segunda-feira, 5 de março de 2018

A origem do ZORRO!




Ano que vem Zorro completa 100 anos! O Personagem foi criado na literatura pulp em 1919, por Johnston McCulley, e poucos no Brasil devem ter lido sua obra original, que inclusive está disponível no catálogo da editora Panda Books (A Marca do Zorro, R$39,90, 328 páginas, 2011). Mas quem, entre vocês, nunca assistiu a um filme do personagem ou a algum episódio da famosa série produzida pela Disney entre 1957 e 1959? Eu mesmo me apaixonei pelo personagem maravilhando-me com esses episódios que passavam na TV Record em meados da década de 1990.



Uma rápida pesquisa me mostrou que só na Europa foram produzidos 28 filmes da furtiva raposa (Zorro significa “raposa” em espanhol”), mais 6 no México e, pelo menos uns 10 nos Estados Unidos, sendo os dois últimos, de 1998 e 2005, estrelados por Antonio Banderas, que tive oportunidade de assistir no cinema, o que acentuou minha paixão pelo personagem, afinal ele não era mais, na minha cabeça, apenas um personagem de reprises matinais na TV aberta brasileira: era um astro de superproduções com grandes atores de extremo sucesso, além de Banderas, os filmes eram estrelados por Anthony Hopkins e Catherine Zeta Jones.

Mas o assunto aqui é o livro “Zorro – Começa a Lenda”, de Isabel Allende (R$54,9, 420 páginas, 2008, editora Bertrand). Mesmo tendo um grande carisma pelo personagem, nunca tinha lido nada dele até recentemente, apesar dos dois livros aqui citados estarem em catálogo já há bastante tempo... Enfim, nunca é tarde para se começar a ler um livro.



Preciso dizer que, enquanto lia Allende, todos os personagens reconhecíveis tinham a cara dos atores da série de TV da Disney, pra mim: um clássico eterno. No caso, Zorro sempre terá o sorriso do lindo canastrão Guy Williams, ator que interpretou Dom Diego de la Vega. Toda vez que eu lia alguém chamando por “Dom Diego” naquelas páginas, instintivamente eu escutava a voz bonachona do Sargento Garcia. E o sorriso, não menos boboca, de Bernardo era o mesmo... O que é um problema no caso do Bernardo, já que Allende mudou sensivelmente o personagem em comparação com o que víamos na série de TV. Lá, ele era branco, calvo, baixinho, meio barrigudo. No livro, ele é um mestiço indígena, forte, altivo e de longas tranças escuras!!! Mas as diferenças param aí! Bernardo continua o fiel ajudante, disposto a ajudar Diego em todas suas travessuras, como Zorro ou não.




Mas calma lá! Vamos divagar devagar. Do que trata “Zorro – Começo da Lenda”? O título não poderia ser mais claro! É uma longa origem. Allende decidiu contar as 2 primeiras décadas de vida de Dom Diego, retrocedendo ainda uns cinco anos antes de seu nascimento, em 1975, para apresentar ao leitor quem eram seus pais e, principalmente, a família de sua mãe, a índia Regina Maria, ou melhor: Toypurnia e sua avó Coruja Branca. Mas não vamos entrar em detalhes para não estragar mais, afinal, simplesmente saber que Diego é descendente de índios foi uma surpresa agradável para mim.

(Guy Williams, o eterno Zorro, e o criador do personagem Johnston McCulley)

Allende, famosa por ter escrito, entre outros, o livro A Casa dos Espíritos, adaptado com sucesso para o cinema em 1993 (com Jeremy Irons, Meryl Streep, Antonio Banderas e Winona Ryder) é conhecida por seus dramas profundos e questionamentos políticos (já que seu pai era primo-irmão de Salvador Allende, presidente chileno deposto por Augusto Pinochet, em 1973). Portanto, o fato dela anunciar que seu próximo trabalho que viria a ser lançado em 2005 seria um romance de Zorro, um clássico da aventura capa e espada, causou certo burburinho entre os fãs, receosos de não sair a contento. Até entendo os medos, afinal, seu Zorro realmente não é focado previsivelmente na grande aventura que poderíamos e encontramos nesta história.



Todo leitor de Batman sabe que Bob Kane inspirou-se em Zorro para criar seu personagem, afinal eles são realmente muito parecidos: filhos ricos que decidem lutar pela justiça e que escondem sua verdadeira identidade de mascarados na pacata e amofadinha figura de seus alter egos, encapuzados que andam pelas ruas utilizando um animal como totem espiritual, vivendo numa enorme mansão que escondem passagens secretas e acessos para túneis e cavernas excelentes para discretas fugas noturnas. Confesso que ainda não li a obra original de Johnston McCulley para descobrir até que ponto todas essas “coincidências” teriam sido criadas em 1919, mas o livro já foi pedido e assim que chegar e terminar de ler, farei nova resenha. Mas a citação do Batman aqui é mais procurando apontar as diferenças entre os personagens do que a semelhanças. Ao contrário de Bruce Wayne, o jovem De la Veja teve uma infância feliz, fazendo grandes travessuras, brincando e aprendendo entre os índios, inclusive a utilizar arco e flecha, ervas medicinais e a montar cavalo e correr nas grandes pradarias da Califórnia. Não se engane, entretanto, que ele era apenas o que poderíamos chamar de “playboy” hoje em dia, pois aprendeu o que são as injustiças e os mal tratos sofridos pelos irmãos índios que sofriam com a expansão das fazendas brancas, inclusive de seu rude, mas justo, pai. Ao longo dos anos, Diego aventura-se e vai aprendendo os dotes necessários para montar a figura do seu herói, como as experiências circenses que teria com uma família de ciganos que viria a encontrar na Espanha, onde fora completar seus estudos. E em todas essas aventuras, era acompanhado por Bernardo, tratado como seu irmão de leite, já que sua mãe amamentou a ambos, que nasceram na mesma semana. Bernardo inclusive, para quem lembra da série dá Disney, é um mudo que finge também ser surdo para tornar-se cada vez mais invisível para os outros e, assim, tornar-se mais um par de olhos e ouvidos atentos para Diego. No livro, a figura presente de Bernardo é sempre ignorada pelos demais, pois é tratado como um simples servo indígena de Diego e mergulhamos fundo nos dramas do personagem, que tem o incrível dom de se comunicar mentalmente com Diego, mesmo estando separados por um oceano, tão forte é o laço que os une.



São nesses detalhes que Isabel Allende mostra porque seu livro funciona: ela dedica muito tempo elaborando essas questões sociais e os problemas familiares e você acaba querendo descobrir como aquele personagem pode vir a se tornar o Zorro já que seus pais não foram assassinados enquanto era uma criança, como aconteceu com o Batman, e nenhum grande acontecimento pareceu ter sido a página de virada que transformaria profundamente o personagem. Não! As coisas acontecem paulatinamente e assim, o livro ganha ares de uma grande biografia episódica apresentando os vários momentos da vida que um jovem de 20 anos pode acumular.

(Zorro ainda é um pegador feliz... Muito diferente do Batman)

Mas não se enganem com minha resenha até aqui! No livro há muita aventura! Piratas, corsários, grandes travessias no oceano, com tempestades violentas, tramas políticas envolvendo Napoleão Bonaparte e guerrilha espanhola contra o imperador, desafios de esgrima e questões de honra sangrentas, sociedades secretas, paixões arrebatadoras e misticismo indígena e cigano. Cito tudo assim num espirro para não estragar o prazer de sua leitura, pois indico muito o livro. Vocês precisam apenas saber que, no meio de todo esse caminho, descobrimos Dom Diego tornando-se o galante que enfrenta seus vilões com um garboso sorriso nos lábios (muito diferente do sisudo Batman), mas antes disso, antes de se tornar a lenda arrebatadora dos crimes dos vilões e do coração das moçoilas de toda a Califórnia, Dom Diego foi um coitado, desesperadamente apaixonado por uma linda e pura donzela espanhola, por quem suspirava cotidianamente, mas que não tinha coragem de declarar-se. Neste sentido, Zorro de Isabel Allende é uma apaixonante e divertida novela para agradar aos românticos e aos aventureiros de todos os gêneros.

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