Por Bernardo Aurélio
Nesses últimos anos, aproveitando
a retomada de uma das séries de maior sucesso na televisão em todos os tempos,
a editora Harper Collins decidiu trazer para o Brasil dois livros que abordam,
cada um deles isoladamente, a origem de seus protagonistas. Um deles é Agente
do Caos, que foca sua narrativa na adolescência de Fox Mulder e que será
resenhado aqui futuramente. O outro, Advogado do Diabo, nos apresenta uma Dana
Scully com apenas 15 anos de idade, sobre o qual iremos nos debruçar agora.
Na orelha do livro, em letras
garrafais está escrito “ELA NEM SEMPRE FOI CÉTICA”. Essa é a premissa do livro.
Se você conhece Arquivo X, sabe que uma das melhores características da série é
justamente o ceticismo de Dana Scully, uma médica forense e agente do FBI, que
sempre se encontra diante de situações que questionam sua razão ou lógica científica.
Mesmo diante de fenômenos paranormais ou criaturas mitológicas, isso não a
abala, disposta a dialogar com um bordão como: “existe uma explicação
científica para isso”. Acontece que ela aprendeu a ser cética antes de conhecer
Fox Mulder e os Arquivos X, e Advogado do Diabo monstra, justamente como isso
aconteceu.
O melhor elogio que poderia fazer
a esse livro é dizer que é “diferente”. Scully, definitivamente, não é a mesma
que entrou por aquela porta de um depósito do FBI no início dos anos 1990 para nos
apresentar os “imprestáveis do FBI”. No caso, ser uma Dana diferente é quase um
problema, pois pode gerar um desconforto nos fãs, acostumados que somos com a
personagem de um jeito e não de outro. Mas precisamos abrir nossa cabeça para
as possibilidades. Afinal de contas, estamos falando de uma adolescente,
estudando no primário de uma cidadezinha chamada Craiger, de Maryland, em 1979.
Quando digo “abrir nossa cabeça” estou
falando no nível de Dana Scully tendo experiências extracorpóreas e protagonizando
viagens astrais, só para você ter uma ideia. Coisas desse tipo se estendendo
por quase 90% do livro. É claro que, importante frisar, estamos falando de um
livro de “origem” e, portanto, de como algo veio se tornar, a nascer e, apenas
por isso, já vale a pena ser lido se você for um fã da série, mas não tenho
certeza se o livro agradaria o público em geral.
Afinal de contas, do que trata “Advogado
do Diabo”? A família Scully mudou-se a pouco tempo para a cidade de Craiger e
as irmãs Dana e Melissa precisam se adaptar à nova turma no colégio Regional
Francis Scott Key. Nesse ponto, o livro é quase uma historinha de colegiais e
gente estranha precisando se enturmar. Melissa é praticamente a mesma personagem
que vimos na série, fascinada pelo misticismo dos cristais e espiritualidades, com
o detalhe de ainda ser uma adolescente também. Ela é o fio condutor que carrega
Dana por essas influencias. Um dos pontos positivos do livro é justamente a
abordagem do relacionamento entre as irmãs, no que tange ao crescimento do ceticismo
de Dana e o consequente distanciamento entre elas, como assistimos no show de
tv. Dana e Melissa frequentam a casa “Além do Além”, um lugar onde se pratica
yoga, meditação, onde vende-se cristais, livros de astrologia, apanhador de
sonhos, incensos e todo tipo de parafernália do gênero, mas onde as duas vão,
principalmente, para tomar um chá.
A vida seguia bem em Craiger, até
Scully começar a ter sonhos e visões acordadas que apontariam para certa
mediunidade da personagem e, pior, essas experiências que vinha tendo poderiam indicar que as várias mortes acidentais que aconteciam à adolescentes nos últimos meses
naquela cidade não seriam tão acidentais assim, que poderiam ser assassinatos.
Dana Scully, com toda a maturidade que uma adolescente pode ter, não sabe como
lidar com as visões que acabam lhe trazendo muitos transtornos, pois agora não
era mais apenas a nerd da sala, mas sim a “nerd maluca que tem visões e fala
com os mortos”.
A narrativa prossegue contando a
história de como a jovem protagonista pode ajudar a desvendar esses crimes, às
vezes usando de pesquisa sorrateira e meticulosa, digna de qualquer agente do
FBI, até a utilização da mediunidade como uma força e fonte de conhecimento. O
livro procura sempre esse equilíbrio, mostrando Scully nesta corda bamba para
qual lado penderia sua personalidade futura, o que não é nenhum segredo se você já
assistiu a pelo menos 1 dos mais de 200 episódios da série.
É engraçado ver a jovem Scully ruborizando
aos primeiros galanteios de um colega de sala, ou esforçando-se para ser uma
aluna aplicada nas aulas de jiu-jitso, elementos que constroem uma personagem
retraída, tímida, mas, ao mesmo tempo, forte e disposta a lutar pelo quê
acredita. Uma das melhores cenas do livro, na minha opinião, foi a descrição da
luta dela com um dos seus instrutores enquanto ela estava, por assim dizer, com
seus poderem de mediunidade “ligados”.
O livro torna-se uma leitura
rápida mais pela forma como é contado do quê pelo conteúdo em si. São 316 páginas
e 83 capítulos. Sim! 83! Dá uma média de menos de 4 páginas por capítulo. Você
fica com aquela sensação de “vou ler só mais o próximo. É só mais uma ceninha”
e você acaba demorando largar o livro, mesmo quando o sono vem. A história em
si não é ruim, mas deixa um pouco a desejar se você é um leitor que procura
todas as respostas para uma história de investigação. Mas se você conhece Arquivo
X, então não se incomoda se um grupo misterioso chamado “Sindicato”, que são
apresentados como “Homens de Preto”, estão por trás de tudo e lhe dão apenas
reticências como resposta. Essas ausências, esses buracos, são da natureza de
mitologia que fez de Arquivo X um grande sucesso mundial.
Entretanto, o autor Jonathan Maberry,
mesmo se esforçando em descrição de cenas familiares afetuosas, como Dana com seu
pai lendo Moby Dick ou com sua avó tomando café (que nunca assistimos na tv,
corrijam-me se estiver enganado), mesmo tendo ganho cinco vezes o Bram Stoker
Award e mesmo tendo editado antologias de Arquivo X nos EUA, deixa a desejar.
Não é nem tão sensível, nem tão horroroso quanto deveria. Uma leitura mediana
que, assim como as duas últimas temporadas de Arquivo X na tv, só deve agradar,
verdadeiramente, o fã mais convicto. Ou que só deve levar até a última página o
leitor menos exigente. Talvez essa sensação de insuficiência do livro tenha
sido realçada pela aparente falta de esmero na edição brasileira, que tem
parágrafos com textos truncados, palavras repetidas que ecoam mal em qualquer
leitura ou falta de concordância em frases como “ele tentou sorriu” (página
299).
Nota 2,5 de 5
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