Por Bernardo Aurélio
Essa entrevista foi realizada em Teresina no dia 14 de outubro de 2008 e serviu de base para um trabalho de conclusão de curso de especialização em artes pela UFPI que eu estava fazendo. Construí, inicialmente, uma
lista de 20 perguntas, o que acabou se tornando mais de 50!!!
Marcamos o dia da entrevista e ele
me disse para esperá-lo numa esquina, há alguns quarteirões de distância de sua
casa, onde tinha um terreno com uma pequena casa de reboco debaixo de um pé de
manga e do outro lado, tinha um boteco. Ele veio fumando seu cigarrinho de
palha, apontou pro barzinho e falou com aquele jeito pausado típico que tem:
“Vamos conversar ali. Porque... é melhor". Nós fomos, pedimos uma cerveja, comecei a gravar...
01Bernardo
Aurélio: Pra começar, aquela pergunta básica: nome completo, data e local de
nascimento.
Albert
Piauhy: Bom, meu nome é Albert Nunes de Carvalho. Nunes da parte da minha mãe,
que também é Pereira de Araújo, e Carvalho da parte do meu pai, que também é
Uchôa e Rodrigues. Eu nasci em Luzilândia, que é uma cidade que fica à margem
do rio Parnaíba do lado do Piauí e foi lá onde eu nasci, uma das cidades mais
antigas do Estado, no dia 24 de setembro de 1953. Sou libriano, que é o signo
da maioria das pessoas que fazem arte e que fazem imprensa.
02BA:
Os primeiros nomes dos seus pais?
AP: Bernardo Uchôa de Carvalho e Maria José Nunes
de Carvalho. Ambos são maranhenses de São Bernardo, que é uma cidade do outro
lado do rio. Meu pai nasceu lá, mas praticamente se criou em Luzilândia.
03BA:
Você viveu em Luzilândia até quando?
AP:
Bom, eu vivi em Luzilândia até os 14 anos, quando eu fui pra Goiás. Eu quero
dizer que Luzilândia é uma cidade que quando eu era menino, na minha
adolescência, era uma cidade muito festeira, tinha muita peça e eu me lembro
que era muito animada. Lá tinha um teatro, era uma das poucas cidades do interior
que tinham teatro: O Cine Tearo Domingos.
04BA:
Você ia muito ao teatro?
AP:
Bom, no teatro tinham shows e eu me lembro que eu ia muito assistir os ensaios
das peças que meus pais participavam. Que na verdade não era uma peça de teatro
como nós temos agora, eram chamados “dramas”, que eram coisas variadas, eram
shows de variedades, que tinham a peça principal e tinham danças e muitas
coisas. Eu me lembro que eram coisas muito engraçadas, lembro que eu morria de
rir.
05BA:
E seus pais participavam como disso?
AP:
Ah!, meus pais participavam como ator. Eu, inclusive, fiz o papel de menino
Jesus, uma vez. Porque, como era uma cidade muito católica, sempre tinha alguma
coisa ligada à Igreja, sabe? Mas era muito engraçado, tinha dança, tinha
teatro. O “drama” na verdade é uma comédia, apesar de ter uma parte dramática,
entendeu? E o drama também é meio musical. E eu participei muito disso aí.
Eu me
lembro que em Luzilândia, a minha família assistiam muito a novelas. As
mulheres se reuniam pra assistir as novelas do rádio. E também haviam muita
troca de livros...
06BA:
Em frente ao cine-teatro?
AP:
Não, a troca de livro era assim: a primeira que tinha o livro emprestava pra
outra família. O livro que tava na moda. Circulava a revista O Cruzeiro,
Seleções, que todo mundo lia. Naquela época, todas as casas tinham Seleções e a
revista O Cruzeiro. Agora a coisa mais forte da minha infância, que eu acho,
que foi através dessas revistas que eu comecei a me envolver no mundo cultural.
Você pode achar bobagem, mas era a coisa que tinha: as fotonovelas. Fotonovela
era moda, a minha mãe tinha vários baús cheios de fotonovelas. Então as
revistas de fotonovelas tinham notícias sobre cinema nacional, sobre o cinema
“americano”, sobre os artistas do rádio e tinha a fotonovela, claro, que era o
grosso da revista, tinha a fotonovela Capricho, Grande Hotel, eram tantas,
rapaz... E quem dominavam eram as produções italianas, eram todos atores
italianos, como Sandro Moretti, Michela Rossi e tantos outros. A gente sabia o
nome de todos os atores de fotonovela. E porque que elas eram italianas? Porque
essas editoras que publicavam eram de italianos que estavam no Brasil, como o
dono da Abril, por exemplo. Então todo mundo lia fotonovelas e a minha mãe
tinha um baú cheio. E não era “chic”, e não era direito, um menino (risos), ler
fotonovela, que era coisa de mulher, entendeu? Só que isso não entrava na minha
cabeça, então eu lia todas, traçava todas as fotonovelas e as notícias que
tinham sobre cinema, arte em geral, tudo destinado às mulheres. Então eu li
todas essas histórias escondido da minha mãe, das pessoas, porque menino não
poderia ler fotonovela.
E
depois, chegaria um primo meu em Luzilândia com as revistas em quadrinhos, aí
eu entrei na casa dos quadrinhos. Quer dizer, não era esse quadrinhos
“artístico”, era o Tio Patinhas, era o Mickey, Cavaleiro Negro, Batman e Robin,
né? Naquele tempo eles andavam juntos... Flash Gordon, Mandrake, tudo isso
aí... Kit Carson. Depois, quando meu pai viajava, ele sempre trazia histórias
pra mim. E eu comecei a ter uma coleção muito grande de revistas de histórias
em quadrinhos, quem tinha revista de história em quadrinhos em Luzilândia era
eu! Mas desse quadrinho que eu tou te falando, coisa publicada pela Ebal, que
dominava o mercado de quadrinho no Brasil, e ela publicou muita coisa boa, mas
eu não tenho muita lembrança da Ebal ter publicado quadrinhos brasileiros. Que
eu me lembre, o quadrinho brasileiro que chegou lá na minha terra, era “O
Anjo”. Você tem que pegar O Anjo, cara, porque ele é importante pra história
dos quadrinhos no Brasil, que é um dos primeiros personagens policial
brasileiro. O Anjo, A turma do Pererê, que conseguiu chegar em Luzilândia e
também as histórias de terror que começaram a ser publicados por autores nacionais,
que começaram a recuperar o Lobisomem, por exemplo.
7BA: Tinham muitos quadrinhos de terror na década de 60, e
quadrinhos brasileiros eróticos...
AP: É, tinham também os quadrinhos eróticos. É claro que
tinham que ser vistos escondidos. Tinha o Zéfiro, que era o quadrinho erótico
que chegou lá.
8BA:
E na frente do cinema houve... (fui interrompido).
AP:
Não, em Luzilândia não tinha isso. O cinema era esporádico, porque nunca teve
um dono do cinema da cidade. Então, quando o cinema chegava em Luzilândia, era
um cara que tinha o equipamento e passava de cidade em cidade passando filme.
Então, todos os filmes que passaram em Luzilândia era de pessoas que iam
chegando. É por isso que nós precisamos um dia resgatar quem eram essas pessoas
que iam de cidade em cidade, naquela época, passando filmes. Então Luzilândia
sempre teve filme no Cine Teatro, mas eram gente de fora que iam passar filme
lá.
9BA:
Você falou que seu pai foram atores. Eles trabalhavam com algum outro tipo de
arte, de desenho?
AP:
Não. A minha mãe hoje desenha, depois que ela ficou idosa, ela começou. Mas em
Luzilandia não havia a cultura do desenho. Eu me lembro que só fui conhecer uma
obra original, uma tela, em Teresina.
10BA:
E seus irmãos? Você teve irmãos?
AP:
Eu tenho quatro irmãos. Um morreu, que é o Mauro, e a área dele era o futebol,
era goleiro. Depois foi trabalhar na FUNDAC e me ajudava muito no Salão de
Humor. Eu era o caçula, o mais novo.
11BA:
Algum trabalhou com arte?
AP:
Não, nenhum. O Ezequiel é enfermeiro. O Francisco é federalista e pastor
evangélico. E a nossa cultura maior mesmo, a coisa que mais empolgava a gente
era o futebol, era o objeto de nossas conversas diárias de menino.
12BA:
Tu jogou muito?
AP:
Eu era “fraco”, mas eu era jogador.
13BA:
Era goleiro?
AP:
Não! Eu era volante. Cheguei a ter um time chamado Luzilândia Clube, que,
aliás, nunca perdeu pra ninguém. Mas quando a gente era menino, a gente jogava
muito e de lá saiu o Augusto, que depois foi técnico do Flamengo e era meu
amigo de infância. E o futebol era a coisa que mais nos impressionava, que mais
mexia com a gente, nós sabíamos a escalação de todos os times do Brasil.
Impressionante! Naquela época chegava em Luzilândia a Revista dos Esportes, e
outra coisa: havia meninos que torcia pela Chevrolet e pela Ford, e pela Monarc
e pela Gulliver.
14BA:
Essas empresas tinham clubes de futebol?
AP:
Não! Porque todos nós torcíamos por alguma coisa. Então tinha menino que torcia
pela marca de carro. Por exemplo: caminhão. Tinha menino que torcia pelo caminhão
chevrolet e tinha quem torcia pelo Ford, aí a gente brigava pra saber qual era
o melhor caminhão, e pelos melhores times, entendeu? E a maior parte dos
meninos torcia pelo Botafogo e a outra parte torcia pelo Santos, que eram dois
times de maior repercussão na época. Aí, dentro disso aí, eu era o menino
diferente, entendeu?
15BA:
Nenhum menino discutia com você qual era a melhor fotonovela?
AP:
Não! De jeito nenhum! Aí é que tá. Dentro dessa discussão que a gente tinha de
futebol que eu comecei a me interessar pela arte, pela história em quadrinhos.
Eu comecei a me interessar pela cultura na medida que chegava lá. Era um menino
que não tinha muita opção cultural.
16BA:
E pelas letras si, mesmo, Albert, como você começou a gostar de escrever?
AP:
Eu me lembro que eu gostava muito de Cassimiro Coco, o teatro de bonecos, e
acontece que aqueles bonecos ali, daquela época, eram maravilhosos, cara.
Acontecia na periferia da cidade, que não era muito grande e eu assisti coisas
de Cassimiro Coco que o pessoal que faz aqui não chega nem perto, porque era o
autêntico mesmo, enchia de gente, de toda a cidade.
E
outra coisa também muito importante eram os violeiros. Eu assistia muitos
violeiros em Luzilândia, na minha terra. Coisas que eu vi na minha infância assim,
de cultura, que ficou marcado, foi o Cassimiro Coco, os violeiros e o
Bumba-meu-boi, que não era esse boi pequeno como esse que tem aqui não. O Boi
era grande. Tinha muito Boi em Luzilândia, cara. Era uma coisa fantástica. E
tinha os “terecô” e muitos forrós e muitos sanfoneiros.
17BA:
E teus estudos? Começou a estudar lá, saiu só com 14 anos...
AP:
Eu estudei no Grupo Escolar João Carvalho, depois eu fui fazer exame de
admissão com a dona Cleunice, que era minha professora, depois eu fui fazer o
Ginásio no Senec. Não sei se você sabe o que é o Senec, sabe? Senec é de um
cara de Pernambuco, vou já lembrar o nome dele, que era menino pobre que não
tinha escola, aí ele começou a fundar escolas no Brasil inteiro, cara. Então, a
maior rede de escolas do Brasil, era do Senec. É importante você saber que o
Senec era uma instituição privada, sem fins lucrativos era uma ONG. Essa cara
era louco. Em Luzilândia não tinha, aí ele foi lá e colocou ginásio lá. Se não
fosse o Senec, ninguém fazia ginásio. Na medida que o poder público começou a
ocupar os espaços, a Senec foi perdendo o espaço e hoje em dia eles tão
vendendo tudo quanto é de prédio e a Senec chegou à decadência, entendeu?
Porque naquela época ele ocupou um espaço que o estado não funcionava e na medida
que o Estado brasileiro começou a funcionar e a fundar escolas, não teve mais
lugar pro Senec. Então, as últimas escolas do Senec foram fechadas exatamente
quando o governo Lula chegou ao poder. Porque não tinha mais sentido o Estado
ajudar a Senec se ele podia ele mesmo fazer. Aí eu fiz 2 anos do ginásio lá em
Luzilândia e 2 anos no Liceu Piauiense. Fiz o primeiro e o segundo ano em
Luzilândia, depois fui pra Goiás. Depois voltei pra Teresina, fiz o terceiro e
o quarto ano no Liceu, que era a melhor escola de Teresina na época.
18BA:
Tu chegou em Teresina em que ano?
AP:
Cheguei em Teresina em 68. Eu fui morar em Goiás e passei 4 meses. Foi um
choque cultural, porque, em primeiro lugar, eles falam diferente. Aí eles se
vestem diferente por causa do frio. Aí eles comem diferente. Além de comer
diferente, em Goiás, só vai anoitecer 8 horas da noite (risos). Aí, por
exemplo, eles tem o costume de almoçar 9 horas da manhã. Aí, quando é 3 horas
da tarde, eles jantam. Aí eu passava o tempo com fome, entendeu? Não me
acostumei. Quando amanhecia o dia eu ficava ouvindo aquelas músicas caipira, de
dupla, só que eram duplas sertanejas tradicionais, era muito bonito, cara.
Mesma assim, era um saco ouvir aquilo o dia inteiro pra quem só ouvia baião,
xote, xaxado essa coisa toda. Eu quis voltar porque eu não me acostumava com os
costumes locais.
19BA:
Você foi pra lá por que?
AP:
Porque o meu pai faleceu e minha mãe ficou viúva, né? Aí ela tinha 4 filhos pra
sustentar. Aí um tio levou um sobrinho, outro tio levou outro. Mas quando
chegou em Goiás, o meu tio era um cara muito esquisito, ele não era muito de
falar, de se comunicar e eu trabalhava o dia inteiro na farmácia que ele tinha
de vender produtos veterinários e a pecuária é o forte de lá.
20BA:
Você acha que essa sua passagem por lá te influenciou de alguma forma,
culturalmente?
AP:
Só me influenciou porque eu conheci a obra do Mazzaropi e a música caipira
autêntica, que ainda não tinha sido dominada por Chitãozinho e Xororó, esse
pessoal todo. Outra coisa que me impressionou muito foi que os meninos ricos da
cidade, cada menino tinha uma caixa de engraxate e engraxavam os sapatos pra
ganhar dinheiro, coisa de um menino de classe média no Piauí, jamais faria
isso. Chegava um fazendeiro eles diziam: “vamos engraxar o sapato?”, eles
engraxavam pra ganhar dinheiro. Eu me impressionei muito com isso, até quando
eu vim-me embora pra cá.
21BA:
Quando foi que tu percebeu tua inclinação pro desenho?
A
inclinação pro desenho foi exatamente na época em que eu tomei contato com as
histórias em quadrinhos. Porque eu comecei a copiar, copiar mesmo. Olhava assim
o Cavaleiro Negro, eu desenhava igual. Naquela época, eu gostava muito de
desenhar na calçada de Luzilândia, eu era menino, e eu pegava carvão e
desenhava a calçada inteira da igreja. O padre, que era meu padrinho, ele
ficava puto. Porque quando ele chegava assim de manhã na Igreja ela tava toda
riscada, a calçada. Eu riscava inteiro, cara. Ainda hoje eu gostaria de tentar
fazer isso de novo. Eu pegava a calçada aí eu fazia uma cidade de uma ponta a
outra. Eu fazia um fio direto aí fazia as casinhas, entendeu? Então a calçada
ficava toda riscada de carvão ou então ficava de giz, e o padre Jonas, que era
meu padrinho, ficava puto. Então, a minha inclinação veio daí, entendeu?
22BA:
Quais foram as tuas grandes influencias?
AP:
Aí quando eu cheguei em Teresina é que a coisa se manifestou de outra maneira,
porque eu fui morar numa rua, que, por acaso, tinha um maestro do 25º BC que
morava ao lado, e ele tinha três filhos, um chamo Giovane, o Toim e o novinho,
que tocava violão e um deles gostava de ler Pasquim. Aí eu comecei a ler O
Pasquim, e o Giovane lia o Pasquim, e nele tinham desenhos. Mas meu primeiro
contato com desenho, na verdade, é em Luzilândia, desenho mesmo, porque, não
sei se você sabe, mas a revista O Cruzeiro tinha o maior time de humoristas do
mundo, tinha Millô Fernandes, tinha o Péricles. Foi através da Cruzeiro que eu
tomei conhecimento de todas as pessoas que desenhavam humor no Brasil. Quando
eu cheguei em Teresina eu já gostava de desenho de humor, porque eu gostava
desde criança, porque a revista Cruzeiro tinha o maior time de humoristas que
você possa imaginar do Brasil, tava lá, desenhando. Quando eu tomei contato com
o Pasquim aí eu tomei contato com grandes desenhistas como o Jaguar, que eu não
conhecia, aí tava lá o Ziraldo, Miguel Paiva, Fortuna, Claudios, então, o
grande time do humor brasileiro estava no Pasquim.
E também tinha o pessoal do
Centavo, que o pessoal principiante. Na verdade foi depois do Pasquim que eu
comecei a me interessar por arte mesmo, de uma vez. Depois que eu conheci “O
Pasquim” eu decidi o que eu queria ser, entendeu? Eu queria ser desenhista,
jornalista...
23BA:
Porque você decidiu fazer jornalismo? Você é formado em jornalismo, certo?
AP:
(acena com a cabeça que “não”)
24BA:
Não?
AP:
Que decepção, não é Bernardo? (risos) Quando eu cheguei em Teresina eu tinha 14
anos. Quando eu tinha 16 anos eu me interessei por jornal, imprensa, por humor.
No Brasil, quase não tinha escola de jornalismo. O “boom” dele veio na década
de 70 e Teresina não tinha escola de jornalismo. Como era que o jornalista se
formava? Ele entrava menino no jornal, garoto, e ele aprendia com quem tava lá.
Então, quando eu comecei a fazer jornalismo no Piauí, não tinha escola. Eu
entrei jornal O Dia quando era um jornal pequeno e tinha jornalistas como a
Veroni Lemos, Nil Salvani, que era de São Paulo, tinha o Chico Viana, que são
pessoas que ninguém fala mas que são muito importantes para a formação do
jornalismo piauiense. O Feitosa Costa, que foi o grande revolucionário da
imprensa piauiense, porque foi ele quem organizou o jornal, que não tinha
diagramação, não tinha hora de editar matéria, não tinha editoria. Ele
organizou todos os jornais, porque era diretor industrial. O coronel Miranda,
era um cara rico, e queria fazer um jornal moderno, aí ele fi no Ceará e trouxe
os melhores profissionais de lá, trouxe o Santos, o Vanderlei Barbosa, Feitosa
Lite, pra ajudar na parte gráfica. E pela primeira vez no Piauí, tinha um
jornal moderno como os de Pernambuco, os melhores jornais do Ceará e do Brasil.
O coronel Miranda pegou toda a fortuna que ele tinha e investiu no jornal, e eu
entrei exatamente nessa época, como garoto queria fazer charge, escrever. Porque
eu já queria ser jornalista. Eu tentei primeiro pelo jornal O Estado, mas ele era um jornal secundário e eu queria
ir pro melhor. Aí eu fiz um teste pro jornal O Dia e passei. Aí eu comecei a
ser chargista lá, no começo da década de 70.
Agora o importante: o Arnaldo (Albuquerque) já tinha passado por lá,
porque historicamente o Arnaldo é o primeiro chargista da história piauiense.
De verdade, entendeu? Porque eu entrei lá pra substituir o Arnaldo. O Torquato
Neto passou por aqui e levou a turma pro Rio de Janeiro aí ficou lá o espaço,
aí eu “pá!”, entrei.
25BA:
Você acha que conseguiu unir bem seu trabalho de jornalista com chargista, que
você queria fazer?
AP:
Olha, o jornal naquela era era provinciano, eu era um garoto não bem formado,
eu não tinha boa formação, porque naquela
época a gente nem todo mundo tinha muita informação, era época de
ditadura e eu era um “menino véi”. Hoje um menino de 18 anos tem muita
informação que eu não tinha naquela época, e a informação que a gente tinha era
a que a gente pegava entre os outros, mas eu só digo uma coisa, a gente fazia
jornalismo com muita emoção. Por que, na verdade, o Arnaldo fez charge no
jornal O Dia, mas o primeiro chargista constante fui eu mesmo. Fui eu que
consolidei a charge no jornalismo piauiense. Só que naquela época eu era um
cara muito inquieto e o mundo era grande e eu achei de ir embora pro Rio de
Janeiro. Aí eu ficava nessa inda e vinda, entendeu? Então eu fui chargista do
Jornal O Dia várias vezes até chegar a vez do Jota A.
26BA:
Você ia com frequência lá pro Rio ou foi só uma temporada?
AP:
Não. Eu ia, morava, voltava. Ia, morava, voltava. Isso a partir de 73, por aí
assim. Aí eu cheguei a publicar no Pasquim...
27BA:
Você conheceu o pessoal do Pasquim?
AP:
Conheci assim, nunca fui tão íntimo, hoje eu sou. Mas eu ía lá e eu tinha minha
vida, eu achava que eu era um garoto muito imaturo. Eu não tinha um trabalho
sólido.
28BA:
O Amauri Pamplona não gostava do Pasquim, chamava o jornal de bairrista, tentou
publicar e não conseguiu...
AP:
Mas era, claro. Mas o meu desenho, eu não tinha capacidade naquela época de
ficar no time do Pasquim. Eu conseguia publicar alguns desenhos no Pasquim,
entendeu? Eu não tinha um trabalho sólido, um trabalho bem feito e maduro pra
poder ser um cara constante no Pasquim, entendeu? Eu era aquele cara que de vez
em tinha um desenho que publicava no Pasquim. Eu conheci o Ziraldo, fui na casa
dele, ele me recebeu com muita amabilidade, foi muito amável comigo, mas eu não
era um bom chargista na época. Eu acho que eu era muito imaturo. Quando eu era
chargista em Teresina, eu não conhecia nem os materiais, cara. Os materiais de
você desenhar. Eu desenhava em num material errado. No Rio de Janeiro eu fui
conhecer o bico-de-pena, a tinta nanquim. Aqui eu não tinha pessoas com quem
interagir, porque o desenho de humor tava começando com a gente. E o Arnaldo,
que eu ainda hoje me lembro, desenhava com aquelas canetas de arquiteto.
29BA:
Você conheceu essas técnicas novas com quem, lá no Rio?
AP:
Um dia eu cheguei no Pasquim e vi o Ziraldo desenhando uma capa, aí ele tava
com um bico-de-pena. Aí ele botava lá no... desenhando. Aí eu disse assim:
“Porra! Que diabo é isso aqui? Tu desenha com isso?”. Ele disse: “É”. E eu
desenhava com caneta de arquiteto, que é uniforme, porque o bico-de-pena você
vai, quando você trabalha com bico-de-pena, quando você pressiona ele no papel,
você dá várias espessuras e você inventa o que você quiser. Com aquela caneta
de arquiteto o traço é uniforme e o desenho não é bom, e meu desenho só começou
a evoluir mais quando comecei a trabalhar com o bico-de-pena. E você não
aprende de um dia pro outro, demora muito, aí eu comecei a usar muito, até eu
aprender, entendeu? Na verdade, custei muito a aprender a desenhar, cara. Eu
acho. Porque no Piauí não tinha escola. Você começar a desenhar numa cidade que
não tem uma escola de artes plásticas, não tem um salão de espécie alguma, não
tinha ninguém que desenhasse antes de você, que você conhecesse, não tinha
ninguém pra trocar ideia com você. A única coisa que você tinha acesso era o
trabalho dos outros humoristas que você via nos jornais. Olhando o jornal você
não sabe a técnica que o cara usou, então era muito difícil nessa época você
desenhar. Hoje em dia o desenhista tem muita informação e eu não sei porque o
desenho de hoje é tão mais ruim do que naquela época. Eu não seu porque que a
charge na imprensa do Piauí é tão ruim hoje. Quer dizer, o cara tem muita
informação, ele recebe informação do mundo inteiro aí você olha o jornal O Dia,
olha o jornal Meio Norte e olha o Diário do Povo, a charge é ruim, repetitiva,
é mal desenhada.
30BA:
De um modo geral, o desenho perdeu muito espaço no jornal...
AP:
No mundo inteiro e no Brasil mesmo. Hoje o espaço pro cara desenhar é a
internet. Quem não tem seu blog e não participa de sites ele não tem onde
mostrar o desenho dele. Porque o jornal O Dia só tem o Jota A, ele não abre
espaço pra mais ninguém, o Meio Norte só tem o Moisés, que aliás tá fazendo uma
caricatura boa agora. A charge dele continua municipal, não boa, eu acho. É uma
opinião minha, não é ser contra ele, mas ele tá começando a se destacar com
esse trabalho de caricatura estilizada. Se ele investir naquilo, ele vai ser
muito bom. O caminho dele é aquele, não charge.
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