Dalson Carvalho, em 2007, quando dirigia o filme Corpos Humanos. Foto: Bernardo Aurélio.
Corria o final da década de 1990, acho que em 1998, dois
amigos brincalhões e fãs de cinema tiveram uma enorme câmera filmadora nas
mãos. Dessas que você posiciona no ombro como se fosse uma bazuca e municia com
uma VHS. Esses dois éramos Dalson Carvalho e eu. Tínhamos assistido ao Bruxa de
Blair há pouco tempo e pensamos em fazer uma sátira, filmando-o durante as
férias em nossa cidade natal, Piripiri. Chamamos ao tosco filme de “Babante”. Hoje essa fita encontra-se
meio que, intencionalmente, perdida. Não é algo do qual nos orgulhamos. Mas é claro
que cada um de nós seguiu o caminho de sua arte preferida: eu segui pelos
quadrinhos e Dalson continuou pelo cinema (dentre outras).
Enquanto eu começava a escrever minhas histórias em
quadrinhos, Dalson seguiu produzindo vídeos e tudo era uma grande brincadeira.
Por vezes, haviam intercessões, porque eu sempre namorei com cinema, e
contribui vez ou outra, seja em vídeos cômicos do Dalson, como o famigerado Potó e Potó 2 (outras sátiras ao terror), seja em pequenos impressos, o Fancine, onde escrevíamos sobre aqueles
filmes dos quais gostávamos.
As coisas começaram a se definir quando Dalson filmou “Sem Sentir”. Foi sua primeira
experiência com uma temática e proposta séria, levada, pela primeira vez
também, a uma ilha de edição (antes, era feita em casa com dois
videocassetes, algo impensável para as mentes digitais dos dias de hoje). Repleto
de cortes bruscos e flerte com a música eletrônica. Crítica social, a
hipocrisia e a cidade aparecem na tela. Mas era só o começo. Não muito depois
disso, Dalson decidiu partir para estudar cinema na Academia Internacional de
Cinema – AIC, que concluiu em São Paulo, mas teve suas primeiras aulas em Curitiba,
onde havia uma sede da escola.
A jornada do jovem apaixonado em busca de aulas de cinema,
por si só, daria um filme inspirador: com muita coragem, o rapaz partiu sem
nenhuma segurança de como se manteria naquelas distantes cidades, partiu com
esperança de estudar e trabalhar na própria AIC para custear sua vida e estudo
naquelas cidades desconhecidas. Essa coragem sempre motivou Dalson e foi tudo
de que precisou para conquistar o que queria. Durante todo o curso na AIC,
trabalhou na instituição e chegou a passar algumas noites dormindo na própria
escola.
A Conquista do Espaço
De sua experiência na AIC, dois filmes destacam-se: 1) o
curta A Conquista do Espaço, escrito
e dirigido por ele. Coincidentemente, eu estava visitando-o em Sampa quando as
filmagens começaram e vi toda a pré-produção do dia anterior ao início das
gravações. Até registrei algumas fotos e auxiliei o staff (fui junto com outro
amigo até cidade vizinha pegar parte do figurino além de buscar uma garrafa de
sangue cênico que havia ficado esquecido na geladeira do apartamento. Kkk. No
cinema, há todo tipo de serviço!). O filme foi praticamente todo feito em
estúdio, o que proporciona um grande controle da iluminação, possuía atores
profissionais e alunos da própria AIC e era uma grande ficção fantástica com um
clima meio noir-cyber-punk e revelava
a preocupação do diretor com o tema do controle da humanidade, encaixotados e
sufocados.
2) Depois de Nós foi seu primeiro longa-metragem e, pode-se dizer, o teste final sobre o que havia aprendido na AIC, pois foi rodado logo após sua graduação na escola, junto com pequena equipe de colegas e amigos mais próximos que formou ao longo daquele anos. Decidiu pelo preto e branco, estética indie na música e figurino além de grandes tomadas de câmera parada. Aprendeu que a câmera parada aproxima o cinema da pintura e permite ao expectador uma relação mais íntima com o filme, pois ele teria mais poder de decisão sobre para onde olhar, evitando ao máximo sua submissão aos cortes e edição do cinema. Dalson é dono do filme, quer dizer, é autor do roteiro, da direção, da câmera e da edição. Contou com a ajuda de amigos atuando e inclusive de atores com grande experiência no teatro e na televisão (como Marisol Ribeiro, de novelas como América e Os 10 Mandamentos, e Eduardo Semerjian, que interpretou André Matarazzo na série Maysa, da Globo). O filme fala sobre a monotonia da vida na cidade grande, da relação entre amigos e família e sobre como aprender a se divertir.
Marisol Ribeiro, capa do filme Depois de Nós
2) Depois de Nós foi seu primeiro longa-metragem e, pode-se dizer, o teste final sobre o que havia aprendido na AIC, pois foi rodado logo após sua graduação na escola, junto com pequena equipe de colegas e amigos mais próximos que formou ao longo daquele anos. Decidiu pelo preto e branco, estética indie na música e figurino além de grandes tomadas de câmera parada. Aprendeu que a câmera parada aproxima o cinema da pintura e permite ao expectador uma relação mais íntima com o filme, pois ele teria mais poder de decisão sobre para onde olhar, evitando ao máximo sua submissão aos cortes e edição do cinema. Dalson é dono do filme, quer dizer, é autor do roteiro, da direção, da câmera e da edição. Contou com a ajuda de amigos atuando e inclusive de atores com grande experiência no teatro e na televisão (como Marisol Ribeiro, de novelas como América e Os 10 Mandamentos, e Eduardo Semerjian, que interpretou André Matarazzo na série Maysa, da Globo). O filme fala sobre a monotonia da vida na cidade grande, da relação entre amigos e família e sobre como aprender a se divertir.
A conclusão dos estudos e o eventual retorno ao Piauí
poderia ser problemático. E foi sim. O ritmo aprendido na graduação, as
equipes de produção e a escala de produção de um filme com a qual aprendeu a
trabalhar na academia é uma distante realidade do que encontraria no mercado de
trabalha até mesmo para uma metrópole como São Paulo, imagine em Teresina.
Infelizmente, o caminho não poderia ser outro, ou corria para produzir de forma
independente ou trabalhava com programas de TV e publicidade. E foi tudo isso
que ele fez. Desde filmes para programas de TV, como do Detran para canais
público, até campanhas publicitárias e de políticos, Dalson submeteu-se. Mas
não ficou por isso. Nessa altura, eu me intrometi um pouco.
Talita do Monte atuando no filme Corpos Humanos. Foto de Bernardo Aurélio
Naquele meado dos anos 2000 tanto eu quanto Dalson fomos
sócios fundadores da Academia Brasileira de Documentaristas -Piauí (ABD-PI) e
aquela instituição havia ganho espaço e certo recursos. Por conta disso, pude
produzir, juntamente com a ABD-PI e com Dalson, um curso de cinema. Foram duas
turmas e dezenas de alunos. Uma proposta
inédita no Piauí, com quase um semestre de duração e aulas práticas que
produziram talvez uma dúzia ou mais de curtas dos alunos. E o produto final dos
cursos teve dois filmes especiais, os quais foram dirigidos por Dalson Carvalho,
que teve nos alunos sua equipe de produção: o primeiro foi Corpos Humanos, o qual tenho orgulho de ser o que poderíamos chamar
de produtor executivo (arrumei locação, cenário, alimentação, transporte etc) e
fiz até umas fotos still (esses registros dos bastidores). Aqui, Dalson
sobressaiu-se em sua direção de atores, exigindo deles entrega total, inclusive
para cenas de nus frontais femininos e masculinos, imagine! Um tabu! O filme versava
novamente sobre a relação entre as pessoas, seus desejos mais íntimos e o que
escondem do próximo.
Dalson filmando cena final do filme Corpos Humanos. O filme foi realizado dentro das dependências da antiga FUNDAC, hoje SECULT. Foto de Bernardo Aurélio.
Foto que foi pra capa do DVD do filme corpos humanos. Foto de Bernardo Aurélio.
O segundo, mais para um média-metragem, foi o Quem São os Mestres?, também uma
crítica sobre o controle que sofremos, sobre o consumismo e o fato de parecermos
estrangeiros em nosso próprio mundo. O filme namora com poesia, com a intuição
dos atores, com o gesto natural daqueles que se permitiram filmar e do próprio
movimento da câmera. Este deve ser, de fato, o primeiro filme que Dalson leva
pra rua, com um grande número de atores, inclusive alguns experientes do teatro
piauiense, como Lorena Campelo, permitindo-se enamorar-se pela primeira vez com
o cinema local. Nesse filme, novamente aborda o nu em tela, sendo ele próprio
protagonista de uma cena inesperada: desesperado e correndo nu, pelos
corredores de um supermercado.
Dalson filmando Quem São os Mestres. Ao fundo, Alan Sampaio e Lorena Campelo. Foto de Bernardo Aurélio.
Filmando Kilito em frente à Igreja São Benedito. Foto de Bernardo Aurélio.
Nesse período também começam a aparecer em seus canais de
vídeo, seja no Youtube, seja no vimeo, alguns curtas íntimos, que começou a
fazer sozinho. Pequenos recortes de ângulos, sentimentos, de poesia. Alguns, me
confessou certa vez, que nunca tornou público. São seus e só seus. Outros, vira
e mexe, disponibilizados na internet, ou excluídos da rede, numa demonstração
clara de sua difícil relação com o propósito da sua arte. Um desses filmes, que
produziu apenas com a ajuda de outro amigo, chamado “TV Comer” (acho q era isso, pois trata-se de um desses que talvez
tenha deletado, erroneamente, da web). É um curta que, de novo, dialoga sobre o
controle que sofremos, tema realmente recorrente no artista, onde ele próprio
atua e transa com uma televisão. Isso mesmo! Transa com uma televisão, sem
falar da participação de um guarda-chuva nesse estranho ménage à trois.
Houve um tempo em que tentamos fazer novamente algo juntos, um filme
chamado O Messias e o Narrador. Na verdade, tratava-se de uma pretensa
adaptação de um romance meu, que teve o texto adaptado pelo próprio Dalson. O
roteiro ficou muito bacana, com alguns pontos melhor que o original
(confesso!). Corremos atrás, procuramos editais utilizando a ABD-PI como proponente,
chegamos a falar com Dirceu Andrade e Amaury Jucá, que leram o texto e que
estavam dispostos a protagonizar o filme. Teria sido muito bom! Infelizmente, o
máximo que conseguimos foi fazer uma reunião com os atores-humoristas e
registrar numa foto.
Dirceu, Amauri, Bernardo e Dalson conversando sobre o Messias e o Narrador. Eles confessaram adorar a ideia de fazer um filme conosco.
Como Teresina não foi um lugar muito promissor para seguir
criando, decidiu, novamente, partir em busca de outras cidades, repetindo o mal
que assola muitos artistas locais que não encontram o que precisam na
“provinciana” Teresina. Escolheu o Rio de Janeiro. Lá produziu inúmeras peças
publicitárias de grandes empresas (como a de Eike Batista e Petrobrás) ao tempo
que se apaixonou perdidamente pelo Rio, mais precisamente pelo aterro do Flamengo, onde realizou inúmeras capturas que ilustraram várias de suas poesias. Poesias
que, por sinal, fazem parte de toda sua arte.
Permitam um parênteses aqui: Nesse período que morou no Rio
de Janeiro, Dalson editou o filme Flor
de Abril, do cineasta Cícero Filho, famoso no Piauí e Maranhão pela comédia
Ai Que vida!. Confesso que não vi Flor de Abril, mas acredito que a edição nele
deve ser um ponto muito significativo.
Atualmente, Dalson desenvolve aquela ideia das vídeo-poesias
e, para isso, namora cada vez mais acaloradamente com a música, e a relação de
Dalson com essa arte talvez tenha começado a se fortalecer quando iniciou a
filmagem de clipes para bandas locais. Talvez a primeira tenha sido a música Bota Fé, da Gramophone. Um detalhe, que a modéstia não me impede de calar
(porque tenho grande admiração pela arte do cara), é que novamente eu estava
ali. Na época, Dalson mantinha a parceria com a ABD-PI, de onde tinha à
disposição todo o equipamento para gravar e, assim como em Corpos Humanos, eu
ajudei a produzir o clipe, conseguindo inclusive a locação, no 22º andar de um
prédio em construção (o que é quase impossível em Sampa, segundo Dalson me
confessou na ocasião), cedendo meu quarto para as primeiras cenas além de
conseguir apoio da PM para nos dar segurança durante as filmagens à noite, nas
ruas escuras de Teresina, carregando equipamento tão caro!
Outra música que despertou tanto sua atenção para com o
Super-8 piauiense quanto a atenção do público em geral para sua arte foi a
música I Feel so Sad This Evening,
interpretada pela banda Valeduaté. Acontece
que a letra é do Torquato Neto e
para realizar o filme, como que em uma homenagem, Dalson simulou a linguagem do
Super-8 em uma belíssima montagem.
Dalson, em verdade, é um poeta, que escreve roteiros para
cinema, que filma, que constrói longos romances ainda inéditos (na verdade, um deles está disponível à vendo no site amazon. Sobre a Juventude, aqui) e que agora
aprende a compor música. A verdade é que o verdadeiro cineasta precisa de
sensibilidade para tudo isso, pois é de sua natureza enamorar-se dessas
narrativas, dessas linguagens, e é o que faz com paixão, mesmo quando precisa
filmar uma campanha publicitária de biquínis ou de uma empresa de energia, como
a Endesa Brasil, inclusive foi para uma trabalho encomendado por essa última que
Dalson ganhou prata em Cannes, por
sua edição no filme Pandeiro (veja o filme aqui ), em
2013. Sim! Cannes!
Neste dia 5 de novembro, às 17h, no Clube dos Diários, vá
assistir a uma mostra da produção do artista, selecionada por ele mesmo. Algo
inédito, que deveria ter feito há muito tempo. Aproveite!
Aqui está o link para o canal dele no youtube.
Aqui está o link para o canal dele no youtube.
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