararé (em Teresina tem um bairro chamado Itararé, não
tem? Coincidência!), moro em Curitiba desde 1965 e há quarenta anos que eu
trabalho em jornais. Trabalhei em todos os jornais de Curitiba, menos um.
Trabalhei em muitas agências de propaganda, artes gráficas. 40 anos de
carreira, né! Eu adotei um nome que não é um pseudônimo, “Solda” é meu
sobrenome. Muita gente quer botar o nome completo, mas eu tenho um tio chamado
Luiz Solda. Então me chamo só Solda, mesmo.
BA: Pessoal diz que o Salão do Piauí não
quebra porque você vem soldar aqui há mais de 10 anos...
Solda: Pois
é! Uma coisa estranha porque em 2002, eu acho, o Albert tem duas ex-mulheres em
Curitiba e quatro filhos, e eu sou muito amigo deles. Aí teve uma época que eu
tive depressão profunda em Curitiba, eu não falava com ninguém, mesmo. O Albert
tentava falar comigo e não conseguia. Um dia ele ligou eu atendi. Eu pensei: “Pô!
O que é que esse cara queria comigo?”. Ele disse que precisava falar comigo
sobre o Salão do Piauí (que eu já tinha ouvido falar, né!). Ele foi pra
Curitiba visitar os filhos e nós marcamos um encontro num bar e nós conversamos
e começou a rolar as coisas.
BA: Isso foi da primeira vez que você veio?
Solda: Foi.
Mas eu já conhecia ele do Pasquim. Ele havia publicado algumas coisas no
Pasquim. Foi através do Pasquim que nós nos conhecemos, e através dos filhos
dele.
BA: Você também publicou no Pasquim?
Solda: Sim,
mas muito pouco.
BA: O Albert chegou a morar um tempo no Rio
e muita gente diz que o conheceu pela redação do Pasquim...
Solda: Eu
nunca estive no Pasquim. Mandava pelos Correios (naquele tempo não havia
internet). Eu conheço todos eles, o pessoal do Pasquim. Às vezes eu ia pro Rio,
encontrava um. Às vezes eles vinham para Curitiba, eu encontrava outro, Millor,
Jaguar e tal...
BA: Como você começou a trabalhar com
desenho?
Solda: Esse
negócio de desenhista, eu creio, que todo mundo que lida com arte, com cultura
assim, com música, por exemplo, ele tem uma tendência natural, já nasce com
aquilo. Não tem uma faculdade que forme chargistas. Tem uma faculdade de
jornalismo! Lá em Curitiba, por exemplo nós temos um jornalista que tornou-se
chargista porque estava fazendo jornalismo. Ele pensou: “olha só...”. Então, eu
desenho desde criança. No ginásio, por exemplo, eu fazia trabalho pros amigos,
eles me pagavam o lanche e tal. Quando eu fui pra Curitiba eu já desenhava e eu
arrumei emprego de auxiliar de escritório na rede ferroviária federal, que
tinha uma revista chamada Correio dos Ferroviários, cujo editor era um cara
entendido de histórias em quadrinhos, Denizar Zanelo Miranda, que tinha uma
coleção fantástica de gibis. Eu mandei um desenho pra ele e ele se interessou,
pediu desenhos pra mim. E como a revista não tinha verba, ele me pagava do
próprio bolso. E foi indo, foi indo, foi indo... Ele também tinha uma coluno no
jornal e começou a publicar meus desenhos, aí a coisa rolou.
BA: Esse trabalho com Denizar foi o
primeiro trabalho profissional?
Solda: Foi!
E veja só, ele pagou do bolso dele, porque a revista não tinha verba. E foi
gozado porque a revista Correio dos Ferroviários era uma mescla assim, que era
pra ser de informações pra rede e tal, e tinha essa parte, mas era menor. O
negócio dele era fazer uma revista cultural pros ferroviários. Uma coisa
fantástica, pra época: 1969, eu acho...
BA: E como foi que você começou a
participar de Salões?
Solda: Eu
ganhei o Salão de Piracicaba 3 vezes. Eu sou da mesma fornada do Angeli, do
Laerte, do Glauco. Depois que a gente ganhou duas, três vezes, a gente passou a
fazer parte da comissão de seleção, dos jurados e tal. Depois eu falei: “não
quero mais participar de salão de humor”, porque a gente fazia charge contra a
ditadura e, em Piracicaba mesmo, eles pagavam a passagem, a gente ficava em
hotéis luxuosíssimos, comia da melhor comida. Eu falei: “Isso é uma ironia,
cara. A gente tá combatendo o sistema que oprime o povo, e a gente tá lá desse
jeito!”. Não que eu fosse contra as pessoas que fizessem isso, mas era uma
maneira deles levarem os caras pra lá. Mas eu não gostei, então decidi não
participar de salão onde houvesse dinheiro envolvido.
BA: O Albert chegou a depor na polícia em
Teresina por conta dos desenhos. Tu teve algum problema parecido?
Solda: Tive.
E foi em 2011! Eu era chargista do jornal Estado do Paraná. Na ditadura eu
também já publicava, né? Mas eu não tinha medo. Era uma coisa que a gente tinha
de fazer. Não existe humor a favor. Eu só tinha medo do Comando de Caça aos
Comunistas, eles mandavam um folhetim pra você, dizendo: “Você é o próximo, seu
filho da puta” e tal, “Cuida bem da tua família”, sabe? Então eu ficava com
receio. Mas agora eu tenho medo do politicamente correto. Foi por causa disso
que me meteram o pé-na-bunda no jornal. Eu fiz uma charge sobre o Barack Obama,
e eu usei o termo “república das bananas”, que foi criado por um humorista
americano em 1956, referindo-se a Honduras, e a partir disto, espalhou-se por
toda a América Latina. E quando Barack Obama esteve aqui eu fiz uma charge. Ele
era candidato, eu andava com uma camisa dele que um amigo havia trazido de Nova
Iorque: “Yes we can”, né? Eu acreditava que haveria mudança. Mas aí quando ele
chegou no Rio, interditaram uma grande área, até os ministros tinham de tirar o
sapato... Daí o Barack Obama vai ter um almoço, vai comer uma comida típica e
banana! Um macaco deu uma banana [fez o gesto levantando o punho] pro Barack
Obama. Daí, todo mundo que olhou a charge achou que eu era racista. Eu fui
investigado pelo Ministério Público, fui absolvido e fui intimado pela polícia
federal.
BA: Quer dizer que durante a ditadura tu
não teve problema?
Solda: Não!
Mas pelo politicamente correto eu fui mandado embora do jornal.
Eu tenho um
site que vai chegar a 5 milhões de acessos. Eu sempre botei fotos de amigos. A
menina que cuida da Gibiteca de Curitiba é uma negra lindíssima, uma pessoa
maravilhosa, a Maristela. Uma negra fantástica e eu gosto muito dela. Se eu
boto uma foto ao lado dela no site as pessoas ficam dizendo: “Olha aí! Agora fica querendo se passar como amigo”.
Eu sou, por
exemplo, contra o dia da consciência negra. Porque aí você teria de fazer o dia
da consciência amarela, parda... Você
sabe? Deviam criar o “Dia Nacional da Consciência Pesada”. Aí limpava a barra
de todo mundo!
O racismo
existe. É velado mas existe, poxa! E parte dele vem dos oprimidos, dos negros,
dos transgêneros...
BA: E o Salão de Humor do Piauí você
conheceu dessa visita do Albert a Curitiba?
Solda: Ele
foi lá e eu só conheci quando cheguei aqui. Lá no Sul tem horário de verão, né?
Eu cheguei aqui em 2003 e a primeira coisa que tinha de fazer era dar uma
entrevista ao Bom dia Piauí. A entrevista era na praça e com o horário de
verão, eu pensava que tinha aqui, eu cheguei cedo e pensei “porra, que coisa
fantástica!”. Tava tudo montado já, os trabalhadores passando de bicicleta, os
alunos rindo... As pessoas estavam no Salão, já! Era muito cedo, 5 ou 6 horas
da manhã e já tava todo mundo lá se divertindo. Eu fiquei deslumbrado! Porra!
Isso é fantástico! As pessoas não tinham que sair do trabalho, voltar pra casa,
tomar banho, botar uma roupa (que talvez eles nem tenham) e ir pra um lugar que
talvez eles nem sejam admitidos.
BA: As pessoas costumam comparar o Salão
daqui com o de Piracicaba, perguntando qual o mais importante, o maior... Qual
a sua opinião sobre isso?
Solda: Olha,
eu nem sei. O Salão de Piracicaba tem 40 anos já, mas é uma coisa mais lá do
sul, entende? Embora concorram pessoas de outras partes do mundo, os convidados
de lá são de lá mesmo. Também não acho nada, eles tem direito de fazerem o que
quiserem. Aqui tem gente de todo o mundo, né? Tem muita gente distante. Porque
o Paraná tá tanto aqui? Mas sabe o que é que é? O Albert me paga a passagem, a
Fundação paga pra eu vir até aqui, me hospeda, porque eu fico muito feliz em
dar oficina. Eu me sinto recompensado porque as oficinas que eu dei em
Teresina, o olhar das crianças dizendo “que coisa!”... Em princípio, eles não
querem desenhar. Eu pergunto por que? Porque eles querem levar o papel pra
casa. Aí eu sempre dizia: “Olha, vocês desenham aqui, depois eu requisito pra
fundação um bloco de papel chamex pra cada um e uma caixa de lápis de cor”. E
eles ficavam felizes.
BA: Um das diferenças que eu percebi,
conversando com os convidados, é que tem essa coisa do Salão na rua e dos
convidados trabalhando. Parece que é o grande diferencial do Salão do Piauí com
o de Piracicaba. Porque os outros salões não fazem isso?
Solda: Pra
falar a verdade, eu não vou a Piracicaba desde 1979, então eu não sei
exatamente o que está acontecendo por lá. Eu vejo na internet, tem o site do
Salão, mas é que nem o site do Salão daqui, não tá bem atualizado. Mas eu creio
que eles devem fazer isso também. É uma coisa tão fácil.
BA: Você vem desde 2003 ao Salão do Piauí.
Já faz 10 anos. Quais são as melhores experiências que você tem com o evento?
Solda: Como eu sou lá do Sul e o Piauí é o
terceiro estado mais pobre do Brasil, né cara? Eu fiquei impressionado com a
receptividade do povo. É muito gentil. Os adolescentes de Teresina tem um
vocabulário maior que os adolescentes do sul. E eu nunca dei autógrafo na rua
em Curitiba, em Teresina eu dei autógrafo. “Você é o Solda?” E também pela
participação das pessoas, a comissão que organiza o Salão é toda formada de
universitários, todos conheciam pessoas de Curitiba, a Helena Clout, o Paulo Leminski...
BA: Qual a lembrança ruim do Salão?
Solda: O
ruim do Salão foi o ano passado. Houve um esvaziamento completo. Pra quem já
esteve aqui há dez anos, era fantástico! Imagino como era isso em 1982. Devia
ser uma loucura total. Ano passado houve um esvaziamento que deixou muita gente
chateada. E outra coisa, quando o Silvio Mendes era prefeito, tinha uma
exposição minha na avenida Frei Serafim, era eu, Jaguar e um artista plástico
de Teresina. O prefeito de Teresina havia dado autorização pra montar a tenda
lá. Quando foi de manhã o Albert recebeu um telefonema de que o prefeito havia
determinado que fosse retirado a exposição. Mas retirada de forma violenta.
Chamaram o lixo da cidade e arrancaram a exposição de lá, jogaram em cima do
caminhão. Destruíram, praticamente, a exposição. Custou dinheiro! Removeram por
causa da reforma que havia sido feita na avenida. Mas o prefeito havia
autorizado a exposição. Segundo me consta, ele havia autorizado.
Também tem uma coisa: Minha
ligação com Teresina tem muito a ver com Torquato Neto. Porque eu também sou
poeta, desenho, pinto... Mas eu já conhecia o Torquato e ele chamava a cidade
de Tristeresina e tal. E depois eu constatei que era só o Torquato que achava
aquilo. Ele e o pessoal dele. Não existe uma Tristeresina. Existe uma
“Alegresina”. Mas aqui em Parnaíba é mais agradável porque tem vento. Em
Teresina, a única exigência que eu tinha com o Albert é que ele me desse
toalhas, apoiadas no ombro, pra enxugar o suor. É muito calor!
BA: Já que citou Parnaíba, porque trazer o
Salão pra cá? Por que da mudança depois de 29 edições?
Solda: A
pessoa mais indicada pra falar disso é o Albert, mas eu acho que foi o
esvaziamento do Salão passado. Todo evento tem um pique, permanece lá em cima
por um tempo, depois vai descendo. Qualquer coisa! Em Piracicaba também houve
isso, mas eles deram uma guinada depois. Eu creio que foi isso. E, chegando
aqui, foi muito triste porque as pessoas não tavam sabendo. Não houve
divulgação da maneira como devia ser feita. Aqui não tem transporte coletivo.
Não tem ônibus, cara! Como é que as pessoas ficam na praça se a última van, que
é o transporte da cidade, é as dez horas da noite. Os universitários daqui saem
10min pras 10h pra não perder a van. As aulas vão até mais tarde, mas eles tem
de sair 10min pras 10h senão eles perdem a van! Isso é inadmissível.
BA: Você acredita que pode dar certo aqui
em Parnaíba?
Solda: Eu
creio que sim. Havendo divulgação, mas devido a infraestrutura da cidade, a
falta de transporte coletivo, é uma coisa que vai demorar, viu cara! Veja quem
mora na periferia! Porque a classe média não interessa absolutamente o humor,
algumas pessoas sim, mas quem a gente quer atingir mesmo é o povo. Nosso
objetivo é o povo, porque quem precisa saber das coisas e se manifestar é o
povo. A classe média já está devidamente estabelecida, não quer que mude nada.
BA: O Albert falou de colocar o Salão à
ferro e fogo em Parnaíba. E falou muito do turismo cultural. Então todas esses
questões passam por esse problema. Como fazer turismo cultural numa cidade como
Parnaíba?
Solda: Sim.
Veja bem, hoje é feriado [15 de novembro de 2013]. Todo mundo ontem já saiu de
Teresina pra ir pro Delta. Eles não veem aqui pra ver o Salão. Vieram fazer
turismo. Quando podiam ficar um dia aqui e depois ir pra lá. Mas eles não
sabem.
BA: Dentro desta perspectiva, qual a
importância do Governo do Estado para realizar um evento como esse?
Solda: O
governo tem o dever de ajudar os eventos, porque nós pagamos os impostos. Então
o que a gente quer é que esse dinheiro seja devolvido pra nós e uma forma é
patrocinando eventos públicos. Se o Frank Aguiar tem 3 milhões pra fazer um
filme sobre ele (e ele tem direito de fazer isso) nós também temos o direito de
ter o retorno desses impostos que a gente paga.
BA: O Albert criou a Fundação Nacional de
Humor para gerir o Salão de Humor. Tirou esse evento das mãos do Estado. Que
acha disso?
Solda: Olha,
todo mundo em Curitiba fica surpreso quando falo de Fundação Nacional de Humor.
Eles dizem: “onde fica isso?”. Eu digo: “Em Teresina”. “Fundação Nacional de
Humor em Teresina?!? Não pode!” [risos].
Eu acho que
o Albert descobriu uma forma de se desvencilhar de alguns aspectos burocráticos
da melhor maneira possível.
BA: Os salões geralmente são gratuitos. Um
salão não gera renda pra financiar outro salão. Até porque quem patrocina
normalmente é o Estado. Como é que funciona esse mercado da cultura para esses
salões?
Solda: Eu
tenho algumas ideias sobre isso mas não conversei com ninguém sobre isso. É
preciso conversar com o Albert. Cada cartunista que participa do evento poderia
criar uma obra, um desenho, que pode ser vendido e revertido em benefício para
a Fundação Nacional de Humor. É uma forma de arrecadar dinheiro. Se você pegar
um desenho de cada um! Além de você vir para o Piauí, trabalhar, participar de
debates, fazer oficina, você doa alguma coisa: desenhos, livros. Todo nós doamos
livros. A FNH tem uma biblioteca exclusiva de cartunistas.
BA: Algumas pessoas comentam que o Salão
veio pra Parnaíba por problema de má organização, problemas administrativos.
Culpam o Albert Piauhy por significar demais o Salão. O grande “nó”, o problema
do Salão, hoje, é o Albert Piauhy?
Solda: Olha,
ele não me explicou os motivos do porquê veio pra cá, mas eu creio que foi o esvaziamento.
Mas pode ser também, não sei...
BA: Gostaria de deixar o espaço para você
colocar algo mais que que eu não tenha perguntado.
Solda: Como
você é uma pessoa envolvida, eu sinto falta de histórias em quadrinhos no Salão
de Humor. Porque existe um movimento forte, você sabe disso. Não sei porque não
existe quadrinhos aqui. Tirinhas. É uma coisa que deveria ter. Porque aqui tem
o cordel e tem o Klévisson com os quadrinhos dele. Uma coisa fantástica.
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