Ano que vem
Zorro completa 100 anos! O Personagem foi criado na literatura pulp em 1919,
por Johnston McCulley, e poucos no Brasil devem ter lido sua obra original, que
inclusive está disponível no catálogo da editora Panda Books (A Marca do Zorro,
R$39,90, 328 páginas, 2011). Mas quem,
entre vocês, nunca assistiu a um filme do personagem ou a algum episódio da
famosa série produzida pela Disney entre 1957 e 1959? Eu mesmo me apaixonei
pelo personagem maravilhando-me com esses episódios que passavam na TV Record
em meados da década de 1990.
Uma rápida pesquisa me mostrou
que só na Europa foram produzidos 28 filmes da furtiva raposa (Zorro significa “raposa”
em espanhol”), mais 6 no México e, pelo menos uns 10 nos Estados Unidos, sendo
os dois últimos, de 1998 e 2005, estrelados por Antonio Banderas, que tive
oportunidade de assistir no cinema, o que acentuou minha paixão pelo personagem,
afinal ele não era mais, na minha cabeça, apenas um personagem de reprises
matinais na TV aberta brasileira: era um astro de superproduções com grandes
atores de extremo sucesso, além de Banderas, os filmes eram estrelados por Anthony
Hopkins e Catherine Zeta Jones.
Mas o assunto aqui é o livro “Zorro
– Começa a Lenda”, de Isabel Allende (R$54,9, 420 páginas, 2008, editora
Bertrand). Mesmo tendo um grande carisma pelo personagem, nunca tinha lido nada
dele até recentemente, apesar dos dois livros aqui citados estarem em catálogo
já há bastante tempo... Enfim, nunca é tarde para se começar a ler um livro.
Preciso dizer que, enquanto lia
Allende, todos os personagens reconhecíveis tinham a cara dos atores da série de
TV da Disney, pra mim: um clássico eterno. No caso, Zorro sempre terá o sorriso
do lindo canastrão Guy Williams, ator que interpretou Dom Diego de la Vega.
Toda vez que eu lia alguém chamando por “Dom Diego” naquelas páginas, instintivamente
eu escutava a voz bonachona do Sargento Garcia. E o sorriso, não menos boboca,
de Bernardo era o mesmo... O que é um problema no caso do Bernardo, já que
Allende mudou sensivelmente o personagem em comparação com o que víamos na
série de TV. Lá, ele era branco, calvo, baixinho, meio barrigudo. No livro, ele
é um mestiço indígena, forte, altivo e de longas tranças escuras!!! Mas as
diferenças param aí! Bernardo continua o fiel ajudante, disposto a ajudar Diego
em todas suas travessuras, como Zorro ou não.
Mas calma lá! Vamos divagar
devagar. Do que trata “Zorro – Começo da Lenda”? O título não poderia ser mais
claro! É uma longa origem. Allende decidiu contar as 2 primeiras décadas de vida
de Dom Diego, retrocedendo ainda uns cinco anos antes de seu nascimento, em
1975, para apresentar ao leitor quem eram seus pais e, principalmente, a
família de sua mãe, a índia Regina Maria, ou melhor: Toypurnia e sua avó Coruja
Branca. Mas não vamos entrar em detalhes para não estragar mais, afinal,
simplesmente saber que Diego é descendente de índios foi uma surpresa agradável
para mim.
(Guy Williams, o eterno Zorro, e o criador do personagem Johnston McCulley)
Allende, famosa por ter escrito,
entre outros, o livro A Casa dos Espíritos, adaptado com sucesso para o cinema em
1993 (com Jeremy Irons, Meryl Streep, Antonio Banderas e Winona Ryder) é
conhecida por seus dramas profundos e questionamentos políticos (já que seu pai
era primo-irmão de Salvador Allende, presidente chileno deposto por Augusto
Pinochet, em 1973). Portanto, o fato dela anunciar que seu próximo trabalho que
viria a ser lançado em 2005 seria um romance de Zorro, um clássico da aventura capa
e espada, causou certo burburinho entre os fãs, receosos de não sair a
contento. Até entendo os medos, afinal, seu Zorro realmente não é focado
previsivelmente na grande aventura que poderíamos e encontramos nesta história.
Todo leitor de Batman sabe que
Bob Kane inspirou-se em Zorro para criar seu personagem, afinal eles são
realmente muito parecidos: filhos ricos que decidem lutar pela justiça e que
escondem sua verdadeira identidade de mascarados na pacata e amofadinha figura
de seus alter egos, encapuzados que andam pelas ruas utilizando um animal como
totem espiritual, vivendo numa enorme mansão que escondem passagens secretas e
acessos para túneis e cavernas excelentes para discretas fugas noturnas.
Confesso que ainda não li a obra original de Johnston McCulley para descobrir
até que ponto todas essas “coincidências” teriam sido criadas em 1919, mas o
livro já foi pedido e assim que chegar e terminar de ler, farei nova resenha.
Mas a citação do Batman aqui é mais procurando apontar as diferenças entre os
personagens do que a semelhanças. Ao contrário de Bruce Wayne, o jovem De la Veja
teve uma infância feliz, fazendo grandes travessuras, brincando e aprendendo entre
os índios, inclusive a utilizar arco e flecha, ervas medicinais e a montar
cavalo e correr nas grandes pradarias da Califórnia. Não se engane, entretanto,
que ele era apenas o que poderíamos chamar de “playboy” hoje em dia, pois
aprendeu o que são as injustiças e os mal tratos sofridos pelos irmãos índios
que sofriam com a expansão das fazendas brancas, inclusive de seu rude, mas
justo, pai. Ao longo dos anos, Diego aventura-se e vai aprendendo os dotes
necessários para montar a figura do seu herói, como as experiências circenses
que teria com uma família de ciganos que viria a encontrar na Espanha, onde
fora completar seus estudos. E em todas essas aventuras, era acompanhado por
Bernardo, tratado como seu irmão de leite, já que sua mãe amamentou a ambos,
que nasceram na mesma semana. Bernardo inclusive, para quem lembra da série dá
Disney, é um mudo que finge também ser surdo para tornar-se cada vez mais
invisível para os outros e, assim, tornar-se mais um par de olhos e ouvidos
atentos para Diego. No livro, a figura presente de Bernardo é sempre ignorada
pelos demais, pois é tratado como um simples servo indígena de Diego e mergulhamos
fundo nos dramas do personagem, que tem o incrível dom de se comunicar
mentalmente com Diego, mesmo estando separados por um oceano, tão forte é o
laço que os une.
São nesses detalhes que Isabel
Allende mostra porque seu livro funciona: ela dedica muito tempo elaborando
essas questões sociais e os problemas familiares e você acaba querendo
descobrir como aquele personagem pode vir a se tornar o Zorro já que seus pais
não foram assassinados enquanto era uma criança, como aconteceu com o Batman, e
nenhum grande acontecimento pareceu ter sido a página de virada que
transformaria profundamente o personagem. Não! As coisas acontecem paulatinamente
e assim, o livro ganha ares de uma grande biografia episódica apresentando os
vários momentos da vida que um jovem de 20 anos pode acumular.
(Zorro ainda é um pegador feliz... Muito diferente do Batman)
Mas não se enganem com minha
resenha até aqui! No livro há muita aventura! Piratas, corsários, grandes
travessias no oceano, com tempestades violentas, tramas políticas envolvendo Napoleão
Bonaparte e guerrilha espanhola contra o imperador, desafios de esgrima e
questões de honra sangrentas, sociedades secretas, paixões arrebatadoras e
misticismo indígena e cigano. Cito tudo assim num espirro para não estragar o
prazer de sua leitura, pois indico muito o livro. Vocês precisam apenas saber
que, no meio de todo esse caminho, descobrimos Dom Diego tornando-se o galante
que enfrenta seus vilões com um garboso sorriso nos lábios (muito diferente do
sisudo Batman), mas antes disso, antes de se tornar a lenda arrebatadora dos
crimes dos vilões e do coração das moçoilas de toda a Califórnia, Dom Diego foi
um coitado, desesperadamente apaixonado por uma linda e pura donzela espanhola,
por quem suspirava cotidianamente, mas que não tinha coragem de declarar-se.
Neste sentido, Zorro de Isabel Allende é uma apaixonante e divertida novela
para agradar aos românticos e aos aventureiros de todos os gêneros.
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