Mais uma prova de que
quadrinhos não são literatura é a matéria do site uol sobre Lourenço Mutarelli.
Este, um autor que conheci em meados da década de 90 com a “trilogia em quatro
partes” de Diomedes, um detetive muito escroto. Aquilo brilhou pra mim. Até
hoje considero uma das melhoras obras que já li e a melhor hq nacional
que conheço. Uma obra volumosa, densa, cheia de propostas estéticas. Propostas
que poderiam incomodar os incautos, mas que agradaria aos curiosos.
Naqueles anos eu fazia
uma feira de quadrinhos aqui no Piauí e resolvi que Mutarelli deveria ser um
dos nossos convidados. Eu o procurei, achei um e-mail, entrei em contato, mas
sua esposa respondeu e disse que ele não poderia ir. “Coisa de artista”,
pensei. Hoje, parece-me que ele já não costumava ir a esses eventos, como não
foi ao último Troféu HQ Mix, receber a homenagem que lhe fizeram. Um quadrinista
que não faz mais quadrinhos e que dedica-se a outras áreas da arte. “A Lucimar Mutarelli irá me representar.
Obrigado", escreveu ele à organização do HQ Mix, segundo a matéria do site
Uol com o artista. Posso imaginar como se sentiram o pessoal do
prêmio.
Enfim, Mutarelli
desistiu dos quadrinhos. Ele disse que "o meio dos quadrinhos sempre me incomodou bastante. Os próprios
quadrinistas mesmo. É um meio muito bitolado”. O autor fez teatro, namorou
com o cinema, em filmes como a adaptação de O Cheiro do Ralo, mas antes disso havia
se rendido à literatura. Ele disse que “essa mudança veio não só pela literatura,
mas também pelo meio literário, que me aceitou muito bem. Isso é uma coisa que
me ganha. Aceitação verdadeira, não bajulação. No meio literário eu fui muito
bem acolhido, isso foi uma coisa que foi muito importante para mim”. Fica
evidente que o autor não foi bem aceito pelo meio dos quadrinhos. O que é uma
pena. Perdemos uma referência que estava, talvez, no auge de sua criatividade.
Foi rumar por outras linguagens porque fazer quadrinhos no Brasil é um tormento,
o próprio autor disse que “no quadrinho, você precisa trabalhar no mínimo dez
horas por dia desenhando. Escrevendo [romances], eu trabalho menos horas por
dia, trabalho com muito mais prazer. E vivo também. Antes, eu não vivia, só
trabalhava”. Essa é uma condição de crise para o mercado de quadrinhos no
Brasil. Existe um grande esforço desse tipo de autor, o desenhista, que
passa horas, às vezes dias, produzindo uma única página.
Mutarelli é um artista
reconhecido e reclama-se abertamente da falta de recursos, “eu preciso é de
dinheiro. Sou um cara totalmente falido”. Já li alguns textos sobre o mercado
de quadrinhos no Brasil e é lugar comum encontrar referências de quadrinistas que
tiveram de percorrer caminhos no design ou publicidade para puderem sobreviver.
Dessa história, fico
com algumas reflexões: por que os quadrinhos no Brasil são um meio tão indigesto
com seus artistas? Por que nossa arte sequencial teve de perder esse talento tão
significativo para outros meios artísticos? Serão os quadrinhos um meio
realmente tão “bitolado” a ponto de renegar a sobrevivência de um autor referência
em seu próprio seio?
Mutarelli, cara, fica de boas!
Não quero aqui fazer um
tratado sobre o mercado de quadrinhos no Brasil, apenas me indigno em saber que nos EUA, autores da literatura e de outras áreas, como
Stephen King, George RR Martin e Orson Scott Card, migram e fazem sucesso com
os quadrinhos,mas aqui no Brasil ainda
vivemos em um meio onde si diminui os quadrinhos a um gênero qualquer de “subliteratura”,
onde autores, para serem levados a sério, precisam escrever romances porque gibis não levam ninguém a lugar nenhum.
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