Por Bernardo Aurélio
Em meados de
2015, os fãs de Arquivo X reacenderam suas expectativas por conta da volta de
uma das mais importantes séries da TV norte americana para os holofotes da
mídia. O último episódio da nona temporada havia sido exibido em maio de 2002 e
seu segundo longa-metragem havia estreado em julho de 2008. Então, sete anos
depois começam a anunciar a 10ª temporada com episódios inéditos. Na esteira desse
retorno, vieram também novos livros sobre o universo, ou a “mitologia” da
série.
Em janeiro de
2016 estreia a 10ª temporada. 30 dias depois já estava disponível a coletânea de
contos Arquivo X: A Verdade Está lá fora (que será resenhado aqui futuramente).
No ano seguinte, foram lançados dois livros simultâneos com um importante
objetivo: contar a história dos protagonistas da série ainda jovens estudantes,
adolescentes, antes de se conhecerem no FBI.
Recentemente,
fiz a resenha do livro The X Files Origens: Advogado do Diabo (você pode ler
aqui), que conta a história de Dana Scully, então com apenas 15 anos de idade.
Agente do Caos, foca na história de Fox Mulder. Os livros foram lançados juntos
com um objetivo que não era apenas a simples origem desses personagens tão
queridos. As duas publicações fizeram parte de um projeto editorial, tanto visualmente,
quanto na história, quer dizer: ambas se passam em 1979 e alguns elementos
narrativos se cruzam. A folha de rosto dos dois livros traz relatório do FBI
datados de 1º de abril daquele ano com informações secretas, inclusive
censuradas em algumas palavras, tanto sobre a situação de Bill Mulder quanto do
Capitão Scully e de seus respectivos filhos, indicando que desde o princípio
eles estavam envolvidos com algo maior envolvendo o governo dos Estados Unidos
e que estavam sendo observados.
A história de
Dana Scully passa-se na, então, pequena cidade de Craiger, em Maryland, para
onde ela acabava de se mudar de San Diego. Da mesma forma, o pai de Bill Mulder
acabava de ser realocado, juntamente com seu filho, de Martha’s Vineyard para
Washington DC. Existem outros pontos em comum entre os dois livros, mas calma!
Não vamos atropelar as coisas.
Do que trata
Agente do Caos? Fox Mulder, como sabe qualquer pessoa que conhece minimamente a
série, é traumatizado com um fato de sua infância: o sumiço de sua irmã. Para
todos que acompanham a série com mais atenção, sabemos que o sumiço dela faz
parte de todo um processo conspiratório envolvendo o governo, organizações
secretas e planos alienígenas, mas nosso protagonista, com 17 anos, não fazia
ideia disso. As lembranças do acontecido, quando ele ainda era uma criança, eram
muito incompletas, enevoadas, reticentes... O que teria acontecido com sua
irmã, Samantha? Esse é um acontecimento que funda a personalidade de Fox e o
nascimento de todo o ambiente claustrofóbico que envolve a família Mulder, e
esse é um ponto alto no livro de Kami Garcia.
Curiosamente,
Agente do Caos não foi a primeira incursão de Kami Garcia no passado de Fox
Mulder. No livro de contos “Arquivo X – A Verdade está lá fora”, ela escreve o “Filho
do Buraco Negro”, e faço esse parêntese aqui não porque essa história seja
fundamental para plena compreensão do outro livro. Faço-o apenas para reforçar
a qualidade da autora no que diz respeito à tensão em que vivia Mulder desde
que Samantha sumiu. Sua família se desgastou, se consumiu, se apagou. Com
almoços silenciosos, o cotidiano deles era revirado por discussões abafadas que
Mulder não devia ouvir, muito menos entender. “Filho do Buraco Negro” é
justamente uma analogia ao vazio que Samantha deixou, mas é também onde
conhecemos a melhor amiga de Mulder, Phoebe Larson, que tem papel muito
importante em Agente do Caos. Depois falaremos mais sobre ela.
Em seu livro,
Kami Garcia mostra a família Mulder terminando de se acabar, com os pais separados e, por sugestão da própria Teena Mulder, pai e filho deveriam morar
junto, o “experimento vamos nos conhecer melhor”, segundo Fox. Isso é muito
triste para nosso protagonista, que vive na mesma casa que o pai, mas a
quilômetros de distância de uma convivência real, ou fraterna, com ele, e ainda
sendo afastado da mãe por decisão dela própria. Mas isto tudo é apenas o cenário geral.
A história realmente começa quando Mulder encontra-se diante de um caso de sequestro e assassinato de crianças e tudo o faz relembrar do sumiço de
Samantha. Terá sido ela sequestrada e assassinada? Essa não é uma trama nova em
Arquivo X, já vimos algo semelhante ainda na quarta temporada (1996-1997) no
episódio “Corações de Pano” (S04e10). Já que a trama não é, exatamente, original,
onde mais o livro de Kami Garcia pode agradar tanto aos e fãs quanto ao público
em geral?
Um dos pontos
já foi colocado aqui que é justamente a relação de Mulder com sua família. O
outro ponto é a abordagem de como contar uma história, por assim
dizer, já “conhecida”. A autora conseguiu criar personagens secundários
interessantes na mesma medida em que foi habilidosa incluindo personagens
conhecidos na trama: não apenas o Canceroso, arquivilão e quase um protagonista
na série, espionando Mulder, como o enigmático X. O leitor ocasional de Agente
do Caos (existem?) provavelmente não se importa com o X, mas o fã sempre se
empolga com a volta de um personagem tão carismático, em sua dureza, que saiu
do seriado décadas atrás. Além dos personagens “mitológicos”, Kami retoma a
mesma Phoebe de seu conto anterior e um novo amigo: Gimble. Os três, juntos,
são refrescantes como uma aventura de sessão da tarde. Não! Na verdade, eles
possuem uma química nerd que nos lembra a relação entre os amigos de Stranger
Things, impressão reforçada por discussões sobre RPG, Duna e Jornada nas
Estrelas, tudo isso embrulhado no ano de 1979, cheio de outras referências à TV
(Farrah Fawcett) e literatura. O trio acaba se envolvendo em “altas aventuras”
para tentar resolver os crimes de assassinato de crianças que estão se repetindo
na cidade.
Essas
referências à cultura pop setentista que aparecem no livro, e que senti falta
no Advogado do Diabo, também é um dos pontos altos de Agente do Caos.
Particularmente, minha leitura foi muito prazerosa porque me despertou
curiosidade a alguns desses elementos, como o livro "A Espada Diabólica", de
Michael Moorcock. Talvez você só conheça essa obra pelo nome do seu
protagonista, Elric, recentemente lançado em uma versão em quadrinhos luxuosa
pela editora Mythos ou as duas edições do livro Elric de Melniboné (Generale).
Infelizmente, não li nenhuma dessas versões novas, mas encontrei uma impressão
antiga de A Espada Diabólica, que narra a história do mesmo Elric, lançada pela
(provavelmente extinta) editora Francisco Alves, em 1975. Comprei por meros
R$10 no Mercado Livre e recomendo fortemente, apesar da tosca capa (no futuro
devo fazer uma resenha sobre esse livro também). Mas porque estou citando esse
livro mesmo? Porque ele é o tempo todo mencionado em Agente do Caos. O “Caos”
no título do livro é uma referência a história de Elric, toda a trama
envolvendo o assassinato das crianças envolve uma “crença” em torno desse
livro, e porque Moorcock é um escritor de fantasia de enorme sucesso, só
comparado no estrangeiro ao Tolkien (Senhor dos Anéis) e Robert E. Howard
(Conan), que só fui ler depois de apresentado aqui por Kami Garcia.
Da mesma forma
que em Advogado do Diabo, onde Scully não é exatamente cética, em Agente do
Caos somos apresentados a um Fox Mulder que gosta de ficção científica, que
sonha em trabalhar pra NASA e ser astronauta, mas que ainda não está
completamente disposto a acreditar. A fantasia, a crença no mítico, a
sensibilidade de se curvar diante do inexplicável ou das probabilidades
extremas, ou mesmo a simples dúvida de que o governo nega ter conhecimento, mas
que sempre se envolve conspiratoriamente, ainda não existem. O que levaria
Mulder a mudar? O que faria ele querer acreditar? Para isso é fundamental a
participação de outro personagem interessante: o louco Major, pai de Gimble, um
homem que teria visto demais e que ficou completamente paranoico, que arranca
suspiros de simpatia da parte de Mulder, mas que pode significar muito mais
para seu futuro.
Como havia
mencionado antes, os dois livros possuem interseções. Em seu livro, Scully
combate crimes na cidade de Craiger, Maryland e passeia por um lugar chamado
Além do Além, onde somos apresentados a alguns personagens como Corinda ou o encantador Luz
do Sol (Advogado do Diabo)/Raio de Sol (Agente do Caos). Curiosamente, Mulder e
seus amigos acabam passando pela mesma cidade no meio de suas investigações e
conhecem aqueles coadjuvantes. É possível que Mulder tenha entrado no ambiente onde Scully estava e eles poderiam ter se conhecido anos antes
do mostrado na primeira temporada da TV. Claro que o fato de eles terem se envolvidos
em resolução de crimes durante suas adolescências em um mesmo período e região
e isso nunca ter sido citado na série, pode deixar de cabelo em pé os mais
xiitas, mas para nós é apenas uma coincidência legal proporcionado pela
literatura.
E já que
estamos falando de “coincidências” preciso falar de algumas que encontrei e que
me fizeram querer escrever logo esse texto: o 12º episódio da primeira
temporada, chamado “Fire” (O Incendiário) nos apresenta uma personagem chamada
Phoebe Green e ela é muito parecida com a Phoebe Larson que conhecemos em
Agente do Caos. Green é uma investigadora britânica apresentada por Mulder como
“o terror da Scotland Yard” e como uma pessoa de mente brilhante. Eles se
conheceram na universidade de Oxford, onde provavelmente fizeram o curso de
psicologia juntos e teriam feito loucuras uma noite, em cima do túmulo de Sir
Arthur Conan Doyle. Green, apresenta-se como uma mulher impulsiva e
extremamente sexy que teria magoado Mulder, o que o obrigou a tentar deixa-la
no passado. Phoebe Larson tem o mesmo tipo de gênio: sensual a ponto de saber
usar seus dotes femininos para chamar atenção de adultos, isso ainda no conto "Filho do
Buraco Negro", quando ela deveria ter no máximo uns 16 anos, e muito inteligente,
poliglota sem contar o klingon e o élfico. Phoebe Larson também foi namoradinha
de Mulder em Agente do Caos. Impossível elas serem exatamente a mesma
personagem, já que na série eles se conhecem na Inglaterra no início da década
de 1980 e no livro eles viviam na mesma cidade de Martha’s Vineyard em meados
dos anos 1970, mas, pra mim, é inegável que uma personagem ajudou a construir a
outra.
Mas as semelhanças
entre o livro e o episódio Fire não se resumem à Phoebe. Como se trata de um
spoiler, vou deixar essa explicação para uma observação no final do texto.
Para não me
alongar mais, se você é fã de Arquivo X e ainda não leu Agente do Caos, está fazendo algo muito errado. Leia! É um livro divertido que procura agradar
tanto aqueles que foram jovens assistindo às primeiras exibições da série nos
anos 1990, quanto os verdadeiros jovens de hoje, talvez numa tentativa de criar
um novo público para a série a partir da literatura juvenil. Digo isso porque,
além do clima meio cômico de aventura de sessão da tarde, Agente do Caos traz
rompantes de amor e sedução adolescente entre Mulder e Phoebe, o que era muito
fácil de se esperar de um jovem de 17 anos que escondia Playboys do pai debaixo
do colchão de sua cama. Afinal de contas, Mulder não é tão estranho assim.
Nota 3,5 de 5.
Spoiler: No
episódio Fire, Mulder coloca que a casa de seu melhor amigo explodiu e que ele
teria passado a noite lá fazendo vigília, protegendo os destroços da casa. Isso
teria traumatizado o personagem, que desenvolveu grande fobia por fogo. O
episódio não fala exatamente que o seu melhor amigo morreu teria morrido no
incêndio. Tudo indica que Kami Garcia usou esse elemento para construir um
momento que podemos chamar de “ponto de virada” no personagem. Em Agente do
Caos, a casa de seu melhor amigo é realmente explidida, e o pai de Gimble, o
Major, morre por conta disso. É a morte do Major, uma figura aparentemente
inocente em suas loucuras conspiratórias, que faz Mulder querer acreditar. O
fogo, o assassinato do Major muda Mulder.
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