quarta-feira, 25 de abril de 2018

20 anos de 300 de Esparta



Por Bernardo Aurélio

Frank Miller, autor que dispensa apresentações, lançou há 20 anos aquela que deve ser sua última grande obra: Os 300 de Esparta. Foi um grande sucesso de crítica e vendas, chegando a ganhar o Eisner (maior prêmio da indústria dos quadrinhos americanos) de 1999, como a melhor minissérie lançada no ano anterior. Não é para menos, afinal, o gibi é um clássico, merecidamente.

Miller decidiu fazer a HQ por conta de um filme homônimo (de 1962) que viu quando era criança e que o marcou fortemente. Para trabalhar com ele, esteve ao seu lado sua esposa, Lynn Varlley, responsável por colorir o melhor trabalho que Miller já fez: Batman - Cavaleiro das Trevas (1986) e Elektra Vive, que considero, visualmente, o ápice na carreira destes autores, ou seja, os desenhos de Frank Miller e a cor de Lynn Varlley nunca estiveram tão bons quanto na simbiose que ofereceram em Elektra Vive, mas o assunto aqui é 300...

Lançada no Brasil, originalmente, pela editora Abril como uma minissérie em 5 partes, de maio a julho de 1999, o quadrinho conta a história dos 300 soldados espartanos, liderados pelo rei Leônidas, contra os milhares de invasores Persas do imperador Xerxes, naquele que é considerado o momento dos primeiros confrontos entre oriente e ocidente do mundo antigo, no século V antes de Cristo.

Posso dar uma contextualização histórica? O mundo da Europa antiga vivia o auge do que chamamos de período clássico, quando Esparta e Atenas eram os principais modelos de cidade-estado do momento. Entretanto, já existiam grandes impérios no oriente médio, como os assírios e os persas. As cidades-estados sempre lutaram entre si, para manter o controle do mar mediterrâneo e suas consequentes influencias sob as demais cidades gregas. Acontece que os Persas, desde Dario, pai de Xerxes, era imperador de um exército como nunca se vira antes e seu expansionismo era de causar espanto aos agrupamentos gregos, que, em comparação aos orientais, poderiam ser considerados pequenos, afinal, a Europa nunca havia conhecido um império.

Algo que não é contado no livro de Miller, mas que é historicamente muito importante, é que 10 anos antes de Xerxes, Dario tentou invadir a Grécia e foi derrotado por Atenas, na famosa batalha que eternizou o nome “maratona”: Fidípides, correu centenas de quilômetros, primeiro da cidade de Maratona até Esparta, para pedir ajuda a eles, que foi negada porque os lacônios (habitantes da região de Esparta) estavam no meio de um festival religioso e não poderiam batalhar naquele período, e segundo, correu de Maratona até Atenas, para avisar da vitória que os atenienses infringiram aos persas. Feito não menos impressionante que a batalha das Termópilas, da qual trata 300.

É curioso notar aqui que, 10 anos antes, Esparta ignora o pedido de ajuda ateniense alegando a Carneia, o período das festividades religiosas, único momento em que Esparta não poderia guerrear. E esse é o mesmo motivo que faz Leônidas partir sozinho com seu batalhão contra o exército persa, causando uma crise política, civil e religiosa, já essa atitude iria contra sua tradição, mas era necessário ser feito.

Maratona e Atenas foram tão importantes que o império Persa precisou de 10 anos para se reorganizar internamente para um novo ataque, principalmente por causa da morte de Dario e de todo o processo de transição do poder para Xerxes. Reforço isso porque a obra de Miller, talvez pela vontade de representar a opinião espartana sobre os atenienses, a quem consideravam efeminados ou glutões preguiçosos, endossa essa opinião. O fato é que, esses 10 anos de espera entre Maratona e Termópilas, permitiu ao mundo grego se organizar, criar certa ideia de nação que não havia antes, investir como nunca em um exército marítimo e todos os elementos que permitiram que a Europa ocidental não fosse subjugada ao poder de um império oriental.

Muito dos problemas enfrentados pelos gregos para organizarem a luta contra os persas diz respeito à criação de um sentido de unidade, de perigo externo em comum, de humildade e participação entre os povos, sempre muito altivos e orgulhosos em seus isolacionismos e as Guerras Médicas, de certa forma, foi o princípio que proporcionou isso à Europa. Digo só pra deixar claro, caso você seja um leitor de 300 super empolgado com Esparta, saiba que, no plano geral, muito se deve à Atenas.

Mas vamos voltar ao gibi...



Miller soube ser fiel ao espírito espartano, adjetivo que designa a sobriedade, o rigor e a severidade daquele povo que treinavam o tempo topo para a guerra. Assim como Leônidas, todas as “crianças”, condição que não existia, pois eram tratados como pequenos adultos, eram chicoteados até sangrarem e eram ensinados a serem cruéis, caçando e matando. A disciplina militar era rígida e os jovens só poderiam falar quando tinham permissão, e como falavam pouco, os espartanos eram de grande precisão na hora de o fazer, o que se tornou conhecido como fala "lacônica", caindo como uma luva à narrativa de Miller, sempre sisudo, econômico e certeiro em suas expressões, desde as soturnas narrativas de Sin City.

Outra característica que pode causar estranheza aos leitores do quadrinho, é o fato dos espartanos andarem nus, entretanto, é histórico. Conforme cresciam, os cidadãos eram obrigados a andar descalços e nus, de modo que adquiriam a resistência de uma pele grossa, para melhor enfrentarem as intempéries da natureza e as guerras, sempre constantes no mundo antigo.


A história que Miller conta é muito pontual, não se aventurando no que aconteceu 10 anos antes, em Maratona, ou no que acontece depois da batalha das Termópilas, onde Leônidas enfrentou o exército persa, mas nunca teria conhecido Xerxes pessoalmente... Liberdades poéticas. Então, caso você ainda não saiba, não darei spoiler, mas tente imaginar o resultado de 300 homens enfrentando um exército milhares de vezes superior... Miller foca no legado espartano, o que fica claro ao se observar os títulos de capa capítulo de sua história: honra, dever, glória, combate e vitória. Que vitória seria essa senão aquela do legado, que seria contada e recontada pela oralidade até chegar às grandes mídias contemporâneas? É justamente a vitória da glória, do dever e da honra.

Por ser pontual, 300 não mostra como os persas são, de fato, derrotados pela organização dos povos gregos, da frota naval ateniense e da força espartana, claro, insuflados pelo espírito de Leônidas e seu pequeno exército. Mas isso não diminui a força da obra, balançada no pendão sedutor da arte e da história, Miller sabe ser um bom orador.

E pra contar uma história é preciso ir além do texto. O fato é que Miller e Varlley conseguiram dar uma identidade visual incrível ao gibi. Contrastes formais de claro e escuro que o autor já dominava bem desde seus trabalhos em Sin City, domínio das diagonais nos planos criando efeitos dinâmicos de ritmo e movimento, cores fortes de marrom e vermelho, tudo isso características marcantes da arte barroca, que, inegavelmente inspiraram os autores, namorando com um expressionismo forte apresentado pelos desenhos distorcidos de Miller (obrigado pela aula, Drª Zozilina).




(ator ao lado de pintura de 1814)

A arte de 300 impressiona. Principalmente se você tiver a edição em formato horizontal, lançado posteriormente pela editora Devir. Impressiona tanto que, ao ser adaptado para o cinema por Zack Snyder (2006), teve esse visual recriado na telona. Quando digo “recriado” estou falando literalmente, pois Lynn Varlley foi chamada para pintar alguns dos cenários utilizados no filme. Por essa adaptação fiel, Zack Snyder ganhou o título de “visionário”, o que calçou o caminho da sua história em produções futuras, como Watchmen e Batman v Superman.




Atualmente, Miller publica "Xerxes" nos Estados Unidos, que deve ser a continuação direta de “Os 300 de Esparta” (ou não, já que na capa há a frase "the fall of the house of Darius") e, como ainda não tive acesso, não posso traçar comentários. Mas, avaliando os últimos trabalhos do autor a que fizemos leitura, como as duas continuações de Cavaleiro das Trevas e Holy Terror, não criaremos nenhuma expectativa. Infelizmente, terminamos esse texto como começamos: Os 300 de Esparta deve ser a última grande obra de Miller e, por isso, deve ficar em destaque na sua prateleira.



Obs: Este escritor ainda não assistiu ao filme "300: Rise of an Empire"... Desculpem.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

18 ''FATOS'' SOBRE A MALDIÇÃO DO SUPER-HOMEM




Sou do tempo do Super-Homem... E desde muito tempo que se fala sobre uma “maldição do Super-Homem”, que os atores dos filmes ou séries sofreram diversos problemas durante ou após suas participações nessas produções. É claro que não devemos levar essas coisas a sério, que quanto mais se procura, mais acha-se essas coisas... Mas eu adoro umas teorias bizarras. Então, tomei a liberdade de listar algumas “coincidências”.
1)      Os irmãos Max Fleischer e Dave Fleischer, dos Estúdios Fleischer, que produziram os desenhos da Paramount Superman, começaram a brigar entre si e o estúdio quebrou, financeiramente. Venderam para Paramount, de onde foram demitidos. Um deles morreu na pobreza.
2)      O ator Kirk Alyn, da série do Super-Homem de 1948, não aceitou fazer um longa-metragem do Super e sua carreira teria afundado. Ele disse que "Interpretar o  Super-homem arruinou a minha carreira de ator e fui amargo por muitos anos sobre a coisa toda." O filme foi "Superman e os homens Toupeira”, onde foi substituído por George Reeves. Kirk foi o pai da Lois no filme de 1978 e não teria feito mais nenhum trabalho significativo desde o final dos anos 1940. Alyn sofreu da doença de Alzheimer mais tarde em sua vida e morreu em 1999 com a idade de 88 anos.
3)      Bud Collyer dublou o Super-Homem na animação dos irmãos Fleischer, de 1941-43. Retornou ao Super-homem ao dublar The New Adventures of Superman para a CBS em 1966. Três anos depois, morreu de uma doença circulatória aos 61 anos de idade.
4)      George Reeves, o ator que interpretou o personagem por quase 9 anos sofreu acidente durante gravações do seriado, caindo de um cabo de aço, durante uma cena de voo. Morreu em 1959, no fim da série, em condições suspeitas. Não se sabe se foi suicídio por conta de depressão ou se foi por causa de um caso amoroso que tinha com uma mulher ligada à um magnata da televisão (a esposa do executivo da MGM Eddie Mannix). Foi a morte de Reeves que inspirou as teorias da conspiração e a lenda urbana de uma maldição associada ao personagem. Recomendo o filme Hollywoodland, sobre a morte deste ator, feito em 2006, Adrien Brody e Ben Affleck interpretando o Georges Reeves / Superhomem. Ben foi indicado ao Globo de Ouro pelo filme.
5)      Lee Quigley, que interpretou Superman quando bebê no filme de 1978, morreu em 1991 aos 14 anos devido a abuso de solventes.
6)      Christipher Reeves, o mais famoso Super-Homem sofreu um acidente de cavalo que o tornou tetraplégico, em 1995.
7)      Dana Reeve, viúva do ator Christopher Reeve, que, apesar de não ser fumante, morreu de câncer de pulmão em 2006 aos 44 anos de idade.
8)      A atriz Margot Kidder, que fez a Lois Lane nos 4 filmes clássicos do Super, sofreu um grave acidente de carro em 1990 e ficou dois anos sem trabalhar. Em 1996, passou por sérios problemas psiquiátricos e foi diagnosticada como maníaca depressiva.
9)      Christian Brando, filho de Marlon Brando (Jor-El), assassinou o namorado da a irmã, em 1990, depois que sua irmã Cheyenne lhe disse que o namorado de 26 anos havia batido nela. Cheyenne suicidou-se em 1995.
10)  O comediante Richard Pryor, estrelou como o vilão Gus Gorman em Superman III de 1983, foi viciado em drogas que o levou a uma tentativa de suicídio quase fatal. Foi diagnosticado com esclerose múltipla. Morreu de parada cardíaca em 10 de dezembro de 2005, aos 65 anos de idade.
11)  Dean Cain, famoso pela série Lois e Clarck, nunca deslanchou na carreira.
12)  O ator Sam Jones III, que fez o Pete Ross em Smallville, em 2009, foi acusado formalmente de conspiração para tráfico de drogas. Sam seria a ligação dos traficantes em Hollywood e estava se preparando para negociar 10 mil pílulas de oxicodona, analgésico normalmente usado para o tratamento da dor em paciente com câncer. Ele fazia a "Conexão Hollywood" em um plano para comprar e distribuir a droga ilegal. Passou 10 meses na prisão.
13)  Allison Mack, a Chloe,  e Kristin Kreuk, a Lana, de Smallville, foram acusadas de recrutar escravas sexuais. Coincidentemente, hoje (20/04/2018), Allison Mack foi presa por conta de seu envolvimento com esse culto sexual.
14)  A maldição foi invocada depois que três pessoas envolvidas na produçao de “Superman Returns” (2006)  sofreram ferimentos, um dos quais caiu em um lance de escadas. Outro foi assaltado e espancado e um terceiro bateu em uma janela de vidro. O diretor Bryan Singer comentou: "Minha equipe absorveu a maldição por nós."
15)  O Kevin Spacey, ator que fez Lex Luthor em Superman Returns, de 2006, já há alguns meses enfrenta uma  série de denúncias de abuso sexual. Em outubro de 2017, o ator Anthony Rapp acusou Spacey de fazer avanços sexuais contra ele quando tinha apenas 14 anos. Após as acusações de Rapp, inúmeras outras pessoas também vieram a frente e acusaram Spacey de abuso e assalto sexual. Como resultado, a Netflix cortou laços com ele, incluindo a remoção dele do elenco de House of Cards. Outros projetos contando com Spacey, como o filme Gore, foram igualmente cancelados.
16)  A filha do diretor Zack Snyder, responsável pelo filme Man of Steel e Batman v Superman (BvS), cometeu suicídio durante a gravação de BvS.
17)  Talvez seja exagero comentar que, mesmo o sucesso de Henry Cavil à frete das últimas interpretações do Super na telona, o personagem parece distante de agradar
18)  A gente pode dizer que os últimos longa metragem com o Super TODOS falharam de crítica e bilheteiria? Desde o SUper-Homem III e IV, da década de 1980 até o Renascimento (2006), o MoS e o BvS, todos floparam! Enquanto o Batman e Esquadrão mandam bem (pelo menos de bilheteria, no caso do Esquadrão)

Em 2006, fizeram um documentário britânico chamado “The Curse of Superman”.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Agente do Caos: a origem de Fox Mulder



Por Bernardo Aurélio

Em meados de 2015, os fãs de Arquivo X reacenderam suas expectativas por conta da volta de uma das mais importantes séries da TV norte americana para os holofotes da mídia. O último episódio da nona temporada havia sido exibido em maio de 2002 e seu segundo longa-metragem havia estreado em julho de 2008. Então, sete anos depois começam a anunciar a 10ª temporada com episódios inéditos. Na esteira desse retorno, vieram também novos livros sobre o universo, ou a “mitologia” da série.

Em janeiro de 2016 estreia a 10ª temporada. 30 dias depois já estava disponível a coletânea de contos Arquivo X: A Verdade Está lá fora (que será resenhado aqui futuramente). No ano seguinte, foram lançados dois livros simultâneos com um importante objetivo: contar a história dos protagonistas da série ainda jovens estudantes, adolescentes, antes de se conhecerem no FBI.

Recentemente, fiz a resenha do livro The X Files Origens: Advogado do Diabo (você pode ler aqui), que conta a história de Dana Scully, então com apenas 15 anos de idade. Agente do Caos, foca na história de Fox Mulder. Os livros foram lançados juntos com um objetivo que não era apenas a simples origem desses personagens tão queridos. As duas publicações fizeram parte de um projeto editorial, tanto visualmente, quanto na história, quer dizer: ambas se passam em 1979 e alguns elementos narrativos se cruzam. A folha de rosto dos dois livros traz relatório do FBI datados de 1º de abril daquele ano com informações secretas, inclusive censuradas em algumas palavras, tanto sobre a situação de Bill Mulder quanto do Capitão Scully e de seus respectivos filhos, indicando que desde o princípio eles estavam envolvidos com algo maior envolvendo o governo dos Estados Unidos e que estavam sendo observados.





A história de Dana Scully passa-se na, então, pequena cidade de Craiger, em Maryland, para onde ela acabava de se mudar de San Diego. Da mesma forma, o pai de Bill Mulder acabava de ser realocado, juntamente com seu filho, de Martha’s Vineyard para Washington DC. Existem outros pontos em comum entre os dois livros, mas calma! Não vamos atropelar as coisas.

Do que trata Agente do Caos? Fox Mulder, como sabe qualquer pessoa que conhece minimamente a série, é traumatizado com um fato de sua infância: o sumiço de sua irmã. Para todos que acompanham a série com mais atenção, sabemos que o sumiço dela faz parte de todo um processo conspiratório envolvendo o governo, organizações secretas e planos alienígenas, mas nosso protagonista, com 17 anos, não fazia ideia disso. As lembranças do acontecido, quando ele ainda era uma criança, eram muito incompletas, enevoadas, reticentes... O que teria acontecido com sua irmã, Samantha? Esse é um acontecimento que funda a personalidade de Fox e o nascimento de todo o ambiente claustrofóbico que envolve a família Mulder, e esse é um ponto alto no livro de Kami Garcia.

Curiosamente, Agente do Caos não foi a primeira incursão de Kami Garcia no passado de Fox Mulder. No livro de contos “Arquivo X – A Verdade está lá fora”, ela escreve o “Filho do Buraco Negro”, e faço esse parêntese aqui não porque essa história seja fundamental para plena compreensão do outro livro. Faço-o apenas para reforçar a qualidade da autora no que diz respeito à tensão em que vivia Mulder desde que Samantha sumiu. Sua família se desgastou, se consumiu, se apagou. Com almoços silenciosos, o cotidiano deles era revirado por discussões abafadas que Mulder não devia ouvir, muito menos entender. “Filho do Buraco Negro” é justamente uma analogia ao vazio que Samantha deixou, mas é também onde conhecemos a melhor amiga de Mulder, Phoebe Larson, que tem papel muito importante em Agente do Caos. Depois falaremos mais sobre ela.

Em seu livro, Kami Garcia mostra a família Mulder terminando de se acabar, com os pais separados e, por sugestão da própria Teena Mulder, pai e filho deveriam morar junto, o “experimento vamos nos conhecer melhor”, segundo Fox. Isso é muito triste para nosso protagonista, que vive na mesma casa que o pai, mas a quilômetros de distância de uma convivência real, ou fraterna, com ele, e ainda sendo afastado da mãe por decisão dela própria. Mas isto tudo é apenas o cenário geral. A história realmente começa quando Mulder encontra-se diante de um caso de sequestro e assassinato de crianças e tudo o faz relembrar do sumiço de Samantha. Terá sido ela sequestrada e assassinada? Essa não é uma trama nova em Arquivo X, já vimos algo semelhante ainda na quarta temporada (1996-1997) no episódio “Corações de Pano” (S04e10). Já que a trama não é, exatamente, original, onde mais o livro de Kami Garcia pode agradar tanto aos e fãs quanto ao público em geral?

Um dos pontos já foi colocado aqui que é justamente a relação de Mulder com sua família. O outro ponto é a abordagem de como contar uma história, por assim dizer, já “conhecida”. A autora conseguiu criar personagens secundários interessantes na mesma medida em que foi habilidosa incluindo personagens conhecidos na trama: não apenas o Canceroso, arquivilão e quase um protagonista na série, espionando Mulder, como o enigmático X. O leitor ocasional de Agente do Caos (existem?) provavelmente não se importa com o X, mas o fã sempre se empolga com a volta de um personagem tão carismático, em sua dureza, que saiu do seriado décadas atrás. Além dos personagens “mitológicos”, Kami retoma a mesma Phoebe de seu conto anterior e um novo amigo: Gimble. Os três, juntos, são refrescantes como uma aventura de sessão da tarde. Não! Na verdade, eles possuem uma química nerd que nos lembra a relação entre os amigos de Stranger Things, impressão reforçada por discussões sobre RPG, Duna e Jornada nas Estrelas, tudo isso embrulhado no ano de 1979, cheio de outras referências à TV (Farrah Fawcett) e literatura. O trio acaba se envolvendo em “altas aventuras” para tentar resolver os crimes de assassinato de crianças que estão se repetindo na cidade.

Essas referências à cultura pop setentista que aparecem no livro, e que senti falta no Advogado do Diabo, também é um dos pontos altos de Agente do Caos. Particularmente, minha leitura foi muito prazerosa porque me despertou curiosidade a alguns desses elementos, como o livro "A Espada Diabólica", de Michael Moorcock. Talvez você só conheça essa obra pelo nome do seu protagonista, Elric, recentemente lançado em uma versão em quadrinhos luxuosa pela editora Mythos ou as duas edições do livro Elric de Melniboné (Generale). Infelizmente, não li nenhuma dessas versões novas, mas encontrei uma impressão antiga de A Espada Diabólica, que narra a história do mesmo Elric, lançada pela (provavelmente extinta) editora Francisco Alves, em 1975. Comprei por meros R$10 no Mercado Livre e recomendo fortemente, apesar da tosca capa (no futuro devo fazer uma resenha sobre esse livro também). Mas porque estou citando esse livro mesmo? Porque ele é o tempo todo mencionado em Agente do Caos. O “Caos” no título do livro é uma referência a história de Elric, toda a trama envolvendo o assassinato das crianças envolve uma “crença” em torno desse livro, e porque Moorcock é um escritor de fantasia de enorme sucesso, só comparado no estrangeiro ao Tolkien (Senhor dos Anéis) e Robert E. Howard (Conan), que só fui ler depois de apresentado aqui por Kami Garcia.



Da mesma forma que em Advogado do Diabo, onde Scully não é exatamente cética, em Agente do Caos somos apresentados a um Fox Mulder que gosta de ficção científica, que sonha em trabalhar pra NASA e ser astronauta, mas que ainda não está completamente disposto a acreditar. A fantasia, a crença no mítico, a sensibilidade de se curvar diante do inexplicável ou das probabilidades extremas, ou mesmo a simples dúvida de que o governo nega ter conhecimento, mas que sempre se envolve conspiratoriamente, ainda não existem. O que levaria Mulder a mudar? O que faria ele querer acreditar? Para isso é fundamental a participação de outro personagem interessante: o louco Major, pai de Gimble, um homem que teria visto demais e que ficou completamente paranoico, que arranca suspiros de simpatia da parte de Mulder, mas que pode significar muito mais para seu futuro.

Como havia mencionado antes, os dois livros possuem interseções. Em seu livro, Scully combate crimes na cidade de Craiger, Maryland e passeia por um lugar chamado Além do Além, onde somos apresentados a alguns personagens como Corinda ou o encantador Luz do Sol (Advogado do Diabo)/Raio de Sol (Agente do Caos). Curiosamente, Mulder e seus amigos acabam passando pela mesma cidade no meio de suas investigações e conhecem aqueles coadjuvantes. É possível que Mulder tenha entrado no ambiente onde Scully estava e eles poderiam ter se conhecido anos antes do mostrado na primeira temporada da TV. Claro que o fato de eles terem se envolvidos em resolução de crimes durante suas adolescências em um mesmo período e região e isso nunca ter sido citado na série, pode deixar de cabelo em pé os mais xiitas, mas para nós é apenas uma coincidência legal proporcionado pela literatura.


E já que estamos falando de “coincidências” preciso falar de algumas que encontrei e que me fizeram querer escrever logo esse texto: o 12º episódio da primeira temporada, chamado “Fire” (O Incendiário) nos apresenta uma personagem chamada Phoebe Green e ela é muito parecida com a Phoebe Larson que conhecemos em Agente do Caos. Green é uma investigadora britânica apresentada por Mulder como “o terror da Scotland Yard” e como uma pessoa de mente brilhante. Eles se conheceram na universidade de Oxford, onde provavelmente fizeram o curso de psicologia juntos e teriam feito loucuras uma noite, em cima do túmulo de Sir Arthur Conan Doyle. Green, apresenta-se como uma mulher impulsiva e extremamente sexy que teria magoado Mulder, o que o obrigou a tentar deixa-la no passado. Phoebe Larson tem o mesmo tipo de gênio: sensual a ponto de saber usar seus dotes femininos para chamar atenção de adultos, isso ainda no conto "Filho do Buraco Negro", quando ela deveria ter no máximo uns 16 anos, e muito inteligente, poliglota sem contar o klingon e o élfico. Phoebe Larson também foi namoradinha de Mulder em Agente do Caos. Impossível elas serem exatamente a mesma personagem, já que na série eles se conhecem na Inglaterra no início da década de 1980 e no livro eles viviam na mesma cidade de Martha’s Vineyard em meados dos anos 1970, mas, pra mim, é inegável que uma personagem ajudou a construir a outra.



Mas as semelhanças entre o livro e o episódio Fire não se resumem à Phoebe. Como se trata de um spoiler, vou deixar essa explicação para uma observação no final do texto.
Para não me alongar mais, se você é fã de Arquivo X e ainda não leu Agente do Caos, está fazendo algo muito errado. Leia! É um livro divertido que procura agradar tanto aqueles que foram jovens assistindo às primeiras exibições da série nos anos 1990, quanto os verdadeiros jovens de hoje, talvez numa tentativa de criar um novo público para a série a partir da literatura juvenil. Digo isso porque, além do clima meio cômico de aventura de sessão da tarde, Agente do Caos traz rompantes de amor e sedução adolescente entre Mulder e Phoebe, o que era muito fácil de se esperar de um jovem de 17 anos que escondia Playboys do pai debaixo do colchão de sua cama. Afinal de contas, Mulder não é tão estranho assim.

Nota 3,5 de 5.

Spoiler: No episódio Fire, Mulder coloca que a casa de seu melhor amigo explodiu e que ele teria passado a noite lá fazendo vigília, protegendo os destroços da casa. Isso teria traumatizado o personagem, que desenvolveu grande fobia por fogo. O episódio não fala exatamente que o seu melhor amigo morreu teria morrido no incêndio. Tudo indica que Kami Garcia usou esse elemento para construir um momento que podemos chamar de “ponto de virada” no personagem. Em Agente do Caos, a casa de seu melhor amigo é realmente explidida, e o pai de Gimble, o Major, morre por conta disso. É a morte do Major, uma figura aparentemente inocente em suas loucuras conspiratórias, que faz Mulder querer acreditar. O fogo, o assassinato do Major muda Mulder.

sábado, 7 de abril de 2018

The X Files Origens: Advogado do Diabo



Por Bernardo Aurélio

Nesses últimos anos, aproveitando a retomada de uma das séries de maior sucesso na televisão em todos os tempos, a editora Harper Collins decidiu trazer para o Brasil dois livros que abordam, cada um deles isoladamente, a origem de seus protagonistas. Um deles é Agente do Caos, que foca sua narrativa na adolescência de Fox Mulder e que será resenhado aqui futuramente. O outro, Advogado do Diabo, nos apresenta uma Dana Scully com apenas 15 anos de idade, sobre o qual iremos nos debruçar agora.

Na orelha do livro, em letras garrafais está escrito “ELA NEM SEMPRE FOI CÉTICA”. Essa é a premissa do livro. Se você conhece Arquivo X, sabe que uma das melhores características da série é justamente o ceticismo de Dana Scully, uma médica forense e agente do FBI, que sempre se encontra diante de situações que questionam sua razão ou lógica científica. Mesmo diante de fenômenos paranormais ou criaturas mitológicas, isso não a abala, disposta a dialogar com um bordão como: “existe uma explicação científica para isso”. Acontece que ela aprendeu a ser cética antes de conhecer Fox Mulder e os Arquivos X, e Advogado do Diabo monstra, justamente como isso aconteceu.

O melhor elogio que poderia fazer a esse livro é dizer que é “diferente”. Scully, definitivamente, não é a mesma que entrou por aquela porta de um depósito do FBI no início dos anos 1990 para nos apresentar os “imprestáveis do FBI”. No caso, ser uma Dana diferente é quase um problema, pois pode gerar um desconforto nos fãs, acostumados que somos com a personagem de um jeito e não de outro. Mas precisamos abrir nossa cabeça para as possibilidades. Afinal de contas, estamos falando de uma adolescente, estudando no primário de uma cidadezinha chamada Craiger, de Maryland, em 1979.



Quando digo “abrir nossa cabeça” estou falando no nível de Dana Scully tendo experiências extracorpóreas e protagonizando viagens astrais, só para você ter uma ideia. Coisas desse tipo se estendendo por quase 90% do livro. É claro que, importante frisar, estamos falando de um livro de “origem” e, portanto, de como algo veio se tornar, a nascer e, apenas por isso, já vale a pena ser lido se você for um fã da série, mas não tenho certeza se o livro agradaria o público em geral.

Afinal de contas, do que trata “Advogado do Diabo”? A família Scully mudou-se a pouco tempo para a cidade de Craiger e as irmãs Dana e Melissa precisam se adaptar à nova turma no colégio Regional Francis Scott Key. Nesse ponto, o livro é quase uma historinha de colegiais e gente estranha precisando se enturmar. Melissa é praticamente a mesma personagem que vimos na série, fascinada pelo misticismo dos cristais e espiritualidades, com o detalhe de ainda ser uma adolescente também. Ela é o fio condutor que carrega Dana por essas influencias. Um dos pontos positivos do livro é justamente a abordagem do relacionamento entre as irmãs, no que tange ao crescimento do ceticismo de Dana e o consequente distanciamento entre elas, como assistimos no show de tv. Dana e Melissa frequentam a casa “Além do Além”, um lugar onde se pratica yoga, meditação, onde vende-se cristais, livros de astrologia, apanhador de sonhos, incensos e todo tipo de parafernália do gênero, mas onde as duas vão, principalmente, para tomar um chá.

A vida seguia bem em Craiger, até Scully começar a ter sonhos e visões acordadas que apontariam para certa mediunidade da personagem e, pior, essas experiências que vinha tendo poderiam indicar que as várias mortes acidentais que aconteciam à adolescentes nos últimos meses naquela cidade não seriam tão acidentais assim, que poderiam ser assassinatos. Dana Scully, com toda a maturidade que uma adolescente pode ter, não sabe como lidar com as visões que acabam lhe trazendo muitos transtornos, pois agora não era mais apenas a nerd da sala, mas sim a “nerd maluca que tem visões e fala com os mortos”.

A narrativa prossegue contando a história de como a jovem protagonista pode ajudar a desvendar esses crimes, às vezes usando de pesquisa sorrateira e meticulosa, digna de qualquer agente do FBI, até a utilização da mediunidade como uma força e fonte de conhecimento. O livro procura sempre esse equilíbrio, mostrando Scully nesta corda bamba para qual lado penderia sua personalidade futura, o que não é nenhum segredo se você já assistiu a pelo menos 1 dos mais de 200 episódios da série.

É engraçado ver a jovem Scully ruborizando aos primeiros galanteios de um colega de sala, ou esforçando-se para ser uma aluna aplicada nas aulas de jiu-jitso, elementos que constroem uma personagem retraída, tímida, mas, ao mesmo tempo, forte e disposta a lutar pelo quê acredita. Uma das melhores cenas do livro, na minha opinião, foi a descrição da luta dela com um dos seus instrutores enquanto ela estava, por assim dizer, com seus poderem de mediunidade “ligados”.

O livro torna-se uma leitura rápida mais pela forma como é contado do quê pelo conteúdo em si. São 316 páginas e 83 capítulos. Sim! 83! Dá uma média de menos de 4 páginas por capítulo. Você fica com aquela sensação de “vou ler só mais o próximo. É só mais uma ceninha” e você acaba demorando largar o livro, mesmo quando o sono vem. A história em si não é ruim, mas deixa um pouco a desejar se você é um leitor que procura todas as respostas para uma história de investigação. Mas se você conhece Arquivo X, então não se incomoda se um grupo misterioso chamado “Sindicato”, que são apresentados como “Homens de Preto”, estão por trás de tudo e lhe dão apenas reticências como resposta. Essas ausências, esses buracos, são da natureza de mitologia que fez de Arquivo X um grande sucesso mundial.

Entretanto, o autor Jonathan Maberry, mesmo se esforçando em descrição de cenas familiares afetuosas, como Dana com seu pai lendo Moby Dick ou com sua avó tomando café (que nunca assistimos na tv, corrijam-me se estiver enganado), mesmo tendo ganho cinco vezes o Bram Stoker Award e mesmo tendo editado antologias de Arquivo X nos EUA, deixa a desejar. Não é nem tão sensível, nem tão horroroso quanto deveria. Uma leitura mediana que, assim como as duas últimas temporadas de Arquivo X na tv, só deve agradar, verdadeiramente, o fã mais convicto. Ou que só deve levar até a última página o leitor menos exigente. Talvez essa sensação de insuficiência do livro tenha sido realçada pela aparente falta de esmero na edição brasileira, que tem parágrafos com textos truncados, palavras repetidas que ecoam mal em qualquer leitura ou falta de concordância em frases como “ele tentou sorriu” (página 299).

Nota 2,5 de 5

terça-feira, 3 de abril de 2018

Historicamente, viemos de uma costela



Como historiador, não me incomodo com essa fala da Claudinha...
O que é "historicamente" para vocês? Podem dar um monte de conceitos e pre-conceitos mas o fato é que "historicamente" não se resume à biologia ou evolução das espécies.
Quantos anos possui o Velho Testamento? Corrijam-me, por favor, mas acho que a versão mais antiga encontrada data do século II a.C. Então, Adão e Eva foi escrito há mais de 2200 anos, sem contar aqui há quanto tempo essas histórias foram contadas oralmente antes de serem transcritas.
"História" é uma narrativa construída e, por milênios, conta-se a Estória de Adão e Eva. Os conceitos de "história" são muito amplos e um deles pode afirmar que trata-se da busca pela verdade, entretanto, ela não é a verdade em si. O ponto onde quero chegar não é afirmar a veracidade da origem feminina a partir de uma costela, mas dizer que, na vida das pessoas, ao longo de milênios, se acreditou que isso pudesse ser verdade ou se entendeu esse mito como uma representação do mundo.
Como eu poderia fazer uma galhofa de uma frase que diz "historicamente, a mulher vem da costela de Adão"? Como isso poderia estar errado se uma narrativa milenar a sustenta? Não estou afirmando que é verdade, mas, sem sombras de dúvidas, isso é histórico!