sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Entrevista com Albert Piauhy - Parte 1



Por Bernardo Aurélio

Essa entrevista foi realizada em Teresina no dia 14 de outubro de 2008 e serviu de base para um trabalho de conclusão de curso de especialização em artes pela UFPI que eu estava fazendo. Construí, inicialmente, uma lista de 20 perguntas, o que acabou se tornando mais de 50!!!
            Marcamos o dia da entrevista e ele me disse para esperá-lo numa esquina, há alguns quarteirões de distância de sua casa, onde tinha um terreno com uma pequena casa de reboco debaixo de um pé de manga e do outro lado, tinha um boteco. Ele veio fumando seu cigarrinho de palha, apontou pro barzinho e falou com aquele jeito pausado típico que tem: “Vamos conversar ali. Porque... é melhor". Nós fomos, pedimos uma cerveja, comecei a gravar...

01Bernardo Aurélio: Pra começar, aquela pergunta básica: nome completo, data e local de nascimento.
Albert Piauhy: Bom, meu nome é Albert Nunes de Carvalho. Nunes da parte da minha mãe, que também é Pereira de Araújo, e Carvalho da parte do meu pai, que também é Uchôa e Rodrigues. Eu nasci em Luzilândia, que é uma cidade que fica à margem do rio Parnaíba do lado do Piauí e foi lá onde eu nasci, uma das cidades mais antigas do Estado, no dia 24 de setembro de 1953. Sou libriano, que é o signo da maioria das pessoas que fazem arte e que fazem imprensa.

02BA: Os primeiros nomes dos seus pais?
AP:  Bernardo Uchôa de Carvalho e Maria José Nunes de Carvalho. Ambos são maranhenses de São Bernardo, que é uma cidade do outro lado do rio. Meu pai nasceu lá, mas praticamente se criou em Luzilândia.

03BA: Você viveu em Luzilândia até quando?
AP: Bom, eu vivi em Luzilândia até os 14 anos, quando eu fui pra Goiás. Eu quero dizer que Luzilândia é uma cidade que quando eu era menino, na minha adolescência, era uma cidade muito festeira, tinha muita peça e eu me lembro que era muito animada. Lá tinha um teatro, era uma das poucas cidades do interior que tinham teatro: O Cine Tearo Domingos.

04BA: Você ia muito ao teatro?
AP: Bom, no teatro tinham shows e eu me lembro que eu ia muito assistir os ensaios das peças que meus pais participavam. Que na verdade não era uma peça de teatro como nós temos agora, eram chamados “dramas”, que eram coisas variadas, eram shows de variedades, que tinham a peça principal e tinham danças e muitas coisas. Eu me lembro que eram coisas muito engraçadas, lembro que eu morria de rir.

05BA: E seus pais participavam como disso?
AP: Ah!, meus pais participavam como ator. Eu, inclusive, fiz o papel de menino Jesus, uma vez. Porque, como era uma cidade muito católica, sempre tinha alguma coisa ligada à Igreja, sabe? Mas era muito engraçado, tinha dança, tinha teatro. O “drama” na verdade é uma comédia, apesar de ter uma parte dramática, entendeu? E o drama também é meio musical. E eu participei muito disso aí.
Eu me lembro que em Luzilândia, a minha família assistiam muito a novelas. As mulheres se reuniam pra assistir as novelas do rádio. E também haviam muita troca de livros...

06BA: Em frente ao cine-teatro?
AP: Não, a troca de livro era assim: a primeira que tinha o livro emprestava pra outra família. O livro que tava na moda. Circulava a revista O Cruzeiro, Seleções, que todo mundo lia. Naquela época, todas as casas tinham Seleções e a revista O Cruzeiro. Agora a coisa mais forte da minha infância, que eu acho, que foi através dessas revistas que eu comecei a me envolver no mundo cultural. Você pode achar bobagem, mas era a coisa que tinha: as fotonovelas. Fotonovela era moda, a minha mãe tinha vários baús cheios de fotonovelas. Então as revistas de fotonovelas tinham notícias sobre cinema nacional, sobre o cinema “americano”, sobre os artistas do rádio e tinha a fotonovela, claro, que era o grosso da revista, tinha a fotonovela Capricho, Grande Hotel, eram tantas, rapaz... E quem dominavam eram as produções italianas, eram todos atores italianos, como Sandro Moretti, Michela Rossi e tantos outros. A gente sabia o nome de todos os atores de fotonovela. E porque que elas eram italianas? Porque essas editoras que publicavam eram de italianos que estavam no Brasil, como o dono da Abril, por exemplo. Então todo mundo lia fotonovelas e a minha mãe tinha um baú cheio. E não era “chic”, e não era direito, um menino (risos), ler fotonovela, que era coisa de mulher, entendeu? Só que isso não entrava na minha cabeça, então eu lia todas, traçava todas as fotonovelas e as notícias que tinham sobre cinema, arte em geral, tudo destinado às mulheres. Então eu li todas essas histórias escondido da minha mãe, das pessoas, porque menino não poderia ler fotonovela.
E depois, chegaria um primo meu em Luzilândia com as revistas em quadrinhos, aí eu entrei na casa dos quadrinhos. Quer dizer, não era esse quadrinhos “artístico”, era o Tio Patinhas, era o Mickey, Cavaleiro Negro, Batman e Robin, né? Naquele tempo eles andavam juntos... Flash Gordon, Mandrake, tudo isso aí... Kit Carson. Depois, quando meu pai viajava, ele sempre trazia histórias pra mim. E eu comecei a ter uma coleção muito grande de revistas de histórias em quadrinhos, quem tinha revista de história em quadrinhos em Luzilândia era eu! Mas desse quadrinho que eu tou te falando, coisa publicada pela Ebal, que dominava o mercado de quadrinho no Brasil, e ela publicou muita coisa boa, mas eu não tenho muita lembrança da Ebal ter publicado quadrinhos brasileiros. Que eu me lembre, o quadrinho brasileiro que chegou lá na minha terra, era “O Anjo”. Você tem que pegar O Anjo, cara, porque ele é importante pra história dos quadrinhos no Brasil, que é um dos primeiros personagens policial brasileiro. O Anjo, A turma do Pererê, que conseguiu chegar em Luzilândia e também as histórias de terror que começaram a ser publicados por autores nacionais, que começaram a recuperar o Lobisomem, por exemplo.

7BA: Tinham muitos quadrinhos de terror na década de 60, e quadrinhos brasileiros eróticos...
AP: É, tinham também os quadrinhos eróticos. É claro que tinham que ser vistos escondidos. Tinha o Zéfiro, que era o quadrinho erótico que chegou lá.

8BA: E na frente do cinema houve... (fui interrompido).
AP: Não, em Luzilândia não tinha isso. O cinema era esporádico, porque nunca teve um dono do cinema da cidade. Então, quando o cinema chegava em Luzilândia, era um cara que tinha o equipamento e passava de cidade em cidade passando filme. Então, todos os filmes que passaram em Luzilândia era de pessoas que iam chegando. É por isso que nós precisamos um dia resgatar quem eram essas pessoas que iam de cidade em cidade, naquela época, passando filmes. Então Luzilândia sempre teve filme no Cine Teatro, mas eram gente de fora que iam passar filme lá.

9BA: Você falou que seu pai foram atores. Eles trabalhavam com algum outro tipo de arte, de desenho?
AP: Não. A minha mãe hoje desenha, depois que ela ficou idosa, ela começou. Mas em Luzilandia não havia a cultura do desenho. Eu me lembro que só fui conhecer uma obra original, uma tela, em Teresina.

10BA: E seus irmãos? Você teve irmãos?
AP: Eu tenho quatro irmãos. Um morreu, que é o Mauro, e a área dele era o futebol, era goleiro. Depois foi trabalhar na FUNDAC e me ajudava muito no Salão de Humor. Eu era o caçula, o mais novo.

11BA: Algum trabalhou com arte?
AP: Não, nenhum. O Ezequiel é enfermeiro. O Francisco é federalista e pastor evangélico. E a nossa cultura maior mesmo, a coisa que mais empolgava a gente era o futebol, era o objeto de nossas conversas diárias de menino.

12BA: Tu jogou muito?
AP: Eu era “fraco”, mas eu era jogador.

13BA: Era goleiro?
AP: Não! Eu era volante. Cheguei a ter um time chamado Luzilândia Clube, que, aliás, nunca perdeu pra ninguém. Mas quando a gente era menino, a gente jogava muito e de lá saiu o Augusto, que depois foi técnico do Flamengo e era meu amigo de infância. E o futebol era a coisa que mais nos impressionava, que mais mexia com a gente, nós sabíamos a escalação de todos os times do Brasil. Impressionante! Naquela época chegava em Luzilândia a Revista dos Esportes, e outra coisa: havia meninos que torcia pela Chevrolet e pela Ford, e pela Monarc e pela Gulliver.

14BA: Essas empresas tinham clubes de futebol?
AP: Não! Porque todos nós torcíamos por alguma coisa. Então tinha menino que torcia pela marca de carro. Por exemplo: caminhão. Tinha menino que torcia pelo caminhão chevrolet e tinha quem torcia pelo Ford, aí a gente brigava pra saber qual era o melhor caminhão, e pelos melhores times, entendeu? E a maior parte dos meninos torcia pelo Botafogo e a outra parte torcia pelo Santos, que eram dois times de maior repercussão na época. Aí, dentro disso aí, eu era o menino diferente, entendeu?

15BA: Nenhum menino discutia com você qual era a melhor fotonovela?
AP: Não! De jeito nenhum! Aí é que tá. Dentro dessa discussão que a gente tinha de futebol que eu comecei a me interessar pela arte, pela história em quadrinhos. Eu comecei a me interessar pela cultura na medida que chegava lá. Era um menino que não tinha muita opção cultural.

16BA: E pelas letras si, mesmo, Albert, como você começou a gostar de escrever?
AP: Eu me lembro que eu gostava muito de Cassimiro Coco, o teatro de bonecos, e acontece que aqueles bonecos ali, daquela época, eram maravilhosos, cara. Acontecia na periferia da cidade, que não era muito grande e eu assisti coisas de Cassimiro Coco que o pessoal que faz aqui não chega nem perto, porque era o autêntico mesmo, enchia de gente, de toda a cidade.

E outra coisa também muito importante eram os violeiros. Eu assistia muitos violeiros em Luzilândia, na minha terra. Coisas que eu vi na minha infância assim, de cultura, que ficou marcado, foi o Cassimiro Coco, os violeiros e o Bumba-meu-boi, que não era esse boi pequeno como esse que tem aqui não. O Boi era grande. Tinha muito Boi em Luzilândia, cara. Era uma coisa fantástica. E tinha os “terecô” e muitos forrós e muitos sanfoneiros.



17BA: E teus estudos? Começou a estudar lá, saiu só com 14 anos...
AP: Eu estudei no Grupo Escolar João Carvalho, depois eu fui fazer exame de admissão com a dona Cleunice, que era minha professora, depois eu fui fazer o Ginásio no Senec. Não sei se você sabe o que é o Senec, sabe? Senec é de um cara de Pernambuco, vou já lembrar o nome dele, que era menino pobre que não tinha escola, aí ele começou a fundar escolas no Brasil inteiro, cara. Então, a maior rede de escolas do Brasil, era do Senec. É importante você saber que o Senec era uma instituição privada, sem fins lucrativos era uma ONG. Essa cara era louco. Em Luzilândia não tinha, aí ele foi lá e colocou ginásio lá. Se não fosse o Senec, ninguém fazia ginásio. Na medida que o poder público começou a ocupar os espaços, a Senec foi perdendo o espaço e hoje em dia eles tão vendendo tudo quanto é de prédio e a Senec chegou à decadência, entendeu? Porque naquela época ele ocupou um espaço que o estado não funcionava e na medida que o Estado brasileiro começou a funcionar e a fundar escolas, não teve mais lugar pro Senec. Então, as últimas escolas do Senec foram fechadas exatamente quando o governo Lula chegou ao poder. Porque não tinha mais sentido o Estado ajudar a Senec se ele podia ele mesmo fazer. Aí eu fiz 2 anos do ginásio lá em Luzilândia e 2 anos no Liceu Piauiense. Fiz o primeiro e o segundo ano em Luzilândia, depois fui pra Goiás. Depois voltei pra Teresina, fiz o terceiro e o quarto ano no Liceu, que era a melhor escola de Teresina na época.

18BA: Tu chegou em Teresina em que ano?
AP: Cheguei em Teresina em 68. Eu fui morar em Goiás e passei 4 meses. Foi um choque cultural, porque, em primeiro lugar, eles falam diferente. Aí eles se vestem diferente por causa do frio. Aí eles comem diferente. Além de comer diferente, em Goiás, só vai anoitecer 8 horas da noite (risos). Aí, por exemplo, eles tem o costume de almoçar 9 horas da manhã. Aí, quando é 3 horas da tarde, eles jantam. Aí eu passava o tempo com fome, entendeu? Não me acostumei. Quando amanhecia o dia eu ficava ouvindo aquelas músicas caipira, de dupla, só que eram duplas sertanejas tradicionais, era muito bonito, cara. Mesma assim, era um saco ouvir aquilo o dia inteiro pra quem só ouvia baião, xote, xaxado essa coisa toda. Eu quis voltar porque eu não me acostumava com os costumes locais.

19BA: Você foi pra lá por que?
AP: Porque o meu pai faleceu e minha mãe ficou viúva, né? Aí ela tinha 4 filhos pra sustentar. Aí um tio levou um sobrinho, outro tio levou outro. Mas quando chegou em Goiás, o meu tio era um cara muito esquisito, ele não era muito de falar, de se comunicar e eu trabalhava o dia inteiro na farmácia que ele tinha de vender produtos veterinários e a pecuária é o forte de lá.

20BA: Você acha que essa sua passagem por lá te influenciou de alguma forma, culturalmente?
AP: Só me influenciou porque eu conheci a obra do Mazzaropi e a música caipira autêntica, que ainda não tinha sido dominada por Chitãozinho e Xororó, esse pessoal todo. Outra coisa que me impressionou muito foi que os meninos ricos da cidade, cada menino tinha uma caixa de engraxate e engraxavam os sapatos pra ganhar dinheiro, coisa de um menino de classe média no Piauí, jamais faria isso. Chegava um fazendeiro eles diziam: “vamos engraxar o sapato?”, eles engraxavam pra ganhar dinheiro. Eu me impressionei muito com isso, até quando eu vim-me embora pra cá.



21BA: Quando foi que tu percebeu tua inclinação pro desenho?
A inclinação pro desenho foi exatamente na época em que eu tomei contato com as histórias em quadrinhos. Porque eu comecei a copiar, copiar mesmo. Olhava assim o Cavaleiro Negro, eu desenhava igual. Naquela época, eu gostava muito de desenhar na calçada de Luzilândia, eu era menino, e eu pegava carvão e desenhava a calçada inteira da igreja. O padre, que era meu padrinho, ele ficava puto. Porque quando ele chegava assim de manhã na Igreja ela tava toda riscada, a calçada. Eu riscava inteiro, cara. Ainda hoje eu gostaria de tentar fazer isso de novo. Eu pegava a calçada aí eu fazia uma cidade de uma ponta a outra. Eu fazia um fio direto aí fazia as casinhas, entendeu? Então a calçada ficava toda riscada de carvão ou então ficava de giz, e o padre Jonas, que era meu padrinho, ficava puto. Então, a minha inclinação veio daí, entendeu?

22BA: Quais foram as tuas grandes influencias?
AP: Aí quando eu cheguei em Teresina é que a coisa se manifestou de outra maneira, porque eu fui morar numa rua, que, por acaso, tinha um maestro do 25º BC que morava ao lado, e ele tinha três filhos, um chamo Giovane, o Toim e o novinho, que tocava violão e um deles gostava de ler Pasquim. Aí eu comecei a ler O Pasquim, e o Giovane lia o Pasquim, e nele tinham desenhos. Mas meu primeiro contato com desenho, na verdade, é em Luzilândia, desenho mesmo, porque, não sei se você sabe, mas a revista O Cruzeiro tinha o maior time de humoristas do mundo, tinha Millô Fernandes, tinha o Péricles. Foi através da Cruzeiro que eu tomei conhecimento de todas as pessoas que desenhavam humor no Brasil. Quando eu cheguei em Teresina eu já gostava de desenho de humor, porque eu gostava desde criança, porque a revista Cruzeiro tinha o maior time de humoristas que você possa imaginar do Brasil, tava lá, desenhando. Quando eu tomei contato com o Pasquim aí eu tomei contato com grandes desenhistas como o Jaguar, que eu não conhecia, aí tava lá o Ziraldo, Miguel Paiva, Fortuna, Claudios, então, o grande time do humor brasileiro estava no Pasquim.
E também tinha o pessoal do Centavo, que o pessoal principiante. Na verdade foi depois do Pasquim que eu comecei a me interessar por arte mesmo, de uma vez. Depois que eu conheci “O Pasquim” eu decidi o que eu queria ser, entendeu? Eu queria ser desenhista, jornalista...


23BA: Porque você decidiu fazer jornalismo? Você é formado em jornalismo, certo?
AP: (acena com a cabeça que “não”)

24BA: Não?
AP: Que decepção, não é Bernardo? (risos) Quando eu cheguei em Teresina eu tinha 14 anos. Quando eu tinha 16 anos eu me interessei por jornal, imprensa, por humor. No Brasil, quase não tinha escola de jornalismo. O “boom” dele veio na década de 70 e Teresina não tinha escola de jornalismo. Como era que o jornalista se formava? Ele entrava menino no jornal, garoto, e ele aprendia com quem tava lá. Então, quando eu comecei a fazer jornalismo no Piauí, não tinha escola. Eu entrei jornal O Dia quando era um jornal pequeno e tinha jornalistas como a Veroni Lemos, Nil Salvani, que era de São Paulo, tinha o Chico Viana, que são pessoas que ninguém fala mas que são muito importantes para a formação do jornalismo piauiense. O Feitosa Costa, que foi o grande revolucionário da imprensa piauiense, porque foi ele quem organizou o jornal, que não tinha diagramação, não tinha hora de editar matéria, não tinha editoria. Ele organizou todos os jornais, porque era diretor industrial. O coronel Miranda, era um cara rico, e queria fazer um jornal moderno, aí ele fi no Ceará e trouxe os melhores profissionais de lá, trouxe o Santos, o Vanderlei Barbosa, Feitosa Lite, pra ajudar na parte gráfica. E pela primeira vez no Piauí, tinha um jornal moderno como os de Pernambuco, os melhores jornais do Ceará e do Brasil. O coronel Miranda pegou toda a fortuna que ele tinha e investiu no jornal, e eu entrei exatamente nessa época, como garoto queria fazer charge, escrever. Porque eu já queria ser jornalista. Eu tentei primeiro pelo jornal O Estado,  mas ele era um jornal secundário e eu queria ir pro melhor. Aí eu fiz um teste pro jornal O Dia e passei. Aí eu comecei a ser chargista lá, no começo da década de 70.  Agora o importante: o Arnaldo (Albuquerque) já tinha passado por lá, porque historicamente o Arnaldo é o primeiro chargista da história piauiense. De verdade, entendeu? Porque eu entrei lá pra substituir o Arnaldo. O Torquato Neto passou por aqui e levou a turma pro Rio de Janeiro aí ficou lá o espaço, aí eu “pá!”, entrei.

25BA: Você acha que conseguiu unir bem seu trabalho de jornalista com chargista, que você queria fazer?
AP: Olha, o jornal naquela era era provinciano, eu era um garoto não bem formado, eu não tinha boa formação, porque naquela  época a gente nem todo mundo tinha muita informação, era época de ditadura e eu era um “menino véi”. Hoje um menino de 18 anos tem muita informação que eu não tinha naquela época, e a informação que a gente tinha era a que a gente pegava entre os outros, mas eu só digo uma coisa, a gente fazia jornalismo com muita emoção. Por que, na verdade, o Arnaldo fez charge no jornal O Dia, mas o primeiro chargista constante fui eu mesmo. Fui eu que consolidei a charge no jornalismo piauiense. Só que naquela época eu era um cara muito inquieto e o mundo era grande e eu achei de ir embora pro Rio de Janeiro. Aí eu ficava nessa inda e vinda, entendeu? Então eu fui chargista do Jornal O Dia várias vezes até chegar a vez do Jota A.

26BA: Você ia com frequência lá pro Rio ou foi só uma temporada?
AP: Não. Eu ia, morava, voltava. Ia, morava, voltava. Isso a partir de 73, por aí assim. Aí eu cheguei a publicar no Pasquim...

27BA: Você conheceu o pessoal do Pasquim?
AP: Conheci assim, nunca fui tão íntimo, hoje eu sou. Mas eu ía lá e eu tinha minha vida, eu achava que eu era um garoto muito imaturo. Eu não tinha um trabalho sólido.

28BA: O Amauri Pamplona não gostava do Pasquim, chamava o jornal de bairrista, tentou publicar e não conseguiu...
AP: Mas era, claro. Mas o meu desenho, eu não tinha capacidade naquela época de ficar no time do Pasquim. Eu conseguia publicar alguns desenhos no Pasquim, entendeu? Eu não tinha um trabalho sólido, um trabalho bem feito e maduro pra poder ser um cara constante no Pasquim, entendeu? Eu era aquele cara que de vez em tinha um desenho que publicava no Pasquim. Eu conheci o Ziraldo, fui na casa dele, ele me recebeu com muita amabilidade, foi muito amável comigo, mas eu não era um bom chargista na época. Eu acho que eu era muito imaturo. Quando eu era chargista em Teresina, eu não conhecia nem os materiais, cara. Os materiais de você desenhar. Eu desenhava em num material errado. No Rio de Janeiro eu fui conhecer o bico-de-pena, a tinta nanquim. Aqui eu não tinha pessoas com quem interagir, porque o desenho de humor tava começando com a gente. E o Arnaldo, que eu ainda hoje me lembro, desenhava com aquelas canetas de arquiteto.

29BA: Você conheceu essas técnicas novas com quem, lá no Rio?
AP: Um dia eu cheguei no Pasquim e vi o Ziraldo desenhando uma capa, aí ele tava com um bico-de-pena. Aí ele botava lá no... desenhando. Aí eu disse assim: “Porra! Que diabo é isso aqui? Tu desenha com isso?”. Ele disse: “É”. E eu desenhava com caneta de arquiteto, que é uniforme, porque o bico-de-pena você vai, quando você trabalha com bico-de-pena, quando você pressiona ele no papel, você dá várias espessuras e você inventa o que você quiser. Com aquela caneta de arquiteto o traço é uniforme e o desenho não é bom, e meu desenho só começou a evoluir mais quando comecei a trabalhar com o bico-de-pena. E você não aprende de um dia pro outro, demora muito, aí eu comecei a usar muito, até eu aprender, entendeu? Na verdade, custei muito a aprender a desenhar, cara. Eu acho. Porque no Piauí não tinha escola. Você começar a desenhar numa cidade que não tem uma escola de artes plásticas, não tem um salão de espécie alguma, não tinha ninguém que desenhasse antes de você, que você conhecesse, não tinha ninguém pra trocar ideia com você. A única coisa que você tinha acesso era o trabalho dos outros humoristas que você via nos jornais. Olhando o jornal você não sabe a técnica que o cara usou, então era muito difícil nessa época você desenhar. Hoje em dia o desenhista tem muita informação e eu não sei porque o desenho de hoje é tão mais ruim do que naquela época. Eu não seu porque que a charge na imprensa do Piauí é tão ruim hoje. Quer dizer, o cara tem muita informação, ele recebe informação do mundo inteiro aí você olha o jornal O Dia, olha o jornal Meio Norte e olha o Diário do Povo, a charge é ruim, repetitiva, é mal desenhada.

30BA: De um modo geral, o desenho perdeu muito espaço no jornal...

AP: No mundo inteiro e no Brasil mesmo. Hoje o espaço pro cara desenhar é a internet. Quem não tem seu blog e não participa de sites ele não tem onde mostrar o desenho dele. Porque o jornal O Dia só tem o Jota A, ele não abre espaço pra mais ninguém, o Meio Norte só tem o Moisés, que aliás tá fazendo uma caricatura boa agora. A charge dele continua municipal, não boa, eu acho. É uma opinião minha, não é ser contra ele, mas ele tá começando a se destacar com esse trabalho de caricatura estilizada. Se ele investir naquilo, ele vai ser muito bom. O caminho dele é aquele, não charge.

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