Por Bernardo Aurélio
Obs: Esse artigo foi publicado na revista Caderno de Teresina, em 2006. Perdoem qualquer erro.
O Piauí tem
uma nova história para contar sobre seus quadrinhos, um capítulo recente que
pode ser narrado em poucas páginas. Pode-se dizer que este novo momento dos quadrinhos
no Piauí surgiu em 1990, quando Jal e Gualberto[1],
ilustres ativistas e representantes do quadrinho nacional, vieram ao IX Salão
Internacional de Humor do Piauí e ministraram uma oficina expondo o conceito de
“núcleo” para alguns alunos, como Anna Kelma Gallas, Kennedy Eugênio e Allan
Ribeiro[2].
Logo após o Salão, esse grupo realizou as primeiras atividades em torno dos
quadrinhos naquela década: ampliaram o grupo reunindo mais fãs da arte
seqüencial, fizeram oficinas e formaram gibitecas em colégios e tiveram acesso
à imprensa, publicando matérias em jornais. Infelizmente, os integrantes do
então formado “Núcleo de Quadrinhos do Piauí” não conseguiram manter seus
desejos de viverem a partir do trabalho desenvolvido com os quadrinhos. O tempo
passou e tiveram de seguir outros talentos e aptidões, tornaram-se jornalistas,
professores, médicos... e em poucos anos o Núcleo parou suas atividades.
Em 1995, Willdaves Machado e Emanuel
Richardson, associados que haviam participado das reuniões semanais promovidos
pelo Núcleo de Quadrinhos do Piauí, adquirem uma banca de jornais no centro de
Teresina, mais precisamente na rua 7 de Setembro com Areolino de Abreu. Lá é
germinada uma nova idéia. Ribamar Rodrigues, o jornaleiro da banca teve uma
simples idéia: reunir o grupo de jovens que assiduamente compravam quadrinhos
por lá. Deu certo! A Banca do Ribamar, como é conhecida, ainda tinha alguns
detalhes para atrair o público consumidor de quadrinhos em Teresina: era a
única que dedicava uma parede inteira para as revistinhas em quadrinhos e mais,
nenhuma além da Banca do Ribamar vendia comics originais, histórias
importadas dos Estados Unidos.
Os encontros aos sábados foram crescendo e atraindo mais gente, revelaram
grandes fãs, colecionadores e artistas que produziam quadrinhos. Tudo isso
chamou de volta a atenção de Anna Kelma, já uma notória jornalista da cidade.
Com muita paciência, fundamental para lidar com jovens iniciantes no mundo das
artes, Kelma propõe a fundação da Associação dos Quadrinhistas e Aficcionados –
AQUA.
A AQUA é organizada em torno de um estatuto, de objetivos, de
adolescentes empolgados e da presidente Anna Kelma. A atenção que foi dada a
esses jovens era uma experiência diferente. Os quadrinhos, até então não
passavam de um hobby, de repente chega janeiro de 1999 e acontece a 1ª
Feira de Quadrinhos do Riverside. Foi um grande evento, com lançamento de
jornal (Estação HQ), palestras, sebos, exposição, profissionalismo e
divulgação: não deixou de aparecer uma TV da cidade para cobrir o evento.
Ainda em 1999 a AQUA lança o informativo “Quadrinhos”, distribuído
gratuitamente por correios aos seus 60 sócios, informando sobre novidades da
nona arte e trabalhos que a Associação vinha realizando, como os projetos
“Quadrinhos nas Escolas”[3] e
“Papelaria Amiga do Desenhista”.
No dia 5 de maio de 1999, estréia no caderno Alternativo do Jornal Meio
Norte a coluna semanal Estação HQ, onde a AQUA ampliaria suas atividades,
comunicando-se com um número maior de leitores do mundo dos quadrinhos.Logo na
coluna e estréia, a AQUA divulga a realização de um novo evento para os
quadrinhos:
Realmente,
como faremos um evento que demandará tantos recursos? (...) Com garra,
planejamento e responsabilidade. Parece receita de bolo partidário, mas é pura
verdade. O que arrecadamos mal dá para manter a correspondência em dia. Iremos
fazer esse evento com caixa zerado (SEM AUTOR).
O evento pretendia ter expressão nacional e muitas categorias
competitivas. Infelizmente esses objetivos não foram alcançados. O Festival HQ
aconteceu ainda em 1999, de 4 a 7 de agosto, na Casa da Cultura. Mesmo apenas
cinco meses após a feira do shopping Riverside, e sem alcançar suas principais
metas, o Festival HQ ainda apresentou muitos pontos positivos: foram lançados
vários fanzines[4], houve
shows de Rock, inclusive lançamento de CD’s das bandas Capitão Guapo e Narguilê
Hidromecânico. Houve participação do grupo Singular Plural (Maranhão) nas
exposições além de oficinas e palestras.
Nesses dois eventos organizados pela AQUA em 1999, houve um profissionalismo
e reconhecimento inegável pela sociedade teresinense. Aconteceram palestras e
shows de pessoas como Douglas Machado e Júlio Medeiros.
Em 2000 a AQUA ainda divulgou que desenvolveria um novo e grande evento
competitivo dentro do XVIII Salão Internacional de Humor do Piauí, infelizmente
a associação extinguiu antes que isso pudesse acontecer. A explicação mais
razoável para o fim da AQUA e o engavetamento de tantos sonhos foi a falta de
ajuda dos maiores interessados. No informativo “Quadrinhos”, de março de 1999,
a AQUA reclamava que 70% dos associados não contribuíam com a quantia simbólica
de R$ 2,00 mensais. Isso levou a um profundo esgotamento da diretoria.
O ano de 2000 passou sem nenhuma atividade para o quadrinho piauiense
além dos mesmos encontros informais na banca do Ribamar. Fábio Nascimento, um
dos autores do fanzine Camafeu, escreveu na terceira edição do título que
corria por algumas bancas naquele morno ano:
Gostaríamos
de expressar, em poucas palavras, nossa insatisfação com relação ao Estado em
que se encontra o movimento quadrinhístico piauienses: totalmente parado e
praticamente moribundo. Bem diferente de há um ano atrás, quando era um
movimento que começava a ganhar força e reconhecimento (NASCIMENTO, 2000).
2001 representou uma retomada das atividades que a AQUA realizou, pelo
menos no que diz respeito aos eventos de quadrinhos. Eu, Bernardo Aurélio, e
meu primo, Pedro Victor, que participamos de reuniões da associação e estivemos
presentes nas feiras anteriores decidimos dar continuidade ao movimento. Com
base neste pensamento continuísta, a 1ª Feira de Quadrinhos do Riverside e o
Festival HQ da Casa da Cultura tornaram-se as duas primeiras Feiras HQ. De 8 a
11 de outubro de 2001 aconteceu a 3ª Feira HQ, também na Casa da Cultura, onde
é realizada até hoje.
Houve uma grande participação: foi contabilizado uma média de 140 pessoas
por dia e cerca de 100 trabalhos expostos. Aconteceu uma palestra sobre a
produção do quadrinho brasileiro, com Antonio Amaral (autor de Hipocampo,
premiado com o HQ Mix de melhor quadrinho independente de 2001) e Kennedey
Eugênio (professor de historia da UFPI com publicações sobre quadrinhos no
Estado). Foram lançados os fanzines Zona Zine nº1 (de Dedé Leão), MaxxZine nº 1
(Caio Thiago), Filósofo de Banheiro e O Messias e o Narrador (ambos de Bernardo
Aurélio). Pela primeira vez em Teresina, houve uma exibição voltada
especialmente para fãs de animês (desenhos animados japoneses), lotando várias
seções de vídeo na sala da Casa da Cultura. A presença de um grande sebo para
venda e troca de quadrinhos novos e usados também chamou a atenção. Foi
considerado um bom evento, mas não teve a repercussão dos anteriores.
Em 2002, Pedro Victor não pôde dedicar-se inteiramente e eu tive tomar a
liderança por muito tempo sozinho. Depois que os primeiros passos haviam sido
dados, um grupo de ajudantes que foram prestigiar nosso trabalho no ano
anterior, apareceu: Malu Flávia, João Luiz, Paulo Daniel, Francisco Freitas,
Davi e Thiago Muniz foram a força motriz da 4ª Feira HQ.
O
quadrinho, a cada dia que passa, ganha voz e vez no meio cultural de Teresina.
Crescendo de forma meio tímida, os aficcionados pelo mundo HQ despontam e
quando menos se espera eles mostram sua dimensão na cidade. Alguns eventos são
cruciais para que eles saiam da toca e mostrem sua força. É o caso da Feira HQ,
que acontecerá de 17 a 21 de dezembro, na Casa da Cultura, e ria reunir
diversos quadrinhistas (PEDROSA, 2002)
Cerca de 350 pessoas passaram pela 4ª F-HQ. A maior movimentação de pessoas
durante uma exposição da Casa da Cultura naquele ano. Palestraram Anna Kelma
Gallas e Santiago Júnior, apresentando seus trabalhos acadêmicos, conclusões de
curso. Amaral fez-se presente novamente, contando sobre sua vida, criação e
publicação de três edições do Hipocampo.
Além de palestras com grandes representantes e estudiosos do quadrinho no
Piauí, a quarta feira contou novamente com uma grade de exibição de animês,
como Kenshin (Samurai X – OVA’s), Metrópolis e Vampire Hunter D, antecipando a
grande força de público que só apareceria no ano seguinte, com eventos voltados
exclusivamente para exibição dos desenhos orientais, como o Manganimation ou o
Animex.
Gilson Fontenele é o dono de um sebo que sempre esteve presente desde a
terceira edição, e confirma que grandes colecionadores procuram desde os
clássicos Cavaleiros das Trevas ou Reino do Amanhã até Cavaleiros do Zodiaco ou
Dragon Ball.
...um dos
grandes atrativos fica por conta da grande variedade de mangás e HQ encontrados
no local. Edições clássicas de histórias em quadrinhos de heróis como Batman e
Super-Homem são garimpados.
(...)
A iniciativa é boa! Passeando pela feira a gente se depara
com trabalhos profissionais de gente como Dedé, Arimatéia Rodrigues, Isabel
Cristina, Bernardo, entre outros. Um material bom, mas que ainda conta com a
falta de espaço para divulgação e, claro, o incentivo merecido (FRANÇA. 2002)
São os talentos revelados pela Feira HQ e reconhecidos pela imprensa.
Infelizmente, culpar a falta de incentivo seria muito lugar comum. O Núcleo de
Quadrinhos ainda precisa se organizar muito para exigir patrocínios e fazer
mais pelo quadrinho nacional que exposições no Piauí.
Em 2003, sou convidado a organizar uma exposição de quadrinhos durante o
Salão de Humor daquele ano. Esta tarefa quebrou um jejum de quase uma década
sem a participação dos quadrinhos no Salão, desde de 1994, por ocasião do
lançamento da revista Qua-qua-quadrinhos. Também monto exposição com a presença
do sebo do Gilson no Teresina é Pop 2, evento da prefeitura que acontece em
Agosto, durante aniversário da cidade. Estas atividades impedem-me de organizar
um novo evento, por conta disto, Malú e Paulo, auxiliados pelos demais
ajudantes que surgiram em 2002, realizam a 5ª Feira - HQ.
A 5ª F-HQ aconteceu de 18 a 21 de dezembro de 2003. Seguiu os modelos
anteriores, mas infelizmente não conseguiu crescer substancialmente. O único
fanzine lançado foi “Os Pankekas”, de Hugo Leonardo, o público esteve presente,
continuando sendo um evento de destaque para a Casa, mas desta vez voltados
mais para as exibições de animês, mesas de RPG ou para venda e troca de
material em sebos. A exposição de desenhos continha muitos trabalhos dos anos
anteriores. Faltou, mais do que antes, uma mínima divulgação e organização para
captação de recursos.
Em 2004 iniciou-se uma
proposta inovadora para o evento. O Núcleo de Quadrinhos da Fundação Nacional
de Humor, ofereceu uma quantia mínima como premiação aos melhores trabalhos
expostos na 6ª Feira HQ. Os artistas sentiram-se interessadas em participar.
Produziram e inscreveram ilustrações. Houve também, pela primeira vez, uma
premiação com brindes a um concurso de cosplay (fantasia) e uma oficina com
quatro professores voltados ao ensino da construção e narrativa, arte-final,
colorização e fanzine (professores Leno Jefferson, Francilon Carvalho Barros,
Esaul Furtado e Bernardo Aurélio). A 6ª F-HQ ainda teve um Live Action (jogo de
interpretação ao vivo) com grande participação de jogadores organizado pela
Associação de RPG de Teresina – ARTE. Tiveram duas palestras, a primeira sobre
o que é RPG e a ARTE, com Luiz Mário e Virgílio, e a segunda sobre a História
dos Fanzines Piauienses, de minha autoria. Foi lançada a edição nº 0 de O
Besouro, dos alunos de artes da Universidade Federal do Piauí – UFPI.
A 6ª F-HQ, apesar de demonstrar muitas características
de uma organização amadora, mesmo com meia década de existência, representou
para seus produtores um novo rumo para o evento e para os quadrinhos
piauienses. É preciso ousadia e força de vontade para realizar eventos quando
se tem apenas a pouca experiência dos jovens, a falta de tempo dos estudantes e
o interesse do fã.
[1] Gualberto é um dos criadores do
Troféu HQ Mix, a mais importante prêmiação para os quadrinhos publicados no
Brasil.
[3] O Projeto “Quadrinhos na Escola”
foi divulgado no dia 12 de maio de 1999, no caderno Alternativo do jornal Meio
Norte. Aconteceu no colégio Mérito D’Martone.
[4] Só em 1999 foram lançados doze
fanzines: Kid Amba, Camafeu 1 e 2, Zona Zine 0 e ½, Seguidores de Yndico, Ócio
1 e 2, City Art, MaxxZine 1 e 73, Clam Fantasy.
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