domingo, 24 de janeiro de 2021

Entrevista: Bernardo Aurélio e os quadrinhos no Piauí


 Recentemente, recebi um pedido de Joseane Mota, uma aluna do curso de artes da UFPI, que está fazendo um trabalho de conclusão de curso sobre quadrinhos no Piauí. Ela me procurou e pediu uma entrevista.
Segue a entrevista abaixo:


1.    Como começou o seu interesse por histórias em quadrinhos? Você leu muitas histórias em quadrinhos na infância? Você colecionou ou coleciona histórias em quadrinhos ou HQs?
Quando criança, histórias em quadrinhos foi meu brinquedo favorito. Papai trabalhava num prédio do lado da única banca de revistas de Piripiri e sempre trazia quadrinhos diversos pra gente. Eu e meus 2 irmãos mais velhos tínhamos uma coleção dentro de uma caixa que sempre era revisitada por nós.

2. Quais artistas que o inspiraram a entrar nesse universo dos quadrinhos? Você já conhecia algum artista piauiense?
Minhas primeiras inspirações foram meus dois irmãos mais velhos. Eles desenhavam os personagens de seus quadrinhos preferidos e eu quis imitá-los.
Meu pai tinha certa ligação com arte. Ele já pintou um quadro ou outro e tínhamos em casa pinturas de outras pessoas. Lembro de visitar o Batista, um pintor da cidade vizinha, Pedro II, e conhecer seu atelier. Acho que tudo isso conta.

3. Como foi produzir sua própria história em quadrinhos? Quais as dificuldades que você encontrou durante a produção?
É um processo longo e demorado, que a gente faz nas horas vagas. Existe uma dificuldade criativa, já que nunca fui um contador de histórias. Não sou um escritor de ofício. Mas o Foices e Facões é uma pesquisa histórica e um serviço pago. Eu tinha um prazo para ler vários livros e escrever um roteiro inspirado em fatos reais. A obrigação ajudou. E as fontes históricas também. Já o Máscara de Ferro é, na maioria das vezes, um grande divertimento que faço quando estou leve e posso investir um tempo com ele.

4. Poderia contar sobre sua história em quadrinhos?
Não sei sobre qual HQ você quer saber, exatamente. Mas o Foices é sobre a batalha do Jenipapo e existe um blog que eu escrevi só sobre ela. Você pode conseguir muita informação lá (http://abatalhadojenipapo.blogspot.com.br/)
O Máscara de Ferro é uma paródia sobre super-heróis que se passa em Teresina. Ele é um mecânico que usa uma máscara de solda e não tem nenhum superpoder.

5. Como foi a divulgação da sua história em quadrinhos em Teresina?
Novamente, não sei sobre qual HQ você quer saber. Mas, normalmente é a mesma peregrinação em jornais impressos, rádios e TVs. Eu sempre me ofereço e vou onde sou chamado. Existem algumas matérias de divulgação de release, mas poucas críticas realmente elaboradas.

6. Quais prêmios você ganhou com a produção da sua história em quadrinhos?
O Foices e Facões concorreu ao HQ Mix na categoria roteirista estreante. Mas não ganhamos o prêmio. Recentemente, escrevi uma história em quadrinho intitulada Abramele para uma coletânea de terror chamada VHS. Essa revista VHS ganhou o HQ Mix de melhor coletânea independente de 2020. Posso dizer que ganhamos, coletivamente, este prêmio.

7. Poderia contar sobre seu estilo de trabalho? E o que motivou a contar suas próprias histórias?
Atualmente, o que eu mais produzo são as HQs do Máscara de Ferro, que são cartuns de humor. Mas a gente acaba variando um pouco para cada tipo de história que você quer contar. Tenho muitas influencias, desde Moebius a Mike Mignola. Então o estilo varia muito.
As melhores histórias são aquelas que você quer contar e que você precisa contar. Por vários motivos. Foices foi um trabalho sobre história e eu tenho formação em história. Eu queria contar algo que tivesse ares de épico, mas que na verdade era mais um gibi bonelliano. O Máscara tem suas histórias com inspirações pessoais e também puro divertimento.

8. Quais outros artistas de quadrinhos que você conheceu? Quais obras chamaram a sua atenção?
Passei mais 15 anos da minha vida organizando e participando de eventos de quadrinhos. Conheço dezenas de quadrinistas e muitos, muitos, chamam minha atenção.

9. Que conselho você daria para os novos artistas piauienses de quadrinhos? 
Não seria nenhum conselho original: Leia! Treine! Encontre suas inspirações. Encontre uma história que queira contar e mãos à obra. Quanto à publicar, você pode fazer isso gratuitamente na net e só se arrisque no impresso quando tiver respostas positivas de seu público. E não espere enriquecer da noite pro dia. Na verdade, você, provavelmente não irá enriquecer. Com sorte, você conseguirá cobrir seus custos e pagar um supermercado.

10. Como você analisa a história dos Quadrinhos em Teresina?
Até 2013, quando fazíamos a Feira HQ, eu tinha uma noção melhor do cenário. Conhecia mais quem estava produzindo. Hoje a coisa toda parece muito dispersa. Não existe um evento e não vejo autores se projetando, participando de eventos. Em 2018, eu e meu irmão, Caio Oliveira, fomos os únicos piauienses que participamos do beco dos artistas na CCXP. Claro que havia 1 ou 2 outros desenhistas piauienses por lá, mas não expondo de verdade. Conheço gente boa mesmo, que está no mercado de trabalho, mas que não vejo produzindo quadrinhos. Tem muita gente fazendo comissão e ilustrações. Acho que o quadrinho piauiense ainda não se expôs, realmente.

11. Como você vê o mercado atual de quadrinhos no Brasil? E como isso reflete no Estado do Piauí, em especial na cidade de Teresina?
O mercado da auto publicação é enorme. Naquela CCXP de 2018 falava-se de 600 lançamentos de autores independentes. É incrível. Pequenas e médias editoras conseguem absorver alguns destes nomes que se projetam, mas como falei anteriormente, aqui no Piauí não existe auto publicação. Quem publicou quadrinho piauiense nos últimos 15 anos no Piauí além do Núcleo de Quadrinhos do Piauí e da Quinta Capa? Que eu saiba, apenas o Amaral.

12. Quais pontos você destacaria para que o universo dos quadrinhos crescesse no Piauí? Qual sua expectativa em relação a produção de quadrinhos no Piauí?
Falta um pouco de auto publicação. Falta autores acreditarem em si, criarem uma boa história e arrumarem um cartão de crédito. Mas falta, também, a volta de um evento como a Feira HQ. Falta a criação de uma escola pública de artes plásticas e visuais.
Minha expectativa é que a volta de um evento ou a criação de uma escola pública que trate os quadrinhos como parte séria de sua grade de formação (assim como no curso de artes da UFPI), possa realmente acontecer nos próximos anos. E que autores consigam se sentir mais confortáveis para lançar sua obra para um público consumidor maior. 

13. Como é trabalhar com quadrinhos hoje, você diria que há muitas dificuldades ou isso melhorou com o tempo?
Ainda há muitas dificuldades e isso melhorou com o tempo. Produzir quadrinhos é contar histórias. Você pode fazer isso como se não fosse um trabalho. Você pode fazer isso como hobby ou como divertimento nas horas vagas. E você pode fazer isso como trabalho também. E trabalho é sempre trabalho. Tem uma frase que diz mais ou menos assim: “trabalhe com o que você ama e passe a odiar tudo que você gosta”. Então, quadrinho como trabalho é lidar com prazo, com clientes pedindo descontos, desvalorizando seu serviço ou sendo mal pagadores. Isso quando pagam, porque você pode pegar um calote. É também, durante muitas vezes, fazer algo que você não gostaria de fazer.
Eventualmente você pode pegar um trabalho que adora fazer. Isso é uma dádiva.

14. Quais artistas de quadrinhos você conheceu ao longo da sua trajetória no universo dos quadrinhos?
Isso é mais ou menos a mesma pergunta 8. São muitos. Mas se você quer saber quais mais chamaram minha atenção ou quais tive maior prazer de conhecer pessoalmente, eu poderia citar alguns: Eu consegui o autógrafo do John Romita Jr. Isso foi incrível! Eu conheci Mike Deotato Jr e Shiko em um evento na Paraíba. Dois caras incríveis. E conheci gente, meus vizinhos de mesa em eventos como CCXP e FIQ que são excepcionais. Veja bem! Nesses eventos há mais de 300 autores, os melhores do Brasil, em suas mesas a apenas um “oi” de distância. É incrível! Mas eu sou muito tímido pra puxar assuntos com esses caras, na maioria das vezes.

15. No seu ponto de vista, como você define a contribuição de outros artistas para a história dos quadrinhos no Piauí?
Existem nomes como Arnaldo Albuquerque, Amauri Pamplona, Amaral e Jota A que são pessoas que tem sua marca na história. Existem nomes que participaram da Feira HQ como Joniel Santos, Ednaldo Carvalho, Alyne Leonel etc, que já provaram seu talento muitas vezes mas que ainda tem muito a oferecer para a história do quadrinho local. Ainda há pouca produção. Existem nomes de pessoas como Will Walber Jr, que nunca participou de uma Feira HQ (a não ser com o lançamento de um fanzine em 1999, na primeira edição do evento) e nunca vou perdoá-lo por isso, mas que são artistas gigantes! E existem nomes como Leno Carvalho, Felipe Portugal e Ibraim Robertson, que não são piauienses de nascença, mas que vivem ou viveram aqui e que estão no mundo!
O que falta, em comum para toda essa gente? Publicar seus gibis!

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