Bernardo Aurélio de
Andrade Oliveira
Resumo: As
histórias em quadrinhos são imagens que podem ser lidas como qualquer texto.
Assim como o texto verbal possui um vocabulário e uma gramática, as histórias
em quadrinhos, da mesma forma que os demais textos não-verbais, possuem um
conjunto de elementos que podem ser transcodificados e compreendidos. Quando
apreendida, essa gramática visual pode ser aplicada.
Palavras-chave: texto verbal, texto não-verbal,
gramática, história em quadrinhos, escola.
INTRODUÇÃO
Recentemente
recebi uma proposta de fazer um minicurso sobre histórias em quadrinhos (HQs)
dentro da programação de uma semana de história de uma Faculdade em Teresina.
Meio receoso, porque nunca havia ministrado algo com 20 horas/aula de duração,
aceitei a proposta. O primeiro passo foi folhear alguns dos livros que tenho e
que já li sobre o tema abordado: Quadrinhos como linguagem, recurso didático e
objeto de pesquisa. Procurei também alguns textos que já havia produzido ou
auxiliado na produção, procurando elaborar meu próprio material a ser trabalho
em sala de aula. Eis-lo aqui! Divirtam-se!
O título
deste texto, e do referido minicurso, sugere a linha que deveremos percorrer em
nossa discussão, partindo do pressuposto dos quadrinhos como linguagem,
entretanto, precisamo ter como ponto inicial uma simples definição: o que são
história em quadrinhos? Segundo Scott McCloud, em “Desvendando os Quadrinhos”,
tratam-se de “imagens pictóricas e outras justapostas em sequencia deliberada
destinadas a transmitir informações e/ou a produzir uma resposta no espectador”
(2005. pg 09). Na verdade, Scott tentou esmiuçar o termo “arte sequencial” ,
criado por Will Eisner em seu livro “Quadrinhos e Arte Sequencial”, que é um
estudo básico para qualquer discussão sobre quadrinhos hoje em dia. Scott e Eisner construíram a base teórica
ocidental dos quadrinhos.
Partindo
desta definição, as HQs são bem mais que apenas as revistinhas que encontramos
nas bancas de jornais. Scott cita, entre vários outros exemplos de quadrinhos,
as pinturas rupestres das cavernas, manuscritos pré-colombianos incas e maias,
a Coluna de Trajano, as pinturas e os hieróglifos egípcios, as ilustrações que
acompanhavam os trovadores medievais e, por fim, às publicações que surgiram
com a evolução da imprensa no século XIX.
Todas essas
imagens, da pré-história à idade moderna, eram arte sequencial, ou seja “um
conjunto e uma sequencia. O que faz do bloco de imagens uma série é o fato de
que cada quadro ganha sentido depois de visto o anterior; a ação contínua
estabelece a ligação entre as diferentes figuras. Existem cortes de tempo e
espaço, mas estão ligados a uma rede de ações lógicas e coerentes” (MOYA. 1977.
pg 110).
As HQs, como
as conhecemos hoje, são frutos da revolução industrial, da imprensa, e da
comunicação de massa. Elas tornaram-se um produto publicado dentro dos jornais,
depois ganharam espaço próprio (revistas e livros) e, por fim, foram aceitas
como arte, tendo sido reconhecidas seus elementos próprios de linguagem e
comunicação.
Uma
curiosidade importante é a denominação que damos para os quadrinhos ao redor do
mundo. Nos Estados Unidos os primeiros quadrinhos eram tiras de humor que
tinham no cômico sua principal ferramenta. Por isso, os quadrinhos foram
chamados de Comic por lá, e assim são denominados até hoje. Na Itália são
chamados de fumetti, que significa fumaça, que na verdade são os balões
que saem da boca dos personagens onde estão suas falas. No Brasil e na Espanha
eles são chamados por um nome que eram títulos de uma publicação do gênero que
ficaram famosas na primeira metade do século XX, respectivamente Gibi e TBO. Em
Portugal e vários outros países da Europa, são chamadas de Banda Desenhada, porque
“banda” é como são chamadas as pranchetas ou páginas utilizadas para o desenho.
Mangá, o termo para quadrinhos em japonês significa algo parecido com o comic
norte-americano. Trata-se de dois kanjis que se traduzem como “desenho
humorístico”.
É importante
que saibamos que quadrinhos são uma arte em si, da mesma forma que cinema é
cinema e teatro é teatro, exatamente por causa de seus elementos linguísticos.
Digo isso por causa de um mal entendido muito comum, os que pensam que
quadrinhos são literatura. Não! Quadrinhos possuem uma linguagem verbal e
não-verbal. Vejam o que diz Paulo Ramos:
Chamar quadrinhos de
literatura, a nosso ver, nada mais é do que uma forma de procurar rótulos
socialmente aceitos ou academicamente prestigiados (caso da literatura,
inclusive a infantil) como argumento para justificar os quadrinhos,
historicamente vistos de maneira pejorativa, inclusive no meio universitário.
Quadrinhos são quadrinhos. E,
como tais, gozam de uma linguagem autônoma, que usa mecanismos próprios para representar
os elementos narrativos. Há muitos pontos comuns com a literatura,
evidentemente. Assim como há também com o cinema, o teatro e tantas outras
linguagens.(RAMOS. 2009. pg 17).
Essa questão
levantada por Ramos é recorrente porque quadrinhos ainda estão firmando sua
condição de arte. É bastante comum em editais de apoio à cultura, ou mesmo nos
PCN, os quadrinhos serem avaliados como literatura. Essa confusão se dá,
basicamente porque quadrinhos são considerados um gênero literário, como o
conto e a poesia. Outro fator que incentiva essa confusão são as adaptações de
obras literárias para os quadrinhos. Da mesma forma que o cinema adapta um
“Bras Cubas” de Machado de Assis e continua sendo cinema, uma história em
quadrinhos que adapta a mesma obra continua sendo quadrinhos, e não literatura.
A LINGUAGEM DOS
QUADRINHOS
Certo,
quadrinho é arte sequencial. É narrativa gráfica. Isso quer dizer que são
imagens ligadas entre si através de cortes que dão a impressão de continuidade
entre elas. Essa continuidade é o que dá narrativa e noção de tempo e espaço
aos quadrinhos.
É
fundamental entendermos um dos pontos que considero dos mais importantes nos
quadrinhos, que é o que há entre essas imagens sequenciadas, chamado de
“entre-quadros” ou “calha”. Esse espaço entre as imagens, às vezes (na maioria
delas), é bem definido por uma diagramação, ou lay-out, clássicos, onde os
quadros estão bem divididos sobre um fundo branco. Às vezes o requadro, o
“quadrinho” em si, nem existe, pois as imagens são articuladas de maneira a
apenas sugerir este entre quadros invisível, como em uma cena de caça numa
pintura rupestre que se estende por toda uma parede dentro de uma caverna: imagens
seqüenciadas que narram uma história em momentos diferentes, mas que não possuem
o quadrinhos em si, porque o entre quadros, o que divide um momento do outro,
esse instante invisível que construímos em nossas cabeças, é mais importante do
que a linha que forma o requadro, o quadrinho, o recorte. Enfim, é neste
espaço, nesta calha, que acontece um processo fundamental na cabeça do leitor:
o movimento, a transação, a percepção do tempo e do espaço. O leitor cria isso.
Ele precisa compreender o que acontece aí. Mentalmente, o quadrinho se
transforma em algo parecido com um filme, principalmente quando podemos
imaginar o som das coisas também.
O som nos quadrinhos possuem um elemento
muito forte, que são as onomatopéias: BUM! CABRUM! CRASH! SMAC! Essas coisas...
Já pararam para pensar em como funciona a leitura desse som em nossas cabeças? Como
esse som que é produzido e impresso numa folha de papel e executado por nós? O
som ambiente de uma rua? O burburinho das pessoas num local cheio de gente? A
voz fanha ou grave de um personagem? A música que toca e cria atmosfera? Essas
coisas existem nos quadrinhos e nós, como leitores, precisamos perceber isso
para consumirmos plenamente sua narrativa.
As onomatopeias são
representações de sons que, normalmente não conseguimos pronunciar. Dessa
forma, um “BUM!”, que significa uma explosão dentro deste vocabulário sonoro
que conhecemos, representa bem mais que um simples “BUM”. E experiência
estética só é completa se reconhecermos as potencialidades que esse som pode
representar, se tivermos e pudermos acionar nossa memória sonora. Em nossa
cabeça, esse “BUM” terá a força de uma pequena explosão de espoleta ou de uma bomba
atômica principalmente devido à forma como a onomatopéia assume como imagem. É
a forma do desenho da onomatopéia que nos fornecerá elementos para interpretarmos
o som que elas representam. Da mesma forma se dá com o texto falado. Vejam essa
ilustração de Will Eisner:
Percebem
como a fonte utilizada no texto é fundamental para transmitir um sentimento que
o personagem expressa? Claro que a contextualização do desenho do personagem é
importante para entendermos a mensagem, mas eu posso interpretar o que vejo da
seguinte forma: O velho tem ódio e terror nos olhos. Está amaldiçoando alguém.
Você percebe que o velho está sangrando, da mesma forma que suas palavras.
Palavras que, dispostas da maneira que estão, ocupando o espaço do mesmo
tamanho do personagem, todas caixa alta, fazem parecer que ele está gritando,
com uma voz tremula e medonha, mesmo com a ausência do balão.
Como eu
dizia, quadrinhos são essencialmente imagens, claro que, na maioria da vezes,
as imagens são seguidas de textos verbais. Essas imagens podem ser desenho,
pintura, gravura, fotografia, uma série de coisas. A forma como elas são
ordenadas, objetivando narrar algo, é o que torna essas imagens uma história em
quadrinhos. Essas imagens criam textos não verbais. Muitas HQs não possuem
letras, por isso é necessário entender o texto, a mensagem que é transmitida,
através, unicamente, da imagem. É importante educar o leitor, familiarizando-o
com a interpretação das imagens.
O
relacionamento dessas imagens exige do leitor experiências que o permitam
compreender as imagens. É sabido que as pessoas só reconhecem imagens se lhes
for fornecido uma bagagem cultural que o permita interpretá-las. É preciso
ensinar ao leitor sobre o que ele está vendo. Ele entende o que vê numa página
de quadrinho? Que interpretação ele é capaz de fazer? Interpretar quadrinho é
interpretar textos.
O processo
de leitura de um texto pode acontecer naturalmente quando o leitor observa ou
atenta com cuidado um determinado objeto. Pressupondo que este objeto seja
entendido como um texto, nossa mente, com esforço e ferramentas certas, é capaz
de decodificar elementos que o compõe e então nós poderemos entender sua
mensagem. Esse processo é bem simples de compreender quando o objeto em si
trata-se de um texto verbal, pois normalmente estamos familiarizados com a
gramática e seus ícones fonéticos que compreendemos desde o início de nossa
alfabetização. Mas isso também acontece quando tentamos entender uma imagem que
não seja notoriamente uma letra de um vocabulário conhecido, podendo ela ser um
desenho, uma pintura ou uma fotografia, ou mesmo um gesto, um movimento. Essa
imagem trata-se de um texto não-verbal.
Compreender
uma imagem requer conhecer também os ícones de sua gramática específica, mas
qual a gramática de um texto não-verbal? Ela existe? Pode existir? Entendemos
que sim, entretanto, não buscamos definir uma gramática completa do texto
não-verbal. Precisamos entender a construção e o desenrolar da linguagem das
histórias em quadrinhos (HQs), compreender sua narrativa, seu tempo, e a
espacialidade que essas obras nos apresentam. Entender o processo de leitura de
textos que praticamos ao folheá-las.
Para que
compreendamos esses mecanismos é preciso que formalizemos uma gramática da
imagem. Necessariamente uma gramática mais flexível que qualquer outra, afinal,
o texto não-verbal, a imagem pictórica, por mais concreta que seja, ainda
permite uma gama variável de interpretações, pois seus ícones não são tão
fáceis de si identificar como uma letra “a”.
As letras de
um texto são imagens, mais precisamente “signos lingüísticos”. A imagem que
forma a letra “a” pode não dizer muita coisa de forma isolada, sem
contextualização ou conceito maior que o da própria fonética, mas quando estes
signos unem-se a outros, formam um significado mais amplo. A leitura destes
textos produz, na maioria dos casos, um resultado imagético, o leitor consegue
visualizar mentalmente o que o texto descreve. O texto é um código que precisa
ser interpretado. Quando escrevemos, codificamos. Quando desenhamos, também.
Existe uma
proximidade muito grande entre escrever e desenhar, entretanto, é
impressionante o número de pessoas que possuem uma caligrafia belíssima, mas
não sabem desenhar um “olho”. Você já tentou desenhar um “a” bem grande numa
folha? Não é tão simples como possa parecer. Para muitos desenhistas é muito
mais fácil fazer um “olho”. Escrever é como desenhar. A letra é um desenho,
formados de linhas ou pinceladas.
Fig. 01
Como você pode simplesmente identificar o
conjunto de linhas acima como o fonema “a”? Como você imagina um som partindo
de algo tão simples? Da mesma forma, ao observarmos as imagens abaixo,
identificamos elementos, transcodificamos a mensagem e entendemos o “olho”.
Fig. 02
Qual dessas
imagens possui mais informações? Qual a mais difícil de ser compreendida? A
primeira, uma imagem/texto verbal, exige o conhecimento da gramática para ser
decodificada. As duas seguintes, imagens/textos não-verbais, necessitam de
outro conhecimento para também serem traduzidas, entretanto, em todos os casos
é preciso linguagem para que sejam produzidas. A linguagem influencia muito a
informação. No exemplo em questão, a palavra, o desenho e a fotografia abordam
o mesmo tema, entretanto, por se tratarem de linguagens diferentes, é
impossível determinar qual é mais difícil de compreender ou qual possui mais
informações, porque isso depende do leitor.
Alberto
Manguel, autor do livro “Lendo Imagens”, nos adverte de que todo texto é
preconcebido em imagens do autor, que todo processo de pensamento requer
imagens (2006. Pg. 21), o que reforça nossa compreensão de que os textos
verbais podem ser sempre visualizados em outros códigos que não a própria
“letra”. Manguel afirma ainda que “a existência se passa em um rolo de imagens
que se desdobra continuamente” (2006, p. 21).
Will Eisner,
em seu livro “Quadrinhos e Arte Seqüencial”, nos revela a relação direta entre
as representações fonéticas em suas imagens:
As palavras são feitas de
letras. Letras são símbolos elaborados a partir de imagens que têm origem em
formas comuns, objetos, posturas e outros fenômenos reconhecíveis. Portanto, à
medida que o seu emprego se torna mais refinado, elas se tornam mais
simplificadas e abstratas (EISNER., 2001, p.14).
Para
exemplificar melhor, ilustra a citação:
Fig.03. Eisner. 2001. p. 15
Se pudermos
entender a proximidade dessa relação entre o texto escrito e a “realidade” em
si que a originou, se entendermos que todas as imagens criadas são apenas
representações de uma realidade codificada, poderemos então fazer também o
processo inverso e entender como esses textos não-verbais podem ser
interpretados e poderemos ensinar às pessoas a aprenderem a ler as informações
contidas nas imagens não-verbais.
Nos casos
acima, podemos entender como a imagem de um homem de joelhos pode ser
interpretado como um “símbolo básico de devoção”. Entretanto, Eisner também nos
lembra (2001, p.15) que um homem de joelhos também pode significar um pedido de
clemência ou de casamento. O que nos leva à considerar sempre o contexto da
imagem (texto não-verbal), da mesma forma que acontece com o texto verbal.
Como bem
sabemos, a gramática é um manual de normas e regras que estuda a relação entre
as palavras e seus significados e ela é fundamental para qualquer texto,
entretanto, no processo de comunicação, há controvérsias quanto a sua
importância. Muitas pessoas, a grande maioria delas na verdade, se comunicam
sem entender realmente como essa gramática funciona, mas ela existe e se adapta
com o passar dos tempos, das relações e das formas de expressões. Traduzir
estes textos verbais, ou melhor, transcodificar a mensagem das letras para um
outro meio, para um meio imagético, é um processo que precisamos fazer cotidianamente
se quisermos nos comunicar: transformar o verbal em não-verbal. É mais preciso
que visualizemos a mensagem do que entendermos como sua gramática funciona.
É comum
alguém dizer que determinado texto é tão plenamente descritivo que chega a ser
fotográfico. Ler é como estar vendo. Essa pessoa consegue visualizar o texto
porque possui as ferramentas adquiridas durante sua vida que o permite
interpretar os códigos. “Só podemos ver as coisas para as quais já possuímos
imagens identificáveis, assim como só podemos ler em uma língua cuja sintaxe
gramática e vocabulário já conhecemos” (MANGUEL, 2006, p. 27). Se se lê “minha
terra tem palmeiras onde canta o sabiá” e caso o leitor não conheça um sabiá,
ele não poderá fazer uma leitura correta do texto, pois talvez ele sequer saiba
que se trata de um pássaro. Pode até deduzir. Mas que pássaro é este? Da mesma
forma, alguém pode ver uma foto de um pássaro e dizer apenas ser um pássaro
dentre tantos que existem, ele não reconhece que aquele é um sabiá. A informação,
em ambos os casos, estará incompleta.
A gramática
nos ensina a interpretar de alguma maneira o texto e, como já sabemos, a letra
é uma imagem, mas o texto também está presente em outras imagens, seja ela uma
pintura, uma fotografia ou um desenho. Baseando-nos nessa proximidade do texto
escrito e visual, esta gramática da língua pode nos ajudar a ler essas outras
imagens? Será necessário ou possível criar uma gramática visual, diferente da
verbal?
Will Eisner
aborda curiosamente esta questão num exemplo claro desta gramática visual:
A descrição da ação nesse
quadro pode ser esquematizada como uma sentença. Os predicados do disparo e da
briga pertencem a orações diferentes. O sujeito do “disparo” é o vilão, e
Gerhard Shnobble é o objeto direto. Os vários modificadores incluem o advérbio
“Bang, bang” e os adjetivos da linguagem visual, tais como a postura, o gesto e
a careta.
O segundo quadro conclui o
subenredo, e novamente usa a linguagem do corpo e a organização do padrão
gráfico para delinear os predicados. (2001, p. 10)
Fig.04. Eisner. 2001. p. 09
Trata-se de
uma análise sintática da imagem, colocando cada termo ou elemento do texto em
sua exata posição. Eisner provou que isso é possível em uma história em
quadrinhos que, afinal, possui narrativa textual, tempo, ações, orações por
assim dizer. Entretanto, esta aplicação ainda é superficial na interpretação de
uma imagem, mas nos possibilita reconhecer os elementos necessários para uma
boa comunicação.
Um dos
elementos básicos dos quadrinhos são os balões. Paulo Ramos diz o seguinte:
O balão (...) possui dois
elementos: o continente (corpo e rabicho/apêndice) e o conteúdo (linguagem
escrita ou imagem. O continente pode adquirir diversos formatos, cada um com
uma carga semântica e expressiva diferente. A chave para entender os diversos
sentidos está na linha que contorna o quadrinho (...) O efeito é obtido por
meio de variações no contorno, que formam um código de sentido próprio na
linguagem dos quadrinhos. As linhas tracejadas sugerem voz baixa ou sussurro. A
forma de nuvem revela o pensamento ou imaginação da figura representada. O
sentido dos traços em ziguezague varia conforme o contexto situacional. Podem
indicar, por exemplo, voz alta, gritos, sons eletrônicos (2009. Pg 36).
Dessa forma, o balão torna-se um recurso
comunicativo muito rico e que pode se apresentar de diversas maneiras,
inclusive dando ao quadrinista a possibilidade de criar variações de balões para
as mais diversas necessidades. Observem essa imagem do personagem Spawn:
Percebam que o Spawn é medonho,
assustador. O rosto lembra uma caveira. O uniforme é agressivo e a postura
parece colocar o personagem em cena. É teatral. Isso é importante para
imaginarmos que tipo de voz ele pode ter. O balão nos ajuda bastante, pois
possui um contorno grosso e escuro, isso nos passa uma impressão de voz densa e
grave. Ele está dizendo: “Someone’s going to die for this!!” (Alguém irá morrer
por isto!!). Percebam que “DIE” e “THIS” estão bem destacados. Então, quando lemos
isso, juntando todas essas informações, imaginamos uma voz gutural, cavernosa.
E ele está furioso e vai matar alguém por causa disso, sendo inclusive bem
enfático no “die”. O texto nos dá uma indicação de intensidade nesse momento
exato da fala. É importante perceber que muitos balões trazem certas palavras
grifadas ou em negrito. Trata-se de uma pista para como devemos ler certas
falas.
QUADRINHOS EM SALA
DE AULA
Como usar
quadrinhos em sala de aula? Melhor: porque usar quadrinhos em sala de aula? Um
fato é inegável: os quadrinhos estão nos livros das escolas, principalmente nos
de gramática, redação e história. Não que não possa ser usado em outras
disciplinas... Depende de como o professor se relaciona com os quadrinhos, mas
vamos devagar...
Waldomiro
Vergueiro, no livro Quadrinhos na Educação, diz o seguinte:
A última virada do século (representou o coroamento de uma
nova fase para as histórias em quadrinhos no Brasil (...) Por um lado,
gradativamente elas passaram a ser entendidas pela sociedade não mais como
leitura exclusiva das crianças, mas, sim, como uma forma de entretenimento e
transmissão de saber que podia atingir diversos públicos e faixas etárias. Por
outro, paulatinamente deixaram de ser vistas de forma pejorativa ou
preconceituosa, inclusive nas áreas pedagógicas e acadêmicas (...) Tais
publicações eram interpretadas como leitura de lazer e, por isso, superficiais
e com conteúdo aquém do esperado para a realidade do aluno. Dois dos argumentos
muito utilizados é que geravam “preguiça mental” nos estudantes e afastavam os
alunos da chamada “boa leitura”. (2009. pg.9)
Muitas
dessas críticas contra os quadrinhos se devem porque no início da década de
1950 o Dr. Fredric Wertham publica o livro “Sedução do Inocente”, baseado em
sua tese associativa de que os quadrinhos estavam ligados a um grande número de
crimes ou criminosos. Inicia-se “a caça às bruxas” pragmática durante todo o
macarthismo, que lutava contra itens considerados subversivos na comunidade
norte-americana. Essa política de fogueiras contra a leitura das crianças marca
de sobremaneira todo o tratamento dado durante quase toda a segunda metade
daquele século: a escola, a família, a igreja, o governo, todos condenam essas
publicações com medo de que seus filhos tornem-se delinqüentes a partir da
leitura. As conseqüências disso para a educação foram enormes e ainda são
sentidas até hoje, quando muitos ainda não se desapegaram da imagem negativa
que foi divulgada naquele período. (RAMA E VERGUEIRO, 2005, p.13).
Somente
nas últimas décadas do século XX foi que, com o desenvolvimento das ciências da
comunicação e dos estudos culturais, os veículos de comunicação de massa
passaram a ser entendidos com suas próprias linguagens. Na Europa, passa-se a
utilizá-las como parte do processo de aprendizado em História, por exemplo, e
na China, Mao Tse-Tung utiliza-a de forma ideológica na educação de uma nova
nação, com quadrinhos militares baseados em modelos de vida exemplares. (RAMA E
VERGUEIRO, 2005, p.20).
Mas também há outra tese sobre o porquê
dos quadrinhos já terem sido o principal culpado pela delinqüência
infanto-juvenil: as HQs já foram o principal produto de consumo de massa para
entretenimento desse público. Hoje, os pais, as Ligas das Senhoras Religiosas e
as Associações dos Bons Modos ao redor do mundo culpam a TV e a Internet. Menos
mal pra gente que curte quadrinhos. Em compensação, os quadrinhos resumiram-se
a um público exponencialmente inferior ao que era nas décadas de 40 a 60 do
século passado. O mercado encolheu, mas a arte dos quadrinhos concretizou-se em
outros gêneros e, talvez, por isso mesmo, por esse redirecionamento do mercado,
os quadrinhos puderam experienciar por outras
áreas sem grandes preocupações.
O
fato é que, da década de 1990 pra cá, de acordo com Rama e Vergueiro (2005,
p.21), no Brasil, experiências sutis mostraram a boa aceitação dos quadrinhos
em paradidáticos nos primeiros níveis de ensino. Aos poucos, várias disciplinas
foram submetendo-se à tentativa e todas se revelaram positivas. Nos primeiros
anos da década de 1990, as HQs tornam-se oficialmente reconhecidas pela LDB
(Lei de Diretrizes e Bases) e pelos PCN’s (Parâmetros Curriculares Nacionais),
que explicavam como os quadrinhos auxiliavam a educação, afinal, os estudantes
querem ler os gibis; palavras e imagens ensinam de forma mais eficiente,
incentivam o hábito da leitura, enriquecem o vocabulário, obrigam o leitor a
pensar e imaginar.
Vamos pensar
um pouco sobre por que é fácil para um professor utilizar música ou filme em
sala de aula? Porque os professores são familiarizados com o meio. Vocês,
professores são educados para assistirem filmes e conseguem imaginar qual é o
melhor para tratar de determinado assunto, mas vocês, de modo geral, não
conhecem quadrinhos além da Mafalda, da Mônica, do Homem-Aranha e meia dúzia de
outros super-heróis. Às vezes é difícil imaginar como utilizá-los. Eu sou
professor de história e tenho algumas facilidades com isso, pois consigo fazer
uma discussão histórica lendo “A Morte do Super-Homem”, por exemplo, um
quadrinho banal, feito para engordar o cofre da editora, mas que pode ser lido
como uma crítica ao estilo de vida norte-americano, porque isso é uma das coisas que podemos
interpretar do símbolo que é o Super-Homem.
A questão é: os professores que
querem usar quadrinhos em sala de aula tem o hábito da sua leitura? Só
poderemos utilizar quadrinhos na sala de aula se os professores lerem
quadrinhos da mesma forma que lêem aos filmes e às músicas, porque tudo isso
também são textos. Eu não tenho muitas dicas a dar para um professor de
matemática, por exemplo. O professor de matemática tem de ler quadrinhos,
conhecer a sua linguagem para daí extrair exercícios úteis dos quadrinhos em
sala de aula. Mas vamos para algumas dicas no ensino de história. Vergueiro
(2005, p.105) sugere:
O
ensino de História em sala de aula pode ser facilitado com os recursos dos
quadrinhos. Primeiramente, o alunado deve ser apresentado a noções de tempo
utilizadas nas estórias, se acontecem no presente, passado ou em um futuro
remoto. Deve ser trabalhada a relação temporal apresentada em cada quadro
(ações representadas no desenho) e entre cada quadro.
Buscando
analisar o conteúdo de cada estória, o professor pode encontrar temas locais e
universais para abordar, pois os gibis apresentam temas variados, contam
histórias de guerras, de acontecimentos importantes, de personagens marcantes,
assim como apresentam estórias do cotidiano, das minorias, entre outras.
A
análise historiográfica de um gibi conta muito sobre a História, a partir de
dois focos principais: retrato do período temporal em que a estória se passa e
o momento em que a HQ é feita. Em verdade, a maioria das HQs revela bem mais
sobre o momento em que foram produzidos, toda a conjuntura e o contexto que
levaram aquela história a ser contada daquela forma. Um ótimo exemplo disso é a
coleção de revistas “Asterix”, que retrata bem o momento do expansionismo
romano, mas que também sempre traz à tona a leitura de mundo contemporânea dos
franceses (criadores do título) sobre todos os personagens de outros países que
aparecem nas histórias, assim, os ingleses serão sempre frios e metódicos, por
exemplo.
Posso
citar aqui que existem uma grande variedade de quadrinhos baseados em momentos
históricos: Gen – Pés Descalços (sobre Hiroshima e Nagasaki), Palestina – Na
Faixa de Gaza, Pindorama – A outra história do Brasil, Maus (sobre judeus na 2ª
Guerra), 300 de Esparta, Persepolis, várias publicações da editora Escala.
Enfim, há uma grande variedade, inclusive de adaptações literárias que também
são uma ótima fonte de análise histórica. A exemplo do Piauí, recentemente
lançamos Foices e Facões – A Batalha do Jenipapo, de minha autoria, junto com
meu irmão Caio Oliveira.
Também
existem HQs biográficas, ou semi biográficas, fonte inquestionável de
conhecimento histórico. Analogias como as encontradas em “X-Men”, onde mutantes
com poderes geneticamente evoluídos são vítimas de fortes preconceitos,
nasceram da real discriminação que várias minorias norte-americanas sentiam na
década de 1960.
O
professor de história, numa ação interdisciplinar, unindo esforços com
professores de redação e arte-educação, ainda pode solicitar de seus alunos que
eles produzam sua própria história em quadrinhos sobre um fato do conteúdo
trabalhado na sala de aula. O processo de criação desse gibi será muito
produtivo e os alunos aprenderão bastante sobre o assunto abordado.
Não
quero aqui fazer uma longa exposição de exercícios em sala de aula. Imagino
que vocês entendam o quão importante os quadrinhos são e aprendam a conhecê-los
e a utilizá-los em sala de aula. Agora se vocês não sabem o quanto eles são
importantes informem-se compreendendo o seguinte: são obras de arte. Não vá
questionar os valores das artes e tentar descobrir se uma é menor que a outra.
No mundo “pós-moderno” isso é impossível. Entenda que quadrinhos são arte e que
muita gente gosta de lê-los por que são mais acessíveis e mais rápidos de
compreender, na maioria das vezes. Mas se você não conhece bem quadrinhos e
hoje imagina que se tratam apenas de super-heróis e turma da Mônica, nós temos
um problema. Vá ler!
QUADRINHOS COMO
OBJETO DE PESQUISA
A
Escola dos Annales, ou Nova História, surgiu no final da década de 1920,
na França, e durante várias gerações de estudiosos, como Marc Bloch, Lucien
Febvre e George Duby, trouxe à academia a possibilidade de um estudo científico
em um terreno virgem, pouco ou desconsiderado anteriormente pela história
positivista ou marxista: tratava-se do campo sócio-cultural. A construção
histórica, que antes era feita baseada em uma concepção política e econômica,
tinha agora um vasto leque de caminhos para percorrer sobre assuntos e
abordagens novas ou não. Foi partindo desta concepção que autores como Carlo
Ginzburg, no livro O Queijo e os Vermes, puderam expor sua visão
renovadora sobre a História.
No
livro de Ginzburg encontra-se não apenas a valorização das minorias como
sujeitos históricos, mas a representação do mundo e do seu tempo através do
pensamento e da experiência de um único homem. Paralelo a isto se tem a
participação da história das mentalidades. O Queijo e os Vermes trata da
vida de um moleiro que se chocou contra a Igreja Católica medieval devido a
suas teses sobre a vida, o mundo e Deus. Dessa forma, Ginzburg mostrava que a
classe nobre ou clerical não era a única detentora do conhecimento e da
verdade, colocando em cheque o tradicional ensino da história.
Minha trabalho de conclusão de curso, Os
Quadrinhos pós-68, parte de uma concepção
semelhante, que apenas a Nova História poderia ter aberto o caminho. É bem
verdade que devido às concepções da escola novista, as histórias em
quadrinhos ganharam um pouco de notoriedade naqueles mais abrangentes e
completos livros da historiografia ou imprensa moderna, devido à crescente
utilização da história material e cultural, mas a participação desta arte,
historicamente falando, ainda está longe de ser a merecida. As histórias em
quadrinhos são tão ignoradas que até mesmo em volumosos livros sobre História
da Arte nada mais que alguns parágrafos são dedicados ao movimento Pop-Art, que
teria sido influenciado pelos comics norte-americanos, apenas isso.
Poderia
colocar que o elemento que norteou meu TCC foi apenas a tentativa de reformular
o conhecimento existente, apregoando a importância histórica dos quadrinhos,
mas busquei algo além disso. Construí-o a partir da necessidade de mostrar as HQs
como parte de uma história iconográfica amplamente desconhecida do ponto de
vista artístico e histórico. Utilizei desta produção cultural como fonte de
pesquisa, para a compreensão de uma sociedade ou de indivíduos que nela
viveram. Entendi o quadrinho como importante fonte na construção de um quadro
histórico, mais especificamente o quadro político-cultural da geração pós-68.
Na
verdade, o eixo do meu trabalho foi compreender o universo político e cultural
que vivenciaram os quadrinistas da geração pós-68. Foi estudar, analisar e, a
partir daí, construir o quadro social do momento.
A
escolha do ano de 1968 explica-se devido representar, não apenas no Brasil, mas
também em vários outros locais do mundo, como França e Alemanha, um período de
intensa busca de novas referências político-ideológicas. Representa um fenômeno
histórico que se construía há décadas e de vastas proporções, que buscava
mudanças sociais bastante significativas. É com base no espírito deste momento
tão fortemente característico, do qual culminou tamanhas manifestações, que me debrucei
sobre para saber como ele influenciou sua nova geração, ou seja, saber qual a
herança de “68”, passando desde as tumultuadas manifestações políticas até
sobre seus desdobramentos, nos planos dos costumes e da cultura.
Tinha
como pretensão estudar o universo cultural dessa geração, ou seja, o estudo dos
movimentos que nortearam a vida de tantos no período, como a contracultura, o
Tropicalismo, a jovem guarda, entre outros, e suas reverberações em diversos
tipos de arte, sejam literárias, plásticas ou cinematográficas, por que é
extremamente importante esta compreensão do contexto artístico.
Mas
eu precisava de um recorte específico. Meu objeto de pesquisa não poderia ser
todo e qualquer tipo de quadrinhos produzidos nesse período. Escolhi três
pessoas quadrinistas: Amauri Pamplona, Arnaldo Albuquerque e Antonio Amaral.
São artistas que produziram muito, principalmente Amauri, autor 87 revistas
intituladas O Grelo, 12 livros de cartuns e de Hai Kais. Em seu
material, por a enorme maioria ser inédita até hoje, encontra-se muita
informação sem medo de censura ou represálias sobre o período de ditadura
militar brasileira. Arnaldo publicou no ano de 1977, ainda em um regime
ditatorial, a revista Humor Sangrento, que é a primeira
publicação do gênero no Piauí. E Amaral, artista plástico, reconhecido
internacionalmente por sua revista Hipocampo.
Amauri
Gonçalves Pamplona Machado nasceu em 1942, é carioca, filho de mãe piauiense,
residente em Teresina desde 1984. Viveu a década de 1960 com maturidade
suficiente para entender o que aconteceu em 1964 e 1968. Reflexos dessas datas
são percebidos em sua produção já em 1967, em suas poesias, ou em 1969, com a
história em quadrinho (hq) Batalhas de Machões, além dos mais de oitenta
títulos do O Grelo, na década seguinte.
Arnaldo
Albuquerque, nascido em 1952, era muito jovem durante 1964/1968, mas amadureceu
na década de 1970 revelando um talento nato para retratar o Brasil, mais
particularmente o Piauí, em um período tão marcante. Engajou-se culturalmente e
produziu quadrinhos (Humor Sangrento), shows (Piau e Udigrudi, que contou com a
primeira participação de Maria da Inglaterra e Lena Rios), filmes (Adão e Eva
do Paraíso ao Consumo, Terror na Vermelha - junto com Torquato Neto), animação (Carcará Pega Mata e
Come), jornais (mimeografado Gramma, A Hora Fa-Tal), telas,
ilustrações...
Antonio
de Pádua Amaral, nasceu em 1962, ainda era criança na década de 1960, cresceu
nos anos 1970 e na década de 1980 começou a produzir material de qualidade,
como ilustrações para o mimeografado O Osso, que fazia críticas políticas e
sociais no final da ditadura militar. Mais tarde, em 1994, lançaria a
Hipocampo, importante título na história das histórias em quadrinhos do Brasil
ou mesmo no mundo.
Uma
curiosidade que acabou se revelando fundamental para a realização do meu TCC
foi a diferença de uma década de vida
entre o Amauri e Arnaldo e entre Arnaldo e Amaral, o que deu a todos
perspectivas e manifestações diferentes durante o período de chumbo brasileiro.
Enquanto Amauri vê e vive o golpe militar e o ano de 1968 com bastante
intensidade, Arnaldo concretiza-se como artista no auge da ditadura e Amaral
representa melhor o momento de abertura política, sentindo mais as conseqüências
da ditadura.
Como
pode ser percebido, meu trabalho não se limitou apenas a analisar as obras
destes artistas, como também estudar seus próprios autores, suas vidas,
utilizando-os como objeto de estudo, como fonte de pesquisa para entender a
sociedade da época. O estudo do autor e obra, melhor dizendo, do quadrinista,
permitiu um maior aprofundamento do período e o trabalho ganhou um aspecto um
tanto biográfico, buscando o entendimento e compreensão de um recorte temporal
a partir da vida de determinadas pessoas.
A
historiografia já provou que isso é possível, partindo do entendimento de que
uma pessoa é fruto de seu tempo e que isto também é reciprocamente verdade.
Entretanto, enfatiza-se o fato de não se tratar de uma biografia comum. O que
se fez foi um retrato interligado entre as pessoas e a sociedade onde viveram;
um recorte temporal que uniu indivíduo ao grupo; deixar claro qual a ligação
entre iniciativa pessoal com necessidade local3,
ou seja, quais as condições político-culturais em voga que levaram os artistas
a produzirem sua arte.
Para
compreender a conjuntura político-cultural [de determinado momento], seria
preciso articulá-la com as trajetórias pessoais. Micro e macroestrutura
condicionando um processo de elaboração ética coletiva e individual, combinada
a uma prática política. Um programa revolucionário que emerge como manifestação
de uma identidade construída para além da dimensão política.
Daniel
Aarão Reis adverte sobre a construção de uma história político-cultural, sobre
a necessidade da abordagem pessoal para a elaboração do conhecimento. Em Os
Quadrinhos pós-68 pode-se encontrar como os quadrinhistas de qualquer canto
do país, em qualquer momento histórico, podem contribuir para o Brasil tanto
para a arte popular quanto para a sua História.
Georges
Duby afirma que é necessária uma história mais carnal, do homem comum na
sociedade, uma história mais “útil que a concepção superficialmente centrada
nos indivíduos excepcionais”. Ele acredita que mais do que causa e efeito
criando a história, há correlação e interferência direta do homem, que gera a
história. Cada homem é um fator indissociável e coeso numa concepção mais ampla
para que se compreenda o funcionamento do sistema, da História5. O
estudo histórico sobre o prisma dos quadrinhos busca esta visão. Duby também é
um ferrenho defensor do entrosamento e paixão do pesquisador com suas fontes e
objetos de pesquisas, principalmente por temas ricos e virgens, e acima de
tudo, sempre cercado de cautela, busca a “alquimia” que traga à tona uma
história além da ilusão de uma objetividade total no ofício do historiador.
Os
Quadrinhos Pós-68 é um trabalho
onde “paixão” e “alquimia” foram fundamentais para sua conclusão. A cada nova
informação, a cada nova história em quadrinhos encontrada, a cada peça que se
encaixava, a informação surgia, e trata-se de uma informação tão nova, tão
inexplorada, que muitas vezes foi uma tarefa árdua impedir que se expandisse
além do necessário para sua conclusão.
REFERÊNCIAS
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das Letras, 2006.
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a ótica de um mestre. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004.
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Martins Fontes, 2001.
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2005.
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McCLOUD,
Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: M. Books, 2005.
RAMOS. Paulo. A
Leitura dos quadrinhos. São Paulo: Contexto. 2009.
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WALDOMIRO. Vergueiro. RAMOS. Paulo. Quadrinhos na educação: da rejeição à prática. São Paulo: Contexto.
2009.
CIRNE, Moacy. História
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CIRNE, Moacy. Uma
introdução política aos quadrinhos. Rio de Janeiro: Europa. 1990.
CAMPOS, Rogério. Zap
comix: O Gibi que te deixa ligado! São Paulo: Conrad. 2003.
MOYA. Álvaro. A
História das Histórias em Quadrinhos. São Paulo: Brasiliense, 1996.
MOYA. Álvaro. Shazam!. São Paulo: Perspectiva, 1977.
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Aurélio. Rebeldes e Contestados: 1968. Brasil, Alemanha e França. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999.
BURKE. Peter. A
Escola dos Annales, 1929-1989: A
Revolução Francesa da Historiografia. São Paulo: UNESP. 1999.
COLETÂNEA. Versões
e Ficções: O Seqüestro da História. 2ª ed. São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 1999. p. 44
DUBY. Georges.
Trad. MARQUES. Clovis. A História
Continua. Ed. UFRJ: Rio de Janeiro. 1993. pg. 13.
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